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Página atualizada em 10.02.2001
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Wilson Martins

[O Globo,
Rio de Janeiro, RJ,
10/02/2001]

10/2/2001

As teses da tese

Nas bancas julgadoras de doutoramento da New York University, um dos meus colegas costumava perguntar ao candidato, para começo de conversa: "qual é a tese da sua tese?". Interessando mais do que convencendo, o poeta Adriano Espínola declara desde logo, e ao longo do volume, não uma, mas várias teses, que, afinal, respondem a um pensamento único. 

Eis o pensamento: Gregório de Matos foi o verdadeiro autor não só da biografia que se atribui ao licenciado Rabelo (personagem, diz ele, que provavelmente jamais existiu), mas também das sátiras que lhe dirigiu o padre Lourenço Ribeiro e, ainda, das didascálias que acompanham os poemas ("As artes de enganar. Um estudo das máscaras poéticas e biográficas de Gregório de Matos". Rio: Topbooks, 2000). 

A ironia está em que, transformando o poeta na encarnação protéica de si mesmo e do seu momento histórico, ele o despersonaliza por inadvertência na figura de "poeta coletivo" (porque nem tudo lhe pertence do que passa por gregoriano) e em personalidade simplesmente emblemática: "Não importa quem tenha sido: plagiário ou não, original, ou esteticamente convencional, autor legítimo ou espúrio desses ou daqueles outros poemas, falso ou verdadeiro poeta, o fato é que, sob o seu nome, a história nos legou um vigoroso painel poético do barroco e da sociedade colonial brasileira (...)". Ora, em matéria de crítica e história literária, é precisamente isso que importa. 

No seu entender, tanto o licenciado Manoel Pereira Rabelo quanto o padre Lourenço Ribeiro (erroneamente qualificado de frei) são personae literárias do próprio Gregório de Matos, "criações literárias alonímicas" não figuras históricas existentes na realidade: tal descoberta "terá sido sua maior contribuição aos estudos gregorianos". 

O método consiste em formular hipóteses e logo dá-las por demonstradas graças a raciocínios dedutivos: se há poucas informações sobre o licenciado, é prova de que não existiu; se o nome do padre Ribeiro não consta das histórias jesuíticas e monacais, é porque procurou-o no lugar errado, sendo essa uma dignidade própria do clero secular, como ensina a "Enciclopedia Cattolica", vol. 9: "I presbiteri, fin da principio, assistono e coadjuvano il vescovo (...)". ("Os presbíteros, desde o início, assistem e coadjuvam os bispos"). 

Se os historiadores cautelosamente hesitam em datar alguns textos dos inícios ou dos meados do século, ele conclui que não merecem fé; o licenciado não poderia conhecer o que refere sobre a biografia do poeta, nem estaria habilitado a escrever as didascálias... Há, mesmo, excessos de leitura, inexplicáveis em leitor tão meticuloso: quando o licenciado escreve "Sempre que leio este ramalhete de víboras", Adriano Espínola conclui que o lia continuamente, quando o advérbio também significa ocasionalmente. 

Ele quer encontrar certezas a todo custo numa história repleta de lacunas e obscuridades, acrescentando-lhe, por isso mesmo, larga dose de congeminações supositícias. Não acredita, por exemplo, que o licenciado tivesse conhecimentos suficientes para compor as didascálias, meros "títulos" explicativos que os copistas e editores costumavam acrescentar aos textos. As indicações: "outro do mesmo assunto" ou "do mesmo autor" devem-se também aos copistas, que reuniam no apógrafo comum composições da mais variada procedência, à medida em que as encontravam. 

Daí a imaginar que Gregório de Matos estivesse organizando a matéria, como um autor moderno, para eventual edição em volume é apenas um anacronismo, semelhante a imaginar o licenciado como editor, entregue ao "trabalho gigantesco que se deu, ao organizar uma vasta obra poética constituída de cerca de 959 poemas distribuídos por 23 formas poemáticas, alcançando mais de 45.000 versos (...)". 

O licenciado não trabalhava como autor de tese universitária. Tudo indica que os apógrafos foram compostos ao acaso, durante largo período de tempo, organizando-se os volumes por aluvião, sem qualquer ordem preconcebida, materialmente impossível. Isso explica, diga-se de passagem, que a obra de Gregório de Matos contenha poemas que o satirizavam, às vezes cruelmente, sendo difícil aceitar que fossem escritos por ele mesmo, como quer Adriano Espínola. 

Numa história tão cheia de hipótese, pode-se pensar que as de Adriano Espínola não farão mal nenhum, porque, afinal de contas, tudo continua no mesmo. Contudo, não são hipóteses "incontornáveis", como afirma a respeito do licenciado como "persona literária, não um sujeito histórico". Propô-la como "criação engenhosa do Boca do Inferno" é suposição gratuita, sem qualquer apoio no que se sabe segundo testemunhos historiográficos que valem pelo que afirmam, sem que sejam desautorizados pelo que silenciam. 

Resta louvar a seriedade intelectual com que o autor se entregou ao trabalho, a amplidão da pesquisa e a documentação reunida. Cabe esperar e temer os seus eventuais "efeitos colaterais", quero dizer, outras tantas teses de mestrado e de doutoramento que poderão se multiplicar por cissiparidade, enriquecendo (?) a intrigante biblioteca gregoriana.

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