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José Lira

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Alguma notícia do poeta:

Poesia:

 

Ensaio, crítica, comentário e tradução:

 

Só a DIDÁTICA em prol do Homem legitima o conhecimento

A outra face do editor Soares Feitosa, o tributarista

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Edgar Allan Poe

The Raven

 

Tradução de José Lira

 

1
À meia-noite, uma vez,
Que velhos livros eu lia, 
Cuidei que talvez ouvia
Bater à porta, talvez.
Era uma leve batida,
Como que a medo contida,
E então pensei: "A horas tais,
Há de ser uma visita, 
Uma tardia visita 
Deve ser, e nada mais."

2
Ai, bem quisera esquecer, 
E não lembrar, como lembro:
Era no mês de dezembro, 
Brasa em cinza a se fazer. 
Nos livros que eu estudava
Consolo à dor não achava,
Ai, que em vão eram meus ais,
Chamando, em vão, por Lenora
— Que aos anjos ouve Lenora,
Porém a mim — nunca mais...

3
E eu vi então que tremeu,
Dobra por dobra, a cortina;
De uma aflição repentina
Minha alma toda se encheu.
E, o corpo a suster a custo,
Tentei reprimir o susto,
Pensando assim: "A horas tais,
Há de ser uma visita,
Retardatária visita
Deve ser, e nada mais."

4
"Perdão, disse eu, que a dormir
E não a ler estivera,
Peço perdão pela espera, 
Que já vos vou acudir,
Nobre senhor, gentil dama,
Seja quem for que me chama
Tão de manso e em horas tais."
E à pressa a porta escancaro,
Na treva o olhar escancaro,
Vejo a treva — e nada mais.

5
Lá fora, o fundo negror
Da noite, e as sombras da noite;
Do vento o açoite, e o açoite
Do frio, e nenhum rumor...
Mas e essa voz que me embala
O peito, e ao peito me fala?
— Talvez que em vez de meus ais
Tivesse eu dito: "Lenora?"
Dizendo o eco: "Lenora!"
— Foi só isso, e nada mais...

6
E mal a porta fechei,
Minha alma em ânsias ardendo,
Eis que à janela, batendo,
Algo, de novo, escutei.
Disse a mim mesmo: "Não temas,
Livra-te dessas algemas
Que te atam a anseios tais,
Livra-te desse mistério
— Que a causa desse mistério
É o vento, e só, nada mais."

7
De um pulo à janela vou,
De um golpe eu abro a janela,
E eis que de pronto por ela
Um corvo no quarto entrou,
Sem notar minha presença,
E depressa, e sem licença,
E sem maneiras formais,
No meu portal, à vontade,
Pousou, e então, à vontade,
Lá ficou — e nada mais.

8
Ao vê-lo assim eu sorri,
Livre de medo e de estorvo,
E assim falei para o corvo,
Quando refeito me vi:
"Ave sem crista e sem plumas,
Que em tal altura te aprumas,
Donde vens? Aonde vais?
Como será o teu nome,
Se por acaso tens nome?"
E a ave disse: "Nunca mais."

9
Ouvir a uma ave falar:
Existe maior surpresa?
Minha alma de novo é presa
De um horror peculiar.
Quem terá, no mundo, a isto,
Que aqui vi, acaso visto?
"Ninguém, eu disse, jamais
Recebeu tal visitante,
Nem ouviu de um visitante
Um nome tal: Nunca Mais..."

10
Muda e parada, porém,
A ave quedou, sem resposta,
Como quem ouve e não gosta
De assim lhe falar alguém.
"Mas ah! (disse eu) já me cansa
Perder amor e esperança,
Perder amigos leais!
Tu também te vais embora,
Em breve tu vais embora..."
E a ave disse: "Nunca mais."

