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            Abilio Terra Junior 
                                         
                                            
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
              
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            
            O contato direto de Raul 
             
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Raul está 
            sentado em uma cadeira, em uma ampla sala. Em torno dele, sete 
            lindas moças o observam, com olhares cobiçosos. São de diversos 
            biotipos, louras, morenas, altas, baixas, olhos claros e escuros. Já 
            conversaram e, agora, estão em silêncio. A atmosfera é de desejo, 
            que impregna o ambiente. 
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Enquanto isso, a 
            mente de Raul está ocupado com muitos pensamentos.  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Lembra-se do 
            filme "Todas as Mulheres do Mundo", dirigido por Domingos de 
            Oliveira, no qual o personagem vivido por Paulo José vive a cata de 
            conquistas, até que encontra a personagem interpretada por Leila 
            Diniz, por quem se apaixona perdidamente.  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            E se lembra 
            também de cenas de filmes de Frederico Fellini, como "Cidade das 
            Mulheres", em que o personagem cujo intérprete é Marcelo Mastroianni, 
            invade, por acaso, um congresso de mulheres, que defendem os 
            direitos femininos com todo o ardor, e ele é acuado por elas como um 
            intruso, que de fato o é. Como sempre, Fellini combina com mestria 
            cenas da realidade com cenas oníricas, e, nessas últimas, 
            Mastroianni se vê como um poderoso e prepotente macho, com uma capa 
            e um chapéu, e um longo chicote em uma das mãos, com o qual 
            distribui chicotadas a torto e a direito na direção das 
            sobressaltadas mulheres.  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Há uma cena 
            fantástica, em que de uma gigantesca vagina de uma mulher deitada, 
            surgem labaredas e pequenos capetas!  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Ou, então, em 
            Amarcord, que retrata cenas da infância de Fellini na sua cidade 
            natal, Rimini. Numa delas, uma mulher, dona de uma loja, abaixa as 
            portas e exibe para o jovem e embasbacado Fellini os seus fartos 
            seios.  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Em "A Doce 
            Vida", Mastroianni vive Fellini como jovem jornalista, obcecado pela 
            bela e exuberante atriz sueca Anita Ekberg, e tenta conquistá-la de 
            todas as maneiras, até que leva um murro no rosto do seu marido. Ele 
            também vive momentos de amor com a graciosa e delicada francesa 
            Anouk Aimée, ambas, na época, no auge das suas belezas, tão 
            diversas.  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            No mesmo filme, 
            ou seria em "Oito e Meio" (?), os meninos procuram pela prostituta 
            imensa, que vive na praia, e que se exibe para eles, em troca de 
            algumas moedas.  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Raul se lembrava 
            também das atitudes de Mussolini, o ditador italiano, parceiro de 
            Hitler, que recebia mulheres em seu gabinete de trabalho, e, ali 
            mesmo, sem mais delongas, dava com elas uma trepada rápida, ao fim 
            da qual, elas saiam extasiadas pela honra de haverem transado com "Il 
            Duce", enquanto ele, fechava a braguilha, acendia um charuto, e se 
            sentava em sua confortável e majestosa cadeira, enquanto cruzava as 
            pernas sobre a mesa. Era o machismo latino levado ao seu paroxismo!  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            -E então? O que 
            resolveu? Com qual de nós vai ficar? perguntou uma delas, impaciente 
            com aquele silêncio e com o mutismo de Raul. 
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            -Bom, minhas 
            queridas, vocês todas são tão lindas, é muito difícil decidir! 
            Proponho o seguinte: um sorteio. 
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Elas se 
            entreolharam, sem entender muito bem, enquanto Raul, já de volta ao 
            mundo real, ia escrevendo o nome de cada uma delas em pedaços de 
            papel, que dobrava, um a um, e, em seguida, pedia a uma delas que 
            retirasse um deles. Aberto o papelucho, lá estava, com todas as 
            letras, o nome da escolhida: Perla! 
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Ela deu um salto 
            da cadeira e correu para ele, abraçando-o. As outras resmungavam 
            entre si, demonstrando inveja da feliz eleita. 
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Raul levou Perla 
            pela mão, até um quarto, próximo. Fechou a porta e a observou 
            atentamente: ela era jovem, muito bonita, pele trigueira, cabelos 
            longos e negros, olhar e gestos com muita sensualidade. A sua mãe 
            era uruguaia e o seu pai, brasileiro. Uma bela combinação de genes!  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Abraçaram-se e 
            beijaram-se e se despiram. Deitaram-se na cama e Raul demorou 
            bastante nas preliminares, como gostava de fazer, deixando-a cada 
            vez mais excitada. Ela alcançou o orgasmo diversas vezes, enquanto 
            ele, duas vezes. Conversaram, beberam um pouco e, depois, saíram do 
            quarto. 
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            As outras moças 
            já haviam ido embora. Perla também se despediu dele, dando-lhe um 
