Francisco Miguel de Moura
Ser escritor
Que é ser
escritor? Eis uma questão que gostaria de discutir em termos
elevados, na sua parte intelectual, ética, espiritual, e não apenas
no que se atém à matéria.
Entretanto, como
começo de conversa, diga-se que escritor não é profissão
oficializada. Ninguém pode aposentar-se como escritor nem declarar a
profissão na ficha do hotel, mesmo que viva com os rendimentos, o
trabalho de escritor. Uma realidade não reconhecida. O escritor
existe. E como existe!
Pior é que, num
mundo “globalizado” como o nosso, em que profissões até bem pouco
reconhecidas estão deixando de existir, e é possível que a profissão
de escritor jamais venha a ser oficializada.
Mas não deixa de
ser fascinante saber-se que alguém, por um passe de mágica, consegue
tirar um novo mundo de sua cabeça, apenas com os conhecimentos
adquiridos, e através da palavra. Pode construir um estilo como
Mário de Andrade, Graciliano Ramos, José Cândido de Carvalho,
Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo
Neto, Fontes Ibiapina, O. G. Rego de Carvalho, Alvina Gameiro, José
Saramago, Jorge Amado. Pode construir uma doutrina como Moisés,
Jesus, Maomé, Gandhi...
Ser escritor é
ser perigoso porque é lutar com a liberdade. Embora tenha dito
Drummond que “lutar com a palavra é a luta mais vã”, não é tão vã
assim, senão muitos não se honrariam de ser romancistas, contistas,
poetas. Ser escritor é ser inventor de palavras, de discurso. E ser
inventor é ser poeta.
Eu prevejo um
mundo feliz assim, em que todos, ou quase todos, busquem suas
origens e a origem das coisas, em que todos serão poetas, criando e
recriando mundos. Porque Deus foi poeta. Cristo foi poeta. Poetas
foram todos os profetas, inclusive Che Guevara, nas Américas. Para
que poesia mais completa do que o Sermão da Montanha?
De alguém que
sabendo ler, escrever e contar, e além disto dê a maior parte de sua
preocupação vital para escrever poemas, de alguém que seja assim
nunca ouvi falar que tenha entrado para o mundo do crime. O mundo da
poesia é um mundo espiritualizado, que saiu da imundície e galgou o
céu. Já o mundo do homem que se entrega ao crime, seja pela droga,
seja através de sequestros, assaltos, etc. é um mundo de derrotas,
de descida ao inferno. Mundo infeliz. Vejo os criminosos como
pessoas que desceram à condição mais vil, mais primitiva a que possa
chegar o homem. E poucos, por isto mesmo, têm volta.
Os escritores
são os donos da palavra. Quando os discursos ficam velhos eles
inventam outros, e os renovam. São antenas ligadas a tudo o que
acontece no mundo, a fim de que, diante das novidades, e
principalmente do novo, coloque o seu discurso simbolizante. Não se
trata daquela palavra fixa, pedra, que não amolga. Nada disto. A
palavra do escritor é a imagem do homem e da sociedade, é a vida na
sua fluidez, tanto para diante como para trás, para dentro como para
fora, buscando o mítico, o desconhecido ser que somos e seremos por
muito, muito tempo.
Portanto, zombem
quanto queiram do escritor, do poeta, do comunicador. Seja através
do jornal, da revista, do livro, do computador, da internet, ou pela
palavra falada na televisão e no rádio, é sempre a sombra do
escritor que acompanha. A palavra falada, quando escrita, ganha
outra vida. Não há história sem palavra, sem arte. Não há ciência
sem arte, sem palavra. Não há vida sem palavra. Ela é o nosso sinal.
O verbo é que fez o homem. É que faz o homem.
Eis, portanto, a
razão do mistério do escritor, do poeta. Da auréola de grandeza, de
força, de beleza, de poder que o cerca.
Quando não
houver mais a palavra escrita, o homem civilizado desaparecerá da
face da terra, e sobre esta reinará a treva, como no princípio. Não
esperemos que um dia a profissão seja oficializada. De qualquer
forma ela é divina, desejada, amada, odiada, mas sempre um símbolo
da alma.
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