11
Dita assim, de supetão,
Resposta tão adequada,
Supus que essa ave ensinada
Foi por antigo patrão.
Má sorte teve o seu dono:
A ave o deixou no abandono,
Depois que palavras tais
Ela aprendeu, certamente,
E hoje só diz, certamente,
Esse refrão: "Nunca mais."

12
E nessa hora me dá
Certo langor e cansaço,
E eu me recosto no braço
De meu antigo sofá.
Fico defronte dessa ave
De ar sisudo, sério, grave,
De aspecto e porte ancestrais,
Tentando achar um sentido,
Pois há de haver um sentido,
Nesse refrão: "Nunca mais."

13
A ave de negro capuz
Tem olhos da cor de fogo,
Que brilham em meio ao jogo
De sombras do quebra-luz,
E eu, ofuscado, me deito
No sofá, de encosto feito
Por certas mãos divinais
(Ah! que essas mãos de veludo
Não tocarão no veludo
Deste sofá — nunca mais!)

14
Nesse momento subiu,
No ar pesado do quarto,
Um cheiro de incenso, farto,
E o som de passos se ouviu.
"Ó desgraçado! — eu gritando
Falei — dos anjos o bando
Trouxe-te as bênçãos finais!
— A paz, enfim! O repouso! —
Terei enfim meu repouso..."
Mas a ave diz: "Nunca mais."

15
"Profeta! Núncio do mal!
— Eu grito — Ó escuro profeta!
De que doutrina secreta
És bruxo ou mago, afinal?
Fala a verdade, eu te imploro,
Vê que de bruços eu choro!
— Dá-me os ocultos sinais
Que hão de trazer-me Lenora!
Quando há de voltar Lenora?"
E o corvo diz: "Nunca mais."

16
"Profeta! Ó preto satã!
— Ave ou demônio de pena! —
Deixa-me de alma serena,
Ó tu que vês o amanhã!
Quero saber, negro monge,
Quando verei, perto ou longe,
Nas mansões celestiais,
Vestida de anjo ou de santa,
Essa mulher — essa santa!"
E o corvo diz: "Nunca mais."

17
"Ó infeliz, infeliz,
Bicho ou demônio esquisito!
Volta ao teu mundo maldito,
Corvo de obscuro verniz!
Cravaste a garra em meu peito,
Ave de bico malfeito!
Vai-te! Não tornes jamais!
Deixa-me só nesta casa,
Deixa-me em paz nesta casa!"
E o corvo diz: "Nunca mais!"

18
E agora, pobre de mim,
Que desde então esse bicho
No quarto fez o seu nicho,
E eu vivo a sofrer assim:
Preso ao horror que me assombra,
Arrasto-me à sua sombra,
Nesses transes infernais,
E a minha alma não se livra,
Minha alma não mais se livra,
Nunca, nunca, nunca mais!

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José Lira

EPISÓDIO MILAGROSO DO PADRE CÍCERO ROMÃO
 

A lenda tens pés ligeiros

E corre mais no sertão.

Carlos Pena Filho

 

É dura a vida de um homem
se ele é santo no sertão
tem que rezar muita missa
tem que obrar muito sermão
tem que fazer casamento
apartar amigação
levar socorro conselho
cuidar de berço caixão
para um prover escola
para outro ocupação
e ainda fazer milagre
que é a sua obrigação.
 
– Na vila de Juazeiro
muito milagre ocorreu.
 
É dura a vida de um homem
que é devoto no sertão
tem que ir a muita missa
tem que ouvir muito sermão
mesmo seco de pecados
tem que fazer confissão
rezar e pagar promessa
ralar-se de contrição
carregar andor pesado
em comprida procissão
juntar ao jejum da fome
o jejum da devoção.
 
– Na vila de Juazeiro
a devoção não morreu.
 
É dura a vida de um homem
que é bandido no sertão
não pode assistir a missa
nem nunca ouvir o sermão
tem que manter sua honra       
de fereza e brusquidão      
viver de roubo ameaça
seqüestro defloração
levar no gume da faca
terror e destruição
causar a dor por um nada
a morte por um tostão.
 
