Francisco Miguel de Moura
Pâ e sua flauta de 7 tubos
Como todos
sabemos, há uma infinidade de lendas antigas que ficaram na
literatura universal, umas inteiras, outras quase que só como
ressonância em pequenas frases, numa palavra às vezes. Pã e sua
flauta é uma delas. Da divindade e de seu instrumento quase nada
mais se sabe.
Tento juntar
alguns esclarecimentos, um pouco destes apanhados em leituras e
adaptados a nosso tempo, outro pouco de intuição ou invenção
própria. Pã, deus dos pastores, dos rebanhos e dos campos, é natural
da montanhosa, selvática e quase inacessível Arcádia, situada no
coração do Peloponeso, Grécia antiga. Só mais tarde foi que a Ática,
região da civilizada Atenas, o adotou. Quem historiou primeiro seu
começo foi o poeta Homero, no seu «Hino a Pã»:
- «O deus
(Hermes ou Mercúrio) se transformou, ao serviço de um mortal, em
pastor dos carneiros carregados de lã, levado pelo doce cuidado que
dissimulava em relação a Dríope, à qual, enfim, o amor uniu. E dessa
união fecunda nasceu, este menino caprípede, chifrudo, amigo do
ruído, sorrindo docemente, que foi recebido, logo que nasceu, como
um monstro...»
O início de sua
vida foi tragicômico. Logo que nasceu, a mãe fugiu horrorizada com o
monstrengo que lhe saíra o filho; o pai, acudiu-o de imediato,
envolvendo-o numa pele de lebre. Quando ia taludinho o menino,
Hermes apresenta o filho aos deuses, e a sua vida começa a melhorar.
Os deuses o acharam muito divertido e alegre. Ele era tudo. Pã foi o
nome que lhe deram, significando a grande força da natureza.
Há outras
versões no fabulário grego em que Pã aparece como filho de Zeus e de
Hibris. Eu escolhi a principal, a mais corrente, a mais popular. Pã
nascera do amor entre Hermes e a ninfa Dríope, conforme contou
Homero no seu poema citado. Na sua origem era um deus cabeludo e
barbaço, com pés e cornos de bode. Os filósofos e os poetas
recriaram-no pouco a pouco, fazendo dele uma das grandes divindades
da Natureza; identificaram-no com o Grande Todo. Nas alturas
da Arcádia ele proferia célebres oráculos que embeveciam toda a
Grécia.
A flauta havia
sido inventada por seu pai, Hermes, de forma que ele sempre conviveu
com a essa mania de criar, inventar. Dançarino e músico, ele criou a
flauta de sete tubos, cujo instrumento tocava divinamente e atraía
as ninfas para si. Caçador e soldado, conhecia também a arte de
curar e a ciência do futuro. Por causa disto era bastante procurado
nos bosques. Amava as fontes e as sombras dos bosques e, sobretudo,
a companhia das Ninfas. Sua fama não era apenas de feio, mas também
de bem dotado no que tange ao sexo. Assim, por causa de sua
necessidade de amar, muitas vezes perseguia as ninfas resistentes ao
seu chamado. Daí seus atributos materiais ordinários, entre os
humanos: uma flauta de caniço, o cajado de pastor, a coroa de ramos
de pinheiros e, às vezes, também um galho de pinheiro na mão.
Talvez por causa
de sua feia catadura, nariz chato, rosto inflado, era libertino,
bulhento, zombeteiro, carnavalesco. Com sua voz dissonante,
participara dos cortejos de Dionísio (Baco) pela Índia (expedição
semiguerreira) e de volta a Tebas, quando ali o deus introduziu as
bacanais, que deram origem ao moderno Carnaval.
Contam que os
pais de Platão, ao nascer, levaram o filho ao cimo do monte Himeto,
a fim de ser consagrado a Pã, às ninfas e a Apolo, para que perdesse
o medo, e, quando o deus trêfego, de outra vez, soltasse o seu berro
formidando, não provocasse pânico. Ofereciam-lhe em sacrifício,
naquelas ocasiões, leite de cabra e mel.
A história de
seu amor pela ninfa Siringe (Sirinx) é dramática, mas proveitosa.
Foi a origem de sua fama. Ao vê-la sozinha no bosque, ardeu-se de
desejos irresistíveis. A ninfa corria e o semicapro ia no seu
encalço. Chegando às margens do rio Ladão, na iminência de tornar-se
presa, desesperada, a ninfa pediu socorro a suas irmãs. Pã quis
abraçá-la de qualquer jeito. Quando a tocou, enrola-se num monte de
caniços, nos quais Sirinx se transforma naquele momento. Vendo-se
enganado, com raiva, arrancou-os. Aproveitou o acontecimento
inusitado e começou a estudar os caniços e trabalhá-los até criar a
a flauta de 7 tubos.
Plutarco,
historiador grego, com base na tradição, conta que sob o reinado
Tibério, um navio egípcio dirigido por Tamo vogava calmamente pelo
mar Egeu, ao largo das ilhas gregas. Naquele momento, elevou-se uma
voz misteriosa no ar, como se partisse das ondas, voz que ordenava a
todos gritarem, com toda a força dos pulmões, logo que aportassem:
- O grande Pã
morreu! O grande Pã morreu!»
Aquilo era um
mau augúrio. Chegado ao lugar referido pela voz misteriosa, o
comandante Tamo gritou e os demais o acompanharam:
- O grande Pã
morreu! O grande Pã morreu!
Ouviram de todos
os lados, as águas e os ventos gemerem, gemerem profundamente, como
se todos os habitantes do mar gemessem por uma só boca.
Quando chegou a
Roma a notícia do acontecimento inusitado, a cidade inteira
perturbou-se.
- Seria o fim de
uma era? Pã não é o Grande Todo? perguntavam-se uns aos outros. Mas
ninguém sabia, ninguém respondia. Porque para tais perguntas só o
tempo possui resposta.
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