Fernando Pessoa
FERNANDO PESSOA, O FRASISTA






O Jornal de Poesia lança hoje, 25.09.1998, mais uma novidade em Fernando Pessoa, esse mar-oceano da poética mundial: as frases de FP. 

Navegar é preciso — quem disse? Tudo vale a pena se alma não é pequena — e por aí afora, acho que dá para catar umas 10.000 frases desse Poeta-total-tudo! 

Aceitam-se sugestões, indicações. Se quiser elogiar... ou espinafrar, taqui o mail: SF

 
1 - Navegar é preciso, viver não é preciso
2 - Mar Portuguez: Claro que o vocábulo português não é escrito com guez. Já foi. Nem sei dizer quando mudou, tantas as mudanças ortográficas da língua. A expressão faz parte do poema Mensagem, que canta a "possessio maris". Todas as reedições das obras de Fernando Pessoa mantêm determinadas expressões de Mensagem à antiga, como esta, o Mar Portuguez, assim mesmo, de antigamente, Occidente e Oriente. Aproveite e (re)leia Mensagem, na íntegra, aqui no seu JP. Leia também o magnífico ensaio da Nelly Novaes Coelho
3 - Rio da minha aldeia: 
"O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia"  Alberto Caeiro
4 - Todas as cartas de amor são rídiculas
5 - Tudo vale a pena se a alma não é pequena: Também é de Mensagem, Mar Portuguez, vejam:

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Em duas estrofes, três pérolas: o mar salgado; o tudo vale a pena, o Bojador. Ler Pessoa? Devia ser prazer obrigatório.
 

6 - Cadáver adiado que procria: igualmente, é de Mensagem.
7 - O poeta é um fingidor
8 - Minha pátria é a língua portuguesa:

Bernardo Soares

Gosto de dizer. Direi melhor: gosto de palavrar. (s.d.)
 

L. do D.

Gosto de dizer. Direi melhor: gosto de palavrar. As palavras são para mim corpos tocáveis, sereias visíveis, sensualidades incorporadas. Talvez porque a sensualidade real não tem para mim interesse de nenhuma espécie - nem sequer mental ou de sonho -, transmudou-se-me o desejo para aquilo que em mim cria ritmos verbais, ou os escuta de outros. Estremeço se dizem bem. Tal página de Fialho, tal página de Chateaubriand, fazem formigar toda a minha vida em todas as veias, fazem-me raivar tremulamente quieto de um prazer inatingível que estou tendo. Tal página, até, de Vieira, na sua fria perfeição de engenharia sintáctica, me faz tremer como um ramo ao vento, num delírio passivo de coisa movida.

Como todos os grandes apaixonados, gosto da delícia da perda de mim, em que o gozo da entrega se sofre inteiramente. E, assim, muitas vezes, escrevo sem querer pensar, num devaneio externo, deixando que as palavras me façam festas, criança menina ao colo delas. São frases sem sentido, decorrendo mórbidas, numa fluidez de água sentida, esquecer-se de ribeiro em que as ondas se misturam e indefinem, tornando-se sempre outras, sucedendo a si mesmas. Assim as ideias, as imagens, trémulas de expressão, passam por mim em cortejos sonoros de sedas esbatidas, onde um luar de ideia bruxuleia, malhado e confuso.

Não choro por nada que a vida traga ou leve. Há porém páginas de prosa que me têm feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noite em que, ainda criança, li pela primeira vez numa selecta o passo célebre de Vieira sobre o rei Salomão. «Fabricou Salomão um palácio...» E fui lendo, até ao fim, trémulo, confuso: depois rompi em lágrimas, felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. Aquele movimento hierático da nossa clara língua majestosa, aquele exprimir das ideias nas palavras inevitáveis, correr de água porque há declive, aquele assombro vocálico em que os sons são cores ideais - tudo isso me toldou de instinto como uma grande emoção política. E, disse, chorei: hoje, relembrando, ainda choro. Não é - não - a saudade da infância de que não tenho saudades: é a saudade da emoção daquele momento, a mágoa de não poder já ler pela primeira vez aquela grande certeza sinfónica.

Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico.Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a página mal escrita, como pessoa própria, a sintaxe errada, como gente em que se bata, a ortografia sem ípsilon, como o escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.

Sim, porque a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-ma do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.

Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.I. Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982.

8 - Pensar é estar doente dos olhos
.[in O meu olhar, Alberto Caeiro, remetido por Cristiane de Magalhães Porto <porto@gd.com.br>]
9 - Uma "entrevista", mediante colagens, vale conferir!
Mantenedor desta página: SF

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