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Soares Feitosa |
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Penúltimo
Canto
Variação nº
1, a dúvida
Dedicatória:
para
Artur Eduardo Benevides
de
longo curso e mar-oceano, capitão
e
buscador e achador destes "graais".
|
.
Epígrafes:
“deixavam
espaços em branco,
em
branco,
para
as coisas que não sabiam”
(Ezra
Pound, Canto 13,
tradução
Irmãos Campos
e
Décio Pignatari, Ed. Hucitec)
Homem
algum sabe contar a história completa.
(anônimo,
manuscritos do Mar Morto)
O
falador ficará sem resposta?
(livro
de Jó, 11, 2)
Disse-Lhe
Pilatos: O que é a verdade ?
(João,
18, 38)
|
.
—
O que mais terei deixado de esconder?
Se
aprendi as respostas,
nada
me perguntam;
se
perguntarem,
não
saberei, pois
as
respostas estavam...
não
consigo lembrar onde as guardei.
Uma
resposta,
em
boa resposta sendo, tem que ser mais
rápida
do que sacar
uma
arma: a faca, o cacete, o varapau,
o
disparar do alçapão, do estilete,
do
espinho, ou da tarrafa de pegar
o
peixe, e roubar
a
idéia no ar,
que
também pelo silêncio
uma
indignação silenciada pode ser.
Falar
é compulsivo,
desafiar
os sons, recebê-los de volta,
ouvido-ósseo,
escutar “lá-dentro”
o
pulsar dos sinos
e
receber,
fazer
retornar o eco
e
as palavras retornar, que retornadas
— falar sozinho, e por que não? —
nos resguardam
das respostas
jamais
dadas.
Dizem
que existe um armazém alfandegado
das
respostas;
para
uma viagem, o passaporte,
e
um livro,
— quem sabe, não seria
o Livro de Areia, do argentino?
vasto
livro de anotações extensas
esquecidas,
para
aquela, ligeira, a resposta,
na
ponta-da-língua,
— não pode titubear —
cal
virgem que n'água incendeia
O que direi, de que me defendo?
resposta
de fogo, se é que existe,
como
ousá-la
se
o interlocutor é terrível e impaciente
e
parece
zombar
e sabe balançar
horizontal
a cabeça
—
e os olhos fixos — à direita e à esquerda,
a
cabeça e o sorriso,
enquanto
aos lábios trêmulos
as
tuas palavras e as respostas
medram
medo
e
se afogam no soluço.
O
que te garante que e(E)le
te acreditou?
Recusarias:
o alicate, a unha,
o desterro e a tenaz?! |
.
Ite,
incendiate!,
disse Loiola... |
.
Como
assim,
como
é que se incendeia,
preferes
de fósforo, napalm ou gasolina?
Melhor
de lenha molhada, Bruno,
que
não pega fogo imediato;
geme,
fumaceia e chora,
apenas,
que talvez tivesse dado:
tempo. |
.
Roçar
dois paus, bater um ritmo de noite inteira,
o
ritual
acender,
ajuntar
a chama ao leve sopro e uns matinhos
secos
requer
tempo
quando
preciso
da resposta aqui, ligeira, o lingueirão de longo fogo,
camaleão
de língua vasta,
e
o enlace
agora,
agora, pois
daqui
a pouco serei a lembrança distante de um homem,
mera
lembrança de quem:
já
morreu.
Terei
eu sido cúmplice de alguma vagareza,
louco
de alguma pressa
—-
e a resposta —
onde,
onde
a resposta? |
.
No
palheiro,
disseram,
entre
as agulhas,
na
palha,
palha
seca,
coração
de fogo rápido:
Cal,
caliça, cáustico, cálice,
calem-se,
que
é melhor
calar.
|
.
.
Que
muitas vezes,
a
melhor resposta
está
em João,
capítulo
18,
versículo
38,
talvez
seja
mesmo melhor a certeza
¿...?
da
dúvida-interrogada.
|
.
————————»
calou-se «————————
|
.
