Jornal de Poesia

 

 

 

 

 

 

 

Entrevistas


 

Fernando Pessoa,
uma colagem de
Rodrigo Souza Leão

 

 

Começo pedindo perdão aos puristas. Meu objetivo não foi escrever o currículo de Fernando Pessoa, como sempre ocorre, nas linhas de abertura da entrevista. Todos o conhecem. Dito isto...

Em 1888 nasce Fernando Antônio Nogueira Pessoa, em 13 de junho, no Largo de São Carlos, Lisboa. Com sete anos escreve o seu primeiro poema, intitulado À Minha Querida Mamã. Desta data até 1935, no dia 30 de novembro, quando vem a falecer; Fernando Pessoa ergue a sua obra literária. Em vida publicou apenas Mensagem, com o qual ficou em segundo lugar num concurso literário. Sua última frase escrita foi: "I know not what tomorrow will bring".

Rodrigo Souza Leão
 



Quem é a pessoa atrás do Pessoa?

Nesta vida em que sou meu sono,
Não sou meu dono,
Quem sou é quem me ignoro e vive
Através dessa névoa que sou eu
Todas as vidas que eu outrora tive,
Numa só vida.

                          Álvaro de Campos


Vivem em nós inúmeros;
Se penso ou sinto, ignoro
Quem é que pensa ou sente.
Sou somente o lugar
Onde se sente ou pensa.

Tenho mais almas que uma.
Há mais eus do que eu mesmo.
Existo todavia
Indiferente a todos.
Faço-os calar: eu falo.

Os impulsos cruzados
Do que sinto ou não sinto
Disputam em quem sou.
Ignoro-os. Nada ditam
A quem me sei: eu 'screvo.

                         Ricardo Reis


Se as coisas são estilhaços
Do saber do universo,
Seja eu os meus pedaços,
Impreciso e diverso.
Eles foram e não foram.

                       Fernando Pessoa
 

Como é o seu processo criativo?

As vezes tenho idéias felizes,
Idéias subitamente felizes, em idéias
E nas palavras em que naturalmente se despegam...
Depois de escrever, leio...
Por que escrevi isto?
Onde fui buscar isto?
De onde me veio isto? Isto é melhor do que eu...
Seremos nós nesse mundo apenas canetas com tinta
Com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?...

                       Álvaro de Campos


Não me importo com às rimas. Raras vezes
Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra.
Penso e escrevo como as flores têm cor
Mas com menos perfeição no meu modo de
exprimir-me
Porque me falta a simplicidade divina
De ser todo só o meu exterior

                      Alberto Caeiro
 

O que os deuses querem de um homem como Fernando Pessoa?

Queriam-me casado, cotidiano, fútil e tributável?
Queriam-me o contrário disso, o contrário de qualquer [coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!

                    Álvaro de Campos
 

O senhor acredita em Deus?

Às vezes sou o Deus que trago em mim
E então eu sou o Deus, o crente e a prece
E a imagem de marfim
Em que esse Deus se esquece.

Às vezes não sou mais que um ateu
Desse Deus meu que eu sou quando me exalto.
Olho em mim todo um céu
E é um mero oco céu alto.

                  [Novas Poesias Inéditas]
 

O senhor tem um lado zen. O que é pensar no nada?

Pensar em nada
é ter a alma própria e inteira.
Pensar em nada
É viver intimamente
O fluxo e o refluxo da vida.

                        Álvaro de Campos
 

O senhor é/foi maluco beleza?

Fui doido e tudo por Deus.
Só a loucura incompreendida
Vai avante para os céus.
 



Só a loucura é que é grande!
E só ela é que é feliz!

                              [Poemas Dramáticos
                               Primeiro Fausto]
 

Existe algum mistério no Universo?

O único mistério do Universo é o mais e não o menos.
Percebemos demais as cousas — eis o erro, a dúvida.
O que existe transcende para mim o que julgo que existe.

A Realidade é apenas real e não pensada.

                             Alberto Caeiro

 

O principal desejo do poeta é a eternidade?

ama o infinito porque mais do que todos
se apega à vida, desejando-a infinda,
sob a simulação de resignar-se com a transitoriedade.

 

O Senhor é saudosista?

Eu amo tudo que foi,
Tudo que já não é,
A dor que já não me dói.
A antiga e a errônea fé,
O ontem que dor deixou,
O que deixou alegria
Só porque foi e voou
E hoje é já outro dia.

                            [Poesias Coligadas/inéditas]


Saudades, só portugueses
Conseguem senti-las bem
Porque têm essa palavra
Para dizer que as têm

                            [Quadras ao gosto popular]
 

O senhor é um sábio?

Sábio é o que se contenta com o espetáculo do mundo,
E ao beber nem recorda
Que já bebeu na vida,
Para quem tudo é novo
E imarcescível sempre.

                           Ricardo Reis
 

Como definiria a VIDA neste mundo de meu Deus?

A vida é um hospital
Onde quase tudo falta.
Por isso ninguém se cura
E morrer é que é ter alta.

                         [Quadras ao gosto popular]
 

Quem é o poeta? O que busca na poesia?

O poeta é um fingidor,
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

                        Fernando Pessoa


Ser poeta não é uma ambição minha.
É a minha maneira de estar sozinho

                       Alberto Caeiro
 

Tem algum mote que o acompanhe?

"Tudo vale a pena quando a alma não é pequena."

                      Fernando Pessoa
 

Qual o conselho pode dar aos jovens de espírito?

Segue o teu destino,
Rega a tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.

Ricardo Reis
 



 

 

 

 

 

30.09.2005