Francisco Miguel de Moura
Eduardo
Neiva - Introdução a Popper
Finalmente,
temos em mão o livro que fazia falta: O Racionalismo Crítico de
Popper, de Eduardo Neiva Júnior, Editora Francisco Alves, Rio,
1999. Seu autor é piauiense e leciona na Universidade de Alabama at
Birmingham, nos Estados Unidos, onde também dirige o Centro para
Pesquisa em Comunicação. E pasmem os que não foram vê-lo e ouvi-lo,
na Academia Piauiense de Letras, no dia 5 de setembro do corrente
ano, onde ministrou uma magna aula de filosofia sobre assuntos
ligados à comunicação, baseando-se especialmente no filósofo K.
Popper, seu autor preferido: – Simples, claro, ameno, agradável é o
seu discurso falado, tal como o escrito, no livro.
Longe de mim a
pretensão de querer resumir o pensamento de Eduardo Neiva, ao
interpretar Karl Popper. Muito menos a teoria desse filósofo, um dos
mais importantes e profundos do século, senão o mais. E não só isto:
que, certamente, será o filósofo do próximo século XXI, como Marx o
foi deste século. O popperismo é uma cosmologia onde cabem
tanto a "propensidade" – uma nova interpretação objetiva da
probabilidade – quanto o estudo sobre a liberdade e a sociedade
aberta. "Popper entende que as questões de teoria do conhecimento
carregam consigo os problemas centrais de tudo que nos cerca. A
teoria do conhecimento não é apenas parte da filosofia. Posições
tomadas face à questão do conhecimento repercutem por toda parte,
atingindo horizontes cada vez mais amplos, tais como a ética e a
política. A obra de Popper reflete esses pressupostos, já que se
origina no exame do método das ciências empíricas, mas acaba por
oferecer teses influentes a propósito da vida social, da consciência
dos indivíduos, de seus corpos e do cosmos ao redor." (p.83).
Pensava eu que,
dentre os piauienses, apenas o Prof. Raimundo Nonato Monteiro de
Santa era popperiano – este mestre da filosofia da ciência e
divulgador do método de Popper, conhecido de todos nós. Eis que nos
surge esse sábio moço, Prof. Eduardo Neiva, para nossa alegria e,
melhor dizendo, para nosso proveito.
O leitor de
Eduardo Neiva logo vê, no primeiro capítulo do livro, uma clara
introdução ao pensamento de Popper, desde a condenação do método
indutivo ("a indução inexiste e não pode servir como critério
demarcador do conhecimento", p.15) à confirmação da dedução como
excelência para a filosofia da ciência ("o conhecimento
científico é hipotético e dedutivo; o cientista introduz uma
hipótese que é, então, testada empiricamente", p. 15).
E daí segue
Eduardo Neiva descrevendo, historiando, interpretando o filósofo:
"Já há meio século Popper percebera afinidades entre o fascismo e as
revoluções comunistas" (p. 18). Não é que Popper condene in
limine a tradição, tudo o que passou, sem consideração e detido
exame. Mesmo porque, procedendo dessa forma, condenaria sua própria
teoria da inexistência de verdades a priori. Assim, algumas
vezes mostra-se admirador de contribuições localizadas de Sócrates,
Hume, Kant, Marx e de seu contemporâneos Alfred Tarski e Charles
Sanders Peirce. Mas em Marx, por exemplo, critica a inevitabilidade
histórica e a defesa da ação condutora do Estado, as quais em última
análise conduzem à desqualificação da democracia.
Portanto, o
livro de Eduardo Neiva não se limita a uma descrição do
popperismo, muito menos constrói uma paráfrase da teoria. A
finalidade de divulgar o mestre, como muito se tem visto por aí, é
claro que existe. Mas extrapola essa primeira intenção e, com um
jovem filósofo, Eduardo Neiva acrescenta sua crítica, levemente, em
alguns pontos, como esta, só para dar um exemplo: "Popper julga
Aristóteles como sendo subserviente a Platão, o que me parece um
exagero" (p. 63), provando que recebeu bem a lição do mestre,
quando repete com ele que "nesse mundo, deve-se refutar mais do
que aceitar" (p.58), tal como as afirmações de que "qualquer
suposição pode em princípio ser criticada. E o fato de todos poderem
criticar constitui a objetividade científica." (p. 88).
Entrementes, é a
partir do capítulo 2, quando discorre sobre "linguagem e verdade",
que encontraremos o escritor e filósofo piauiense/norteamericano
mais solto, comentando, interpretando e criticando os antepassados
que trataram do mesmo problema, especialmente Sócrates, Platão e
Aristóteles, num "chou" de conhecimento e
percuciência. Essa performance de Eduardo Neiva prossegue nos
capítulos seguintes, sobre "conhecimento" e "sociedade, indivíduo e
universo", onde critica severamente o psicologismo e a psicanálise,
portanto o velho Freud, e mostra a parte teórica de Popper aplicável
ao social.
Em sua palestra,
na APL, numa espécie de "boutade" conta que leu a seguinte
inscrição, num banheiro público: "Marx morreu, Freud morreu!
Estou-me sentindo mal."
Realmente, após
da imensidade dos conhecimentos que Popper nos indica e nos sugere,
criticando o passado filosófico da humanidade, vemo-nos diante de um
mundo novo e diferente, apontado para a sociedade aberta, a
liberdade e a democracia, diferente daquele em que as ideologias
fizeram tantos estragos. É bom que a verdade que ele já pôde nos
mostrar, livre de determinismos, positivismos e outras ficções, seja
o caminho para a sociedade futura, racional e crítica, sem utopia.
Essa sociedade aberta ao indivíduo, à crítica e à participação
democrática, com todos os seus percalços, perigos e enganos, e que
se renova numa velocidade impressionante e nos deixa tontos, embora
nos faça sentir mal por algum tempo, por falta de referentes, é
melhor do que a sociedade do passado, cheia de ódios, guerras e
destruições coletivas, inúteis. E avaliam os otimistas que o mundo
de hoje está produzindo melhores condições de vida para os chamados
"excluídos" que todas as utopias e dogmatismos juntos, religiosos ou
não.
O livro de
Eduardo Neiva termina com um capítulo sobre a vida de Karl Popper e
um glossário filosófico precioso, indispensável.
Mais não tenho
condições intelectuais para dizer nem espaço para usar. Portanto, é
ler e comprovar. O livro é imperdível Pois, como diz Eduardo Neiva:
"A certeza implícita de que o conhecimento é redenção coletiva
nos inspira a busca de hipóteses que possam ser representações
verdadeiras. O saber envolve todos os seres humanos."
"Meio Norte", 29-9-2000
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