Ou,
preocupado
(afinal,
era mesmo um assassinato)
João
tenha-se esquecido de
anotar.
|
.
Ou,
de
pura misericórdia,
nos
teria poupado
(Ele
ou João)
do
perigo de
....
saber.
|
.
O
senhor procurador,
algum
tempo depois da cena do lavabo,
foi
substituído por Marcellus,
que
ninguém jamais deixou de ser
substituído,
procuradores inclusos. |
.
Os
deuses também foram substituídos
e
os leões se alimentaram fartamente. |
.
Um
obscuro poema, o de “J”, o Javista,
não
saberia dizer se era o maior de todos, prevaleceu
e
tem expulsado todos os outros deuses e reduzido
todos
os outros poemas a simples literatura.
Inclusive
os deuses e os poemas destas terras,
a
partir de 12 de outubro de 1492, "depois d’Ele",
foram
expulsos,
substituídos,
ridicularizados,
extintos,
todos. |
Alguns
daqueles velhos deuses, expulsos,
até
que não eram tão maus, dizem;
alguns
faziam chover,
outros
se aplacavam de sacrifícios humanos,
que
afinal não tem feito muita diferença:
temos
aperfeiçoado com absoluto sucesso
as
técnicas de matar...em nome
d’Ele. |
O
senhor procurador (o da pergunta)
até
que se esforçou para alterar a história,
e
parece não era uma pessoa muito má,
até
que se esforçou,
tanto
que é citado nominalmente,
sem
nenhuma mágoa, numa belíssima oração,
milhões
de vezes todos os dias. |
.
E
se o senhor procurador contou
a
alguém o que “ouvira”.
(quem
sabe, só uns balbucios, afinal,
o
acusado
ainda não sofrera quase nada
comparativamente
ao
que tinha para sofrer,
mas
deveria estar
bastante
aterrorizado
com
os interrogatórios
e
a gritaria)
e se Ele,
o acusado, chegou a responder
bem
baixinho,
não
há registro confiável
de
que Lhe fora escutada
a
resposta. |
.
Se Lha tiver escutado,
o senhor procurador
não contou
a ninguém,
e se contou,
perderam-na,
extraviaram-na,
perderam,
perdemos,
perdemos tudo. |
Salvador,
BA, noite alta, 07.09.1995
|
.
.
.
ROBERTO
POMPEU DE TOLEDO
Tudo é surpresa de sua parte. Tudo é uma caixa de surpresas.
Ou melhor: várias caixas de surpresa, uma dentro da outra, como
nos jogos infantis de cubos.
Surpresa número 1: o livro como objeto. Que livro! Que objeto! É
o encontro do artesanal com a alta tecnologia. Do que há de primitivo,
que é fazer as coisas com as mãos, e por si só, com
paciência e esmero, com o que há de avançado, que é
dominar os recursos do computador e usá-los com destreza. Desse
encontro nasceu uma nova mídia.
Surpresa número 2: A variedade do que tem dentro do livro — fotos,
cartas, currículo, notícia de jornal, críticas, envelope
com cheiro.
Surpresa número 3: Sua história pessoal, de alguém
que só começou a escrever aos 50 anos.
Surpresa número 4: Que depois disso tudo, dessa mistura de simplicidade
de colecionador de recordações com criatividade de cientista
maluco, de artesão com piloto emérito de computador, e de
muitas outras coisas, ainda apareça, lá no fundo, desvendada
junto com o último cubo, uma literatura de qualidade. Ainda não
li tudo. A leitura da poesia me exige um ritmo e um clima que não
me está disponível todo dia. Vou lendo seu livro aos poucos.
Mas do que li gostei — o "Penúltimo Canto, a Dúvida", principalmente. |
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da página
|
Primeiro
comentário sobre o poema
Penúltimo
Canto,
variação
nº 1, a dúvida
de
Soares Feitosa,
por
José
ROMERO Antonialli
romeroa@rantac.com.br
I
- 25.05.2000:
1.
