Pensei que fosse
minha
Não pude, amor,
na loucura da entrega
plena,
responder a sua
ofega pergunta!
A sua boca
amansava a minha!
E a minha,
assanhava a sua !
Seus olhos
penetravam os meus,
suas mãos em tortura
prendiam meu corpo
teso,
no mesmo ritmo
da força sua.
Não entende?
No delírio de
fazer-me sua,
confundi a sua voz com
a minha,
por isso não respondi.
Achei que era minha
a pergunta sua!
Como pude viver
(até aqui) sem
você?
Às avessas
Caminhar pelas ruas das
lembranças
é tão perigoso!,
disseste-me, tão
sinceramente.
Mas era tarde!
Ao ouvir o teu conselho,
já corria depressa
pelas minhas.
Eu bem que tentei a escolha,
mas eram tantas,
que acabei perdida
no caminho já
trilhado!
E no desespero
do esquecimento que me
guiava
dei-me conta
de que só buscava
as lágrimas derramadas.
Embora enternecida
quando as enxugava,
mas sem piedade,
timidamente
e sem licença,
lá chegaram todos
os sorrisos
escondidos
e bem guardados!
E foi assim que,
não mais em correria,
passo a passo,
em confraria,
voltei ao mesmo ponto
de chegada,
e cheguei
ao mesmo ponto de partida...
E nessa ida em retorno
às avessas
finalmente reencontrei-me:
aqui estou,
inteira !
Tirania
És pura tirania
doce que vicia
nesse teu chegar
de sonho!
E nesse sonho
que sonho sempre
quando tu me chegas,
sou absurdamente, tua,
e tu tão, absolutamente,
meu!
A timidez ávida
do meu corpo
que já nasceu
teu,
é volúpia
pura,
só no devaneio
de se pensar teu.
E o teu,
no conhecer do meu
não resiste.
Em delírio, aceita
o meu!
Na nudez gostosa que tanto
desejo,
meu corpo,
em marulhar
no mesmo balanço
do teu,
te faz meu de tantas
formas!
Exploro em languidez
a tua masculinidade.
E tu me tomas, em loucura.
E nesse teu
e neste meu,
o gozo vem,
o teu e o meu do mesmo
jeito,
mas não da mesma
forma!
Exausta, na cumplicidade
dos sonhos meus,
sentindo a brisa leve
do próprio respirar
profundo,
ainda assim, sonho,
que não é
a minha,
é a tua...
No silêncio de depois,
quando adormeço,
meu corpo, a boca, a
volúpia
do meu desejo,
ainda assim ficam em
entrega,
pois
no feitiço das
minhas mãos
volto a sonhar.
Afago-me em carícias
minhas
que faço tuas
e me entrego ainda mais!
Mulher
Entrego-me a ti e,
nessa entrega, submeto-me,
mulher!
Não pagas o preço
da minha submissão?
Então, faço-me
criança
no improviso de uma canção.
Criança não
te agrado?
Bem... torno-me anciã,
no lamento de uma recordação.
Não te interesso
assim?
E se fico selvagem?
Assim te faço
medo?
Quem sabe?... Inseto!
Também não...
Pedra?
Não.
Sinto!
Já fiz a entrega!
Tens-me, agora,
mais mulher!
Essa mão
Essa mão suja
que assusta tanto.
Que tanto asco causa
nesse pedir tão
pouco!
Essa mão
tão negada no
desdenho
no descaso bruto
por pedir tão
pouco!
Essa mão
não nega!
Misturando a sua
com a sujeira do cão
sarnento,
mesmo sem nada do seu
pedir
tão pouco,
não nega,
se dá!
Em carícias tantas!
Fada Madrinha
Vestido rodado
um pouco apertado,
saiote de rendas...
Perfume cheirando
A "de quem foi roubado"!
Cabelo dourado
nem bem penteado,
fivela de laço
prendendo seus cachos!
Olhar de mulher
no corpo menina
sorriso maroto
de quem advinha!
Na praça esperando
ao longe
a figura de quem se aproxima!
Olhares trocados
sem mesmo olhar!
Semelham inocentes
até se cruzarem!
E cruzam com o fogo
que queima
sem mesmo acender
e ficam assustados
(nem sabem porquê!).
As mãos, presas
em reza,
apertam o peito,
querendo esconder!
A praça, olhando,
sorri.
É Fada Madrinha:
espera o tempo de acontecer!
Abaetê
E a pipa multicolorida
que brincava
e olhava do céu
suas tardes inocentes,
voou?
E o pião de madeira
que girava
com tanta alegria
na calçada de
terra batida,
quebrou?
E a bola de gude
escondida no bolso
da calça puída
de tanta algazarra,
pulou?
E o taco da bola
de pano
da vassoura roubada
da cozinha de casa,
sumiu?
E o chiclete mastigado
grudado no gibi
escondido debaixo
da cama,
estragou?
E o caderno de casa
com bilhetes da Ana Maria
do cabelo dourado,
rasgou?
* * *
Onde está você,
Abaetê?
Ana Maria