Ângelo D'Ávila
Elas por elas
Em Araxá havia dois amigos
inseparáveis, unha e carne, conhecidos por Zé e Zão. Negociavam
gados de sociedade, honestíssimos um com o outro. E porque andavam
sempre juntos, assim que alguém os via, ia logo cumprimentando-os
por atacado: “Oi, Zé-Zão, como estão?”
Zé morava de casa separada com Anita,
mulher de zona regenerada. Trintona, porém vistosa e apreciável. Zão,
que não a conhecera no passado, curtia luxúria por ela; todavia, não
obstante os maus precedentes da mulher, respeitava o amigo.
Freqüentava assiduamente a casa, fazendo que não notava a confiança
que Anita lhe dava, para não dar na vista. Intimamente não refreava
o desejo, matutando um jeito de pegá-la sem que o amigo viesse a
saber, para não ofendê-lo. Não achava a solução para vencer tamanha
dificuldade, pois que amanheciam um na casa do outro e passavam
juntos o dia inteiro entabulando negócios com terceiros, acertando
contas, etc.
Um dia receberam um convite para verem
um gado em Argenita, uns cinqüenta quilômetros de Araxá. Foram de
trem. Na estação de Tamanduá, a primeira depois da partida, o trem
fez rápida parada, quando encontraram um fazendeiro de saída para
Araxá, de condução própria. De repente, Zão botou a mão na barriga,
bolou uma doença e resolveu voltar de carona com o fazendeiro,
justificando: “Sabe, Zé: Tou passando mal de cólica. Você vai ver
esse gado sozinho, pode ser até apendicite supurado. Vou aproveitar
a carona e voltar pra Araxá.”
Zé quisera também regressar para
assistir o amigo, mas Zão não aceitou: “O negócio é bom, Zé. A gente
não pode perder. Não se incomode, fique tranqüilo, logo que chego em
Araxá, vou direto para a Santa Casa.”
Zé teve que concordar, mas foi ver o
gado contrariado: “Bem, se é assim que você quer, eu vou ver o
gado.” — E foi... só que ao chegar na segunda estação, a de Estevão
Lobo, sem graça de ver o gado sozinho e também incomodado com a
doença do amigo, pegou o trem que cruzava com o seu, com destino a
Araxá, onde chegou pouco depois do Zão atrasado na viagem. Em casa,
com intenção de saber se Anita já dispunha de alguma notícia do
amigo doente, encontrou-a com a porta do quarto fechada, bateu,
anunciou-se e chamou-a pelo nome.
Anita nada lhe respondeu, abriu logo a
porta, vestida apenas com um robe, e deixou que Zé visse o Zão bem
de cueca estirado na cama. Se eram tão amigos, para Anita, sua
moral, nada havia de grave. Zé entendendo a situação disse:
—Uai, Zão! Sua doença era essa,
mentindo pra mim, sô!
Na mesma toada, Zão lhe respondeu:
—Uai, Zé! Você também não disse que ia
ver o gado e não foi, mentindo pra mim, sô!
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