            longo e sensual beijo.  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Quando ela saiu 
            e Raul fechou a porta, sentiu-se sonolento e cansado. Deitou-se e, 
            de repente, sentiu-se em um outro ambiente. 
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Andava por ruas 
            estranhas, como se estivesse em um cenário propositalmente 
            distorcido, com muros oblíquos, com o fim de representar a 
            complexidade psíquica, como se estivesse em um filme expressionista, 
            como o impressionante "O Gabinete do Dr. Caligari", dirigido por 
            Robert Wiene. Ou seria "Nosferatu", de F. W. Murnau? Ou, ainda, "Metrópolis", 
            de Fritz Lang? Em qualquer deles, não estaria nada bem, sentia um 
            calafrio percorrer sua espinha. Os expressionistas desejavam 
            expressar em seus filmes a experiência psíquica por inteiro, eram 
            verdadeiros mestres em sua arte. Raul sabia disso e muito os 
            apreciava, mas, daí, a participar de um destes filmes, havia uma 
            diferença brutal! Viu um cortejo de caixões passarem por uma rua, em 
            uma atmosfera lúgubre e tormentosa. E, depois, uma multidão de 
            operários, vestidos com seus uniformes, entrarem em uma sinistra 
            fábrica, com paredes cinzentas.  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Raul fechou os 
            olhos e se concentrou, precisava sair desse pesadelo.  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Quando abriu os 
            olhos, estava em uma caverna, iluminada por archotes, carregadas por 
            mulheres morenas, com vestimentas amplas e muito antigas. Demorou a 
            se acostumar com a pouca luminosidade do local. Percebeu, aos 
            poucos, uma escada construída na rocha, e, lá em cima, uma mulher 
            com cabelos amplos e cacheados, morena também, como as outras. 
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            -Aproxime-se, 
            Raul! ela ordenou, com firmeza na voz.  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Ele subiu os 
            degraus, hesitante, até que se colocou frente a ela. Ela possuía uma 
            beleza que o atraía e o tonteava, como se não pertencesse a esse 
            mundo. E como sabia seu nome? se perguntava. 
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            -Eu sou Ishtar, 
            a deusa do amor e da fertilidade, mas também da guerra e da morte; 
            sou chamada a rainha do céu! ela explicou, com convicção. 
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            -Sei o seu nome, 
            pois o conheço há muito tempo! Desde tempos idos! disse ela, para 
            ainda maior surpresa de Raul.  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            -Para lhe ser 
            sincera, desde a antiga Suméria! acrescentou Ishtar, e Raul se 
            espantava cada vez mais. 
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            -Você foi um 
            antigo e bravo guerreiro, viveu muitas vidas. Daí esse seu poder, 
            mas que você não sabe utilizar! Você atrai as mulheres de uma forma 
            inexplicável, e as usa em seu proveito próprio. Quando irá aprender 
            a respeitá-las como seres humanos? Pois elas possuem sentimentos, 
            emoções e desejos, assim como você, Raul! 
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            -Olhe bem em 
            meus olhos! afirmou ela. 
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Raul, mesmo que 
            o quisesse, não conseguiria desviar o seu olhar. Submergiu dentro 
            daqueles olhos negros e profundos, como se mergulhasse em um abismo 
            sem fim. E perdeu a consciência. 
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Sentiu-se voando 
            sem rumo pelo espaço, parecia ter visto a Árvore do Mundo, 
            Yggdrasill, que sustentava a Terra, guardada pelas Nornes, Urd, 
            Verdanki e Skuld, que personificavam o passado, o presente e o 
            futuro, respectivamente. Urd, muito velha, vivia olhando para trás, 
            por sobre os ombros. Verdanki, uma garota, olhava sempre para o 
            presente. Skuld, encapuçada, possuía um pergaminho fechado sobre seu 
            regaço, que continha os segredos do futuro. 
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Então, Raul 
            acordou. Estava deitado na cama, com o corpo pesado, como se 
            chegando de uma longa viagem. Tentou entender o que se passara com 
            ele. Fora um dia longo, tanto no mundo das realidades palpáveis 
            quanto no do sonho ou do inconsciente.  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Parecia a Raul 
            que a sua Anima o havia conduzido a uma viagem pelo seu inconsciente 
            coletivo impessoal, e assumira a figura de uma antiga e poderosa 
            deusa. Sim, pois todos os antigos deuses e deusas estão presentes no 
            nosso inconsciente coletivo, segundo Jung. E cabe à Anima fazer esse 
            trabalho de conexão, no caso do homem, pensava Raul. E ela o fizera 
            muito bem! Deixara Raul perplexo com tudo o que vira e ouvira. 
            Colocara-o frente à frente com a mulher, com tudo o que isso viesse 
            a representar para ele.  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Segundo Jung, 
            estamos vivendo novos tempos, em que a mulher já plantou a semente 
            do seu novo lugar na sociedade e na psique coletiva, mas ainda não 
            tomou consciência disso. O homem, por sua vez, também não está 
            preparado para as grandes mudanças que estão por vir. Mas a Anima 
            está sendo projetada no mundo. E Raul tivera um contato direto com 
            ela.  
  
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