Relatório do impacto inicial
Um
poema intenso, provocativo.
Patético,
sem pessimismo.
Dramático,
sem pieguismo.
Uma
interrogação belíssima.
Um
clamor da alma.
O
gemer do espírito prometeicamente acorrenatado à rocha do
solene e fleugmático desconsolo?...
2.
Relatório de navegação:
O poema,
distribuído em 14 estrofes, faz-nos lembrar dos 14 passos da cruz.
A
verdade crucificada 14 vezes... Infinitas vezes?
E a
sede causticante do saber, do buscar a resposta.
Uma
resposta que pode machucar, ferir, queimar.
A verdade
buscada - e sempre fugidia? - que moveu a Inquisição com
seus torquemadas, que imolou tantos Brunos.
Em
nome dEle?
Em
nome de um fanatismo megalômano, teomiminizante.
E onde
buscar a verdade?
Nos
lábios que se teriam calado diante da pergunta de Pilatos?
Nos
palheiros, nos infindáveis e labirínticos meandros do fogo
da paixão, da reflexão, do inebriar-se?
E a
quem dirigir a pergunta?
A
ouvidos incertos, alheados, transcendentemente surdos?
E qual
o preço a pagar?
Qual
a taxa alfandegária para liberar as verdades?
A
verdade?
A
Verdade?
O
alicate - a prisão?
A
unha - a tortura?
O
desterro - o exílio, o isolamento?
A
tenaz - a angústia, a opressão?
E crucificou-se
a verdade. A Verdade?
E
a conseqüência disso no coração do homem?
A
piedade? A misericórdia? A solidariedade?
Não!
O
fanatismo, as perseguições, a cristianização
etnocida, as guerras santas, as santas guerras.
As
catequizações esterilizantemente maquiavélicas, maniqueístas...
Em
vão o seu sacrifício?
Em
vão o ter ingerido o cálice até a última gota?
E
este cálice? Como ingeri-lo?
E
este cale-se? Como tolerá-lo?
E o
que nos ficou?
Uma
verdade que, se existe, não conhecemos.
Extraviou-se,
perdeu-se.
(Para
sempre?)
E
nós nos perdemos com ela.
E
nós nos extraviamos com ela.
E se
não há, accessível, pronta para uso, essa verdade
que nos conforte, que nos oriente, que nos ensine o que fazer de nossa
vida, de nossa existência?
Fruste
o enlace?
Eros
e Psique, divorciados... até quando?
Como
acelerar otimamente o alquímico processo?
Não
estaríamos investindo, por insciência, num terrível
adiamento?
3.
Relatório de impacto final:
O poema,
denso, nos maravilha, pela intensidade do patético desse ser que
se sonda, pavidamente impávido, à beira do abismo - sem fundo,
sem fim? - ... De si mesmo?
Notável!
Grandioso! Transtelúrico!
Do
admirador,
Romero.
[]s. |
José
Romero Antonialli, uma segunda navegação
|
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da página
|
.
Henrique Northfleet
Mestre
Feitosa, és também (como todos) homem impotente frente a
verdade, esta resposta que, por certo, foi ouvida e esquecida. Teu poema,
descobre o penúltimo selo, que jamais será entendido, apesar
de nos ter sido revelado: como a palavra, que escrita, deixa-esvair-a-verdade.
A verdade que, saida da boca, se forma do nada do ar (o roubar a idéia
do ar!) e se perde mesmo na tua pena (ou no tão moderno teclado
do computador) que garatuja o acontecido - com tua terra, com teu povo.
Penúltimo
Canto, a dúvida?
Acredito
que descreves, sim, a certeza, de que o „Novo Mundo“ perdeu sua cultura-mais-do-que-sua-inocência
ao ter sido „descoberto“.
Muito
menos do que um canto apocalíptico, o teu poema nos revela a razão
pela qual fomos expulsos do paraiso!
Mestre
Feitosa, apenas numa coisa estás equivocado-por-modéstia:
nem todos os outros poemas foram reduzidos a simples literatura posto que
neste teu Penúltimo Canto o contradizes!
