Dalila Teles Veras
A
escrita e a realidade virtual
Que relação poderá haver entre um
encontro mágico com um velho escritor e o admirável mundo novo da
informática triunfante? Era exatamente isso que vinha me perguntando
ao sair, dias atrás, da 21ª Feira Internacional do Livro de Buenos
Aires, quando tive oportunidade de assistir a um momento único, que
prova de uma maneira tão simples, a importância do livro e da
literatura.
Um público estimado em 500 pessoas,
na sua maioria jovens, apinhado numa sala com 250 lugares, entupia
corredores e o próprio palco onde o escritor argentino de 76 anos,
Ernesto Sábato, era esperado. Depois de ovacionado durante alguns
minutos, o escritor, diante de um profundo silêncio da platéia,
declara que se sente mal e que vem sendo assim desde que perdeu
tragicamente um filho. Só estou aqui porque sabia que me esperavam,
disse. Silêncio outra vez. Que hei de dizer a vocês? pergunta o
velho escritor, com voz visivelmente cansada. Silêncio. Um jovem
grita: fuerza, fuerza... e o escritor, muito emocionado, diz que
jamais alguém lhe havia dito isso. Silêncio profundo novamente. Até
que uma senhora, lá do fundo do auditório diz que, em nome de todos,
não tinha o direito de exigir que o maestro permanecesse ali
sentindo-se mal, mesmo porque haveria outras oportunidades de
encontro. A platéia aprova por aclamação e Sábato aceita, dizendo
que, se não houver outros encontros, pelo menos esperava por todos
em seu enterro. Silêncio pesado novamente, desta vez podendo-se
sentir a emoção geral diante da possibilidade da perda, quando
alguém grita: maestro, homens como você não morrem jamais.
Retira-se o escritor, sob uma
comovida e longa ovação, sabendo que sua obra ficará e seus livros
permanecerão, mesmo após a invasão em massa da realidade virtual.
O livro, da forma como, desde
Gutenberg, nos acostumamos a ver, contendo capa, lombada e folhas
impressas, passou a conviver pacificamente nas prateleiras com os
disquetes do dicionário Aurélio, das enciclopédias, revistas e
livros animados em CD-ROM (Read Only Memory - disco que armazena
imagens, textos e audio).
Está na moda falar em Realidade
Virtual, ou seja, qualquer sistema informático em que se cria um
ambiente com o qual o usuário pode interagir. De acesso ainda
restrito a poucos no Brasil, é divertido assistir ao espanto dos
mais desavisados diante de termos da moderníssima informática, como
Cyberspace (dimensão que só existe na memória de um computador)
Teledildonics (sinônimo de sexo virtual, ou seja, simulação de sexo
com o uso da comunicação eletrônica) ou ainda literatura cyberpunk
(ficção científica cibernética), com freqüência utilizados nas
conversas de bar ou fila de espera do cinema. Quem ganhará a batalha
das estantes? O livro ou o disquete?
Assim como o rádio não acabou com o
jornal nem o cinema e tv acabaram com o rádio, os sistemas de
informação eletrônica não acabarão com o livro. A tela e o CD-ROM
mostram outras possibilidades do ver, mas não substituem o prazer de
folhear a página, assim como a imagem formada pela infinita
combinação binária do 0 e 1, não substituirá jamais as pinceladas de
Van Gogh.
Ambos conviverão por muitos séculos,
com a tecnologia modificando apenas o modo como o livro e a
impressão no papel são criados.
Até que a concorrência do disquete
seja realmente ameaçadora, muita discussão vai rolar, como o fim da
escola, a Universidade Virtual, onde o contato direto entre pessoas
será abolido, além da questão ética da invasão da privacidade e dos
direitos autorais.
Mas nessa questão toda, preocupa-me
apenas o seguinte: com as já conhecidas diferenças sociais
brasileiras, como resolver o problema dos excluídos do livro e,
pior, do recém-formado exército dos “tecnologicamente excluídos”?
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