Amador Ribeiro Neto
Poesia de Nêumanne é seca e exuberante
O jornalista e poeta reúne em livro seus melhores
poemas e traduções de poesia
O jornalista e poeta José Nêumanne, paraibano de Uiraúna,
acaba de publicar Solos do Silêncio - Poesia Reunida, uma antologia
- em que pese o subtítulo - organizada pelo próprio poeta,
com seus melhores poemas. Uma obra repleta de dedicatórias e de
referências, evidenciando, de imediato, as ligações
biobibliográficas do autor. Direto do sertão para o mundo,
numa fala de muitas línguas. Ao final do volume, uma antologia bilíngüe,
selecionada e traduzida pelo poeta. Yeats, Rimbaud, René Char, Joan
Brossa, Octavio Paz. E até Bob Dylan. Aliás, o poeta publica
poemas que ele mesmo chama de "letras", uma clara alusão à
música popular. Um poeta em busca de parcerias musicais? Por que
não?
Entre as referências de sua poesia, aquelas feitas à Paraíba,
em particular, são muito importantes. O Estado possui uma respeitável
produção artística, infelizmente, quase sempre, à
margem da produção cultural do País. Convém
lembrar que são nomes de destaque na Paraíba de hoje, por
exemplo, Ariano Suassuna (teatro e literatura), Ascendino Leite (literatura),
Antônio Dias (artes plásticas), Bráulio Tavares (literatura
e música popular), Elba Ramalho, Zé Ramalho, Herbert Vianna,
Vital Farias (música popular), entre outros. Além da unanimidade
de crítica e público, o compositor e intérprete "revelação"
Chico César.
A poesia de Nêumanne nasce do sertão e se desenvolve na cidade.
Traz as marcas da vida do poeta, mescladas nas memórias da infância
e nas vivências jornalísticas da cidade grande.
Vivências que vão do silêncio fumegante do sertão
ao farfalhar sereno das árvores das serras e da beira-mar. Das páginas
nervosas do jornalismo ao mundo mágico dos deuses da mitologia clássica.
Das incursões líricas de um eu amoroso às denúncias
sociais de um eu engajado.
Assim se apresenta a poesia de Nêumanne: seca e exuberante. Sempre
acompanhando os movimentos da natureza nordestina e das cidades mundo afora.
Na Espanha de Gaudí o poeta ouve as vozes da Serra da Borborema
e vê desdobrarem-se os passos ritmados dos seus dançarinos,
mundialmente conhecidos.
Os nomes mais expressivos da arte paraibana são lembrados pelo poeta
com muita propriedade. Destaco dois, a título de ilustração:
o do renomado poeta Sérgio de Castro Pinto, autor de O Cerco da
Memória, comemorando 25 anos de poesia, e o de Carlos Aranha, ativista
cultural que integrou as fileiras do Tropicalismo e hoje é uma das
inteligências mais inquietas do jornalismo da Paraíba.
A poesia de Nêumanne é assim: de um lado a dicção
coloquial dos repentistas, generosa e fluente. De outro, os versos econômicos,
quase monossilábicos, à semelhança dos cacos de fala
do personagem Fabiano, de Vidas Secas.
Para José Paulo Paes, os poemas de José Nêumanne, na
sua grande maioria, são verbais, mas "nunca são verbosos".
Por isso mesmo prefere os marcados por "certa concisão epigramática".
De fato, a veia incisiva do jornalista pulsa também no poeta. Versos-cactos
irrompem em chicotadas rápidas e secas. Poemas explodem na cara
do leitor. O tiro certeiro ganha o alvo. Um exemplo encontramos no poema
In Love, que é quase um Catulo revisitado com a irreverência
oswaldiana: "- Juro amar-te./- Tesconjuro!".
Ivan Junqueira não tem dúvidas. Diz: "O que li é bom.
É bom sobretudo porque me presta uma informação essencial:
Nêumanne é poeta."
O título do livro pede mais de uma leitura. Solos, referindo-se
ao chão, à terra. Solos, referindo-se ao ato de solar em
música: uma só voz ou um só instrumento. Sempre, como
denominador comum, o silêncio. No chão, na música.
Na terra esturricada, áspera. Na delicadeza e no virtuosismo de
um destaque musical. Um chão. Uma música. O grotesco e o
sublime. Ou vice-versa.
Amador Ribeiro Neto é mestre em Teoria Literária pela USP,
doutorando em Semiótica na PUC-SP e professor do Departamento de
Letras da UFPB
(in Caderno 2, O Estado de São Paulo, 10.10.96)
Leia obra poética de José
Nêumanne
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