Um
abraço
Henrique
Northfleet
16.09.2000 |
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|
LUIZ
BELLO
Penúltimo Canto, trajetória entre uma pergunta inquieta e
a revelação final do perigo de saber... Um poema que flui,
baila e galopa ao longo de marcos miliários distribuídos
por Pound, Sócrates, pensadores bíblicos e até o anônimo
redator de um sábio manuscrito do Mar Morto. Tem alpiste suficiente
para alimentar todo um viveiro de pássaros intimidados. E substância
bastante para aspergir, sobre o meio em que brotou, a água benta
amigável de uma mensagem decodificada. Cal, virgem, quando ferve
na água e no verso de um artista sensível, convida à
reflexão. |
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|
NILTO
MACIEL
De:
Nilto Maciel Enviada
em: Domingo, 4 de Junho de 2000 14:18
Assunto:
Comentário sobre Penúltimo Canto
Grande
Poeta Soares Feitosa, receba um caloroso abraço de amizade e
admiração.
Li o "Penúltimo Canto" como se estivesse morrendo. Não por
sentir
dor, não por estar desesperado, não por me sentir velho.
O poema
é
um apocalipse, um final, quase um ponto final na poesia. Ainda haverá
o
que dizer poeticamente, depois desse "Penúltimo Canto". Não
perguntemos
nada aos católicos, aos protestantes, aos chamados
evangélicos,
aos muçulmanos — que eles são todos pilatos com cara de
cristo.
Ou então não perguntemos nada a ninguém. Estou cansado,
sem
fôlego,
exausto, depois da leitura do seu poema. Não por ser ele longo.
Também
é longo o "Lusíadas". E eu o li com muito prazer. Aprendi
muito.
Continuo
aprendendo, embora não seja mais tempo de aprender nada. Talvez
seja
apenas o tempo de apreender as palavras, o sentido delas, da
traição,
da guerra, da fome, da iniqüidade, da vileza, de tudo o que
está
na poesia maior, naquela que diz tudo, como este "Penúltimo Canto".
Porque
o último canto não existirá nunca. Abraços
cordiais do admirador
Nilto
Maciel
|
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da página
|
Joaquim
Alves" <allegro@clix.pt>
Pronto,
cá
estou de volta para comentar este MAGNÍFICO poema-manifesto.
Pergunta-antes-de-resposta:
porquê "penúltimo"?????
Esqueça
a minha pergunta, porque aí vai comentário!!!!!
Viu?
O
seu poema, uma vez mais, tem este ritmo frenético dos 18 anos!
Sim,
dos 18 anos.
Também
pode
ser
dos 20, para quem tenha nascido em anos 50 ou antes.
Continuo
a ter esses anos - 18-20 - e é isso que sinto nos seus poemetos.
Desculpe,
nos seus superpoemas.
Onde
é que a sua memória mora?
Sempre
coisas boas.
joaquim
alves, português da beira baixa
(interior
de portugal-pequeno, mas muito belo!)
|
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da página
|
Segundo
comentário sobre o poema
Penúltimo
Canto,
variação
nº 1, a dúvida
de
Soares Feitosa,
por
José
ROMERO Antonialli
romeroa@rantac.com.br
|
II
- 03.06.2000:
ECOANDO
O PENÚLTIMO CANTO...
Entrada:
O poema, cal virgem nas águas da emoção, da sensibilidade...
Turbulência... Calor... Fogo....
Causticou! Inquietou! Arrebatou!
E eis-me de volta, eco pálido do seu verbo forte.
Garimpagem:
(Alguns
comentários punctuais)
. "O
que mais terei deixado de esconder?"
O tempo:
um passado em relação ao futuro.
A
preocupação: o esconder, o ocultar, o não revelar.
O
referencial: este poema;
o poema da busca;
a vida;
a existência.
Depois
de lido o referencial, o que mais ainda ficou por revelar?
E
esse caminho do revelar, do revelar-se, seria ele infinito?
