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Dalila Teles Veras

 

Carta a uma jovem poeta
 

 

Antes que me acusem da falta de originalidade do título, quero dizer que acho procedente a acusação. A apropriação indébita é consciente e, se o amável leitor tiver um pouquinho de paciência, já direi a razão.

Pelo correio, recebi uma indignada carta de uma jovem, residente em Mauá, chamando-me de egoísta que “tem por filosofia não dar a receita do bolo e nem ensinar o modo de preparar. Prefere o bolo pronto.” Explico: Trata-se de uma jovem que escreve poesia e, como tantos outros que também escrevem poesia, veio procurar-me à busca de “conselhos literários”. Por ter me recusado a dá-los, pela simples razão de que não possuo as tais “receitas”, acusa-me a jovem de ter “chutado o pau da barraca”. Pensando bem, o motivo de tamanha indignação deve ser a constatação de que realmente não existe receita, apenas busca e, sobretudo, muita leitura, coisas que o comodismo deste fim de século rejeita com absoluta veemência.

Não tinha nenhuma intenção de responder a carta, mas o assunto ficou me rondando, solicitando solução. Lembrei-me imediatamente de Cartas a um jovem poeta de Rilke, competentemente traduzido no Brasil por Paulo Rónai (várias edições da Editora Globo) e também de um texto precioso de Ernesto Sábato, num raro volume que me foi presenteado por uma amiga poeta argentina, Margarita lo Russo. Pelo que sei, esse texto está inédito no Brasil e, justamente, tem por título “Carta a un joven escritor”. Em protesto a uma grave crise de papel (entre outras tantas graves crises daquele momento na Argentina - 1975) Sábato publicou o texto artesanalmente, em prensa manual e papel ordinário, desses que servem para embrulhar mercadorias baratas, com capa de papelão ondulado, próprio para embalagens grosseiras. Capa e miolo são amarrados com um barbante mais grosseiro ainda. O resultado visual, no entanto, é belo, como é belo e profundo o texto que o insólito volume abriga.

Os textos desses dois grandes escritores, de países e épocas diferentes (as cartas de Rilke são datadas de 1903 a 1908 e a de Sábato é de 1975), surgiram nas mesmas circunstâncias, ou seja, dar resposta a jovens que os procuraram para “aconselhamentos literários”.

Rilke, na primeira das dez cartas, começa dizendo que “ninguém o pode aconselhar ou ajudar, - ninguém. Não há senão um caminho. Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? (...) se puder contestar àquela pergunta severa por um forte e simples “sou”, então construa a sua vida de acordo com esta necessidade”. Rilke fala ainda das suas influências literárias, entre elas, o poeta dinamarquês Jens Peter Jacobsen e nada menos do que um escultor: Auguste Rodin “que não tem igual entre todos os artistas de nossos dias” e sugere ao jovem Kappus que leia sobretudo os poetas e o menos possível trabalhos de estética e crítica, por serem opiniões partidárias.

Já Sábato diz que “quando se escreve a sério, é o tema que elege o escritor” e acrescenta: “não deves escrever uma só linha que não seja sobre essa obsessão que te persegue, às vezes durante anos”. Há um outro trecho que se aplica àqueles que acham que para se construir uma boa obra é preciso que esta seja caudalosa. Numa tradução livre minha, diz ele: “um pintor possui o que se chama de ‘facilidade’ para pintar, como um escritor para escrever. Toma cuidado em ceder. Escreve apenas quando não suportares mais, quando compreendas que poderás enlouquecer”. Mais adiante, envolvido que está em seu universo de idéias, o escritor reflete: “cada um busca o que não tem e se Sócrates busca a Razão é justamente porque a necessita com urgência contra suas paixões. Sócrates inventou a Razão porque era um insensato e Platão repudiou a arte porque era um poeta. A lógica não serve para nada, nem para seus inventores”.

Que poderia dizer eu, pobre aprendiz de poeta, depois desses desaconselhamentos literários?

Como se vê, no começo deste louco século, assim como, acredito, em tempos mais remotos, as dúvidas daquele que começa a escrever eram as mesmíssimas de agora. Só que, ao contrário daqueles que queriam aprender, os jovens de hoje, esperam receitas milagrosas, acostumados que estão à panacéia das fórmulas mágicas, contidas nos chamados livros de auto-ajuda. Difícil explicar que esse caminho, como já disse outro poeta, só poderá ser construído, caminhando.

26 de junho de 1996
 

 

 

Ruth, by Francesco Hayez

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Jorge Amado