– Pois um dia em Juazeiro
este episódio se deu.
 
Na igreja a hora da prece
da beata e do cristão
a santa missa do santo
sua santa pregação
na igreja o eco do coro
o choro da multidão
por um favor uma graça
de cura de salvação
naquele braço o menino
naquela rede o ancião
aqui fraquezas e vícios
ali cegueira aleijão.
 
– Nesse dia em Juazeiro
o santo orou e benzeu.
 
Porém um santo é um santo
mas um bandido é pagão
e um pagão só tem no peito
rancor e desafeição
pois numa rede o bandido
pôs-se de faca e tenção
o devoto aos pés do santo
pôs-se a pedir-lhe a benção
pôs-se o santo a olhar a rede
indo em sua direção
na rede estava o bandido
que tinha a faca na mão.
 
– Foi então que em Juazeiro
um milagre aconteceu.
 
O santo disse esta rede
traz o ódio e a maldição
que seja brando o castigo
de quem não pede perdão
e o santo tocou a rede            
num gesto de compaixão
o devoto abriu a rede
com receio e apreensão
na rede estava o bandido
mas não se mexia não
que tinha o gume da faca
cravado no coração.
 
***
 

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José Lira

RECITAL DA VIDA E OBRA DO POETA CASTRO ALVES
 
1
No salão a luz a orquestra
a festa se interrompeu
em meio parou a dança
o rumor se esvaeceu
outra música mais viva
mais pura e bela irrompeu
foi quando a voz do poeta
meiga suave se ergueu.
 
Teu seio é vaga dourada,
favo de amor e de mel. . .
 
E a noite inteira o poeta
versos de amor a cantar
Teus olhos são negros, negros,
como as noites sem luar. . .
falar do Adeus de Teresa
para a donzela sonhar
falar do Laço de Fita
das Duas Flores falar.
 
São duas rosas nascidas
do mesmo raio de sol. . .
 
(Na noite o amor de uma dama
para o poeta viver
a rubra flor desatada
a fita a se desprender
o luar posto lá fora
horas de enlevo e prazer
festa de versos e beijos
o adeus que nunca há de ser.)
 
2
No palco o breve intervalo
muda a platéia ficou
a peça logo esquecida
nunca mais recomeçou
talento e raça o poeta
a voz em fogo soltou
a liberdade a justiça
a pátria a honra jurou.
 
Como Cristo, a liberdade
sangra no poste da cruz!
 
Bravo o poeta não treme
não teme a espada o fuzil
Quem cai na luta com glória
não é fraco nem servil
tomba nos braços da História
no coração do Brasil!
eis o valor eis a força
eis de um herói o perfil.
 
É a hora das epopéias,
das Ilíadas reais!
 
(Na obra a palavra sangra
presa na cruz da razão
dentro da noite o poeta
sangra e chora a criação
sangra sangra a fantasia
ânsia agonia aflição
o êxtase o ímpeto o gênio
a fúria o estro a paixão.)
 
3
Na praça a lua a cortina
tímida pálida abriu
mais clara a noite ficava
mais forte o brado rugiu
ríspida a voz do poeta
alta exaltada explodiu
rompeu muralhas de pedra
grilhões de ferro partiu.
                                           
A praça! A praça é do povo
como o céu é do condor!
 
O povo a praça o poeta
Deus! ó Deus! falava assim
onde estás que não respondes?
por que te escondes de mim?
pela vergonha de um crime
clamar a teus pés eu vim
que a escravidão nesta terra
quando afinal terá fim?
 
Senhor Deus dos desgraçados!
onde estás, Senhor meu Deus?. . .
 
(No fim a dor a desgraça
a morte e seu negro véu
das mãos de Deus o poeta
recebe palma e troféu
no céu milhões de donzelas
heróis e escravos ao léu
deixou a terra o poeta
foi ser poeta no céu.)
 
***

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