Infinitamente
infinito?
Por
isso, também, o "Penúltimo Canto":
o penúltimo poema;
a penúltima vida;
a penúltima existência;
.................................
É
de se notar, também, a ambigüidade do termo mais.
1)
O que ainda haverá a esconder?
2)
O que é que terá ficado mais escondido?
. "Uma
resposta
.....................
uma indignação silenciada pode ser."
A boa
resposta, a que nos plenamente satisfaça, tem de ser:
1)
rápida, captura instantânea de um átimo de deslumbramento.
E, acima de tudo, o tempo urge, o tempo voa!
2)
roubo. Tem de ser uma apropriação-transgressão.
Ela precisa invadir, precisa ousar,
precisa abeirar-se das fímbrias do ainda-proibido.
O botim a que todo Prometeu aspira...
3)
"uma indignação silenciada" "pelo silêncio".
A boa resposta indigna, escandaliza,
fere a sensibilidade de muitos.
E precisa ser silenciada, calada.
Pelo silêncio, pelo desprezo,
pela indiferença, pela desqualificação .
Isso, o menos.
Pelo silêncio, pelo silenciamento,
pela mordaça, pela tortura,
pelo extermínio, pela aniquilação.
O ter achado, algo plenificante.
O falar, algo temerário, insensato, perigooso.
Mas...
. "Falar
é compulsivo"...
Falar para quê?
Para
"fazer retornar o eco
e as palavras retornar"...
Quem
busca, quem acha,
ou
quem acha que achou,
precisa
falar, ainda que sozinho,
na
esperança doida, doída,
de
encontrar um eco,
que
faça as palavras de origem
retornar
mais límpidas, mais claras, mais suas.
O
símbolo para aquele que o profere
também
é um símbolo:
um
símbolo do qual ele viu uma faceta,
uma
profundidade, um sentido.
Mas
sabe que quando fala,
fala
de coisas que (bem) entende,
de
coisas que intui,
de
coisas que, também, para ele,
estão
envoltas em densas brumas.
De
aí, a importância do retorno,
uma
e muitas vezes.
.
"que retornadas"
......................
"nos resguardam das respostas
jamais dadas."
As
palavras, quando retornam de sua jornada
às
alfândegas do Verbo,
nos
resguardam, nos protegem...
De
quê?
Resposta
insólita:
Das
respostas jamais dadas.
(Trecho
ultradenso, de difícil penetração!)
Há
respostas que jamais foram dadas.
Qual
o prazo de validade da assertiva?
Há
respostas que talvez jamais nos sejam dadas.
E
isso, para nossa proteção.
Há
respostas que nos chegam, e delas falamos
("Falar
é compulsivo").
E
uns a recebem com alegria.
Outros,
com indiferença.
Alguns
com espírito de contradição.
E
há aqueles outros possuídos
de
grande zelo-copyright de Deus...
E
a fogueira da execração quando se apagará?
E há
respostas que - negadas - nos defendem de nós mesmos.
E
há respostas que - negadas - nos defendem do mundo.
(Mas
tudo isso que temos falado é pouco
para
se levar a um entendimento, ainda que leve,
do
que aquelas densas palavras acobertam
com
um diáfano e espesso véu.
A resposta,
aquela, é qual
"cal
virgem que n'água incendeia."
Linda
e intrigante imagem!
A
resposta, aquela, é virgem:
inaudita,
inédita, quase inefável!
A
resposta, aquela, é cal:
calor,
fogo, turbulência,
na
água da emoção, da sensibilidade!
A
resposta, aquela, incendeia.
Calcina,
reduz a cinzas: a Fênix à espera...
(O
que mais falar diante de tanta densidão?)
Para
finalizar, a terceira estrofe, núcleo, no meu entender,
de
todo o poema.
É
aqui que os arquétipos se mostram mais primais.
Por
isso, o verbo é aqui especialmente denso,
exigindo
do leitor um tremendo esforço
para
dele vislumbrar uma mera - e grandiosa - sombra.
. "Roçar
dois paus, bater um ritmo de noite inteira,"
Dois
paus: um será o excitador, o ativo, o masculino.
Aquele que busca.
: o outro será o excitado, o receptivo, o esperativo, o feminino.
Aquela que é buscada.
Eros
e Psique.
E há
entre os dois um roçar, um leve tocar, quase imperceptível.
E
todo o processo de produzir o fogo está afeito a um ritmo,
feito
de sons e de pausas intercalados.
E
há de durar uma noite inteira, um período inteiro
em
que o que tenta produzir fogo (Quem é ele?)
está
mergulhado em densas trevas. E os dois paus também.
. "ajuntar
a chama ao leve sopro"
Chama:
fogo, paixão, arrebatamento.
Sopro:
espírito.
O
Batismo de Fogo?
O
Batismo do Espírito Santo?
O
encontro em enlace do eu com o Eu?
Mas
quanto tempo, quantas vindas isso requer!
E
eu "preciso da resposta aqui, ligeira, o lingüeirão de longo
fogo,"
"camaleão
de língua vasta,"
Camaleão:
transformações, metamorfoses,
mascaramentos,
personações.
Por
quantas vindas, por quantas vidas, por quantas metanóias,
é
mister passar,
até
chegar a Hora?
"e
o enlace
agora,
agora, pois
daqui
a pouco serei a lembrança distante de um homem,
mera
lembrança de quem:
já
morreu."
Aqui
o Poeta fala da preocupação central que anima,
com
vívido fogo,
o
seu viver,
o
seu viver-em-buscar,
o
seu buscar-em-viver.
Ele
já sabe que está predestinado - inexoravelmente - a experimentar
-
como ele ou como o outro ele? -
um
momento de imane glória:
aquele
momento sagrado, em que os dois pólos
complementares
de si mesmo
irão
se unir em transcendentais núpcias.
Mas
ele deseja isso para agora,
enquanto
ele é ele mesmo,
vestindo
a personalidade que atualmente atua
no
palco do seu ser,
no
palco do seu estar-sendo.
Amanhã
ele será ele mesmo,
mas
será também aquele que hoje ele está-sendo?
Essa,
talvez, a pergunta
(ou
uma das perguntas)
de
cuja resposta estamos resguardados...
E encerra
o poema (pois é aqui que está o clímax de tudo):
"Terei
eu sido cúmplice de alguma vagareza,"
Cúmplice
de quem?
-
Dele mesmo,
de
uma parte dele mesmo que rejeita e acolhe
a
um só tempo.
(E
aqui teríamos material para farta reflexão.)
O
fato é que percebe que, de alguma maneira,
ele
está contribuindo para adiar o tão esperado momento,
coroamento
do seu longo jornadear.
"louco
de alguma pressa"
Ou
teria, de alguma maneira, apressado de mais o processo,
perdendo
com isso alguns dados fundamentais
para
o seu mesmo realizar-se?
Como
sabê-lo?
Como
agir de maneira a optar pela estratégia ótima,
aquela
que o liberte, desta vez?
" -
e a resposta -
onde,
onde
a resposta?"
______________________
Soares
Feitosa:
Desculpe-me
por ter invadido, atabalhoadamente, os escaninhos
do
seu sagrado.
O
discursivo, ao se deitar sobre o poético, tem esse dom
de
deformá-lo, de apequená-lo.
Mas
esse mesmo discursivo, depois de ter mostrado uma nesga
de
sombra do poema, tem de se recolher a sua pequenez e
remeter
o leitor para uma viagem mais nítida.
Essa
a sua desculpa.
Tive
de voltar ao poema, uma e muitas vezes.
E
agora o ecôo.
É
que a palavra, quando é forte,
penetra
fundo, provocando ecos
que
não podem ser sufocados.
Exatamente
como você disse!
Obrigado,
grande vate!
Do
seu admirador,
Romero.
Abraços
cordiais. |
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Herodias, by Paul Delaroche (French, 1797 - 1856)
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