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1
Cláudio Willer
Muita coisa, nestes quadros, remete ao teatral, ao jogo cênico: roupagens que parecem figurinos, gestos hieráticos e posturas rígidas contra um fundo maneirista que é um cenário de planos superpostos. Os retratos dos mitos, personagens célebres, também são puras máscaras, as personae teatrais. Em algumas obras há sugestões eróticas, porém de um erotismo perverso que lembra o teatro sadiano. Aqui ingressamos na metalinguagem, na visão da arte como espetáculo e jogo, como erotismo ritualizado. Há uma constante nos quadros de Maninha: quer representem eles rostos humanos, cenas ou colagens, se faz presente a tematização da transgressão, seja a transgressão da forma pela recusa do acabamento, ou a transgressão do comportamento, dos valores e ideologias pela sugestão da arte como prática perversa. Há um infinito sígnico apenas entrevisto ou insinuado, presente como obsessão ou fantasmagoria expressa na tensão destes rostos insones e estáticos, destas paisagens cujos fundos se dissolvem ou multiplicam. Cada quadro dobra-se sobre si mesmo, nega-se, furta-se à mera representação e aponta para um mais além, propondo, nos traços abruptos e descontínuos, aquilo que ele não é, querendo-se como alteridade, outra coisa. Em nenhuma das telas deixa de haver uma negação, um questionamento do fácil, em que as figuras explodem e seus fragmentos ocupam o espaço, a recusa do linear é expressa sob forma de labirinto. A dialética do eu e do outro, da personagem
e seu duplo ou negativo. No plano da estética, como arte que se
quer outra coisa, aquilo que ela não é, ou seja, vida. Ou
então, como representação da contradição
básica entre o artista e a sociedade. E também, por extensão,
entre o artista plástico e seu mercado, aqueles que se apropriam
do seu trabalho, mercantilizando-o e fetichizando-o. Por vezes me pergunto
se não há, por parte dos integrantes do nosso assim chamado
mercado
de arte, uma intuição deste potencial crítico,
e se algum crítico, galerista ou colecionador, já não
se sentiu retratado na figurinha sinistra do canto do quadro, daí
advindo um leve sobressalto ou um susto mal disfarçado, uma reação
vagamente fóbica. Talvez por isso este mercado, que às vezes
tão apressadamente saúda como vanguardista ou inovadora alguma
mera repetição ritualizada do gesto dadaísta ou futurista,
ainda não tenha assimilado plenamente, ainda não tenha engolido,
por assim dizer, uma produção artística que nasce
primordialmente de um gesto de recusa do senso-comum, do bem-acabado, do
bom-tom em arte e fora dela. Em Maninha, a pintura é, acima de tudo,
um ato de coerência, jamais instrumentalizado ou submisso a algum
outro tipo de discurso, elaboração cerebral, norma ou cânone.
Desta coerência deriva seu vigor – e também a lentidão
que muitos têm para assimilá-la.
2
Mário Schemberg
Maninha criou um Surrealismo brasileiro amazônico de horizontes mais amplos que o do Surrealismo francês, remontando ao magma labiríntico do Maneirismo, e talvez até aos Simbolistas da renascença. A criação de Maninha poderia se relacionar com percepções paranormais da chamada memória distante, pelo fato das imagens de suas obras estarem relacionadas com épocas diferentes. O papel extremamente destacado das
mulheres nas artes plásticas brasileiras, desde a Primeira Guerra
Mundial, foi talvez único em todo o mundo, e constitui indiscutivelmente
um dos seus aspectos mais fascinantes. Desde a década de 20 vêm
surgindo continuamente grandes personalidades artísticas femininas,
sem dever prioridade às masculinas. Maninha é indiscutivelmente
uma das grandes figuras artísticas brasileiras de sua geração,
podendo ainda atingir pontos mais elevados e inesperados em sua obra, pela
contínua transformação criativa de sua arte, que atualmente
tende para um tipo notável de realismo mágico.
3
José Roberto
Teixeira Leite
Aquarelas, técnicas mistas e desenhos, Maninha se revela desde logo uma colorista de bons recursos, pintando seus personagens não com os matizes que na realidade apresentam, mas com a cor de sua própria imaginação. Dá-lhes, assim, uma expressividade profunda, alguma coisa de transcendental, como se quisesse por-lhes a nu, não tanto as formas externas, quanto o âmago mais recôndito, mais intraduzível. O desenho de Maninha é mais vigoroso do que propriamente sensível: a mão escorre por sobre o suporte de tela ou papel com desenvoltura, deixando sobre ele o sulco de uma personalidade forte e ainda assim dar alguma coisa pessoal a todas essas formas e cores. Podemos ver a marca de uma artista que sabe compor seus quadros, imprimindo-lhes uma tectônica, aprofundando planos, situando seus personagens em meio a uma atmosfera, envelopando-os em um estranho clima a meio caminho entre o primevo e a science-fiction. Perturbadora ao extremo, vazada cruamente em uma cor e em um desenho peculiares, obediente a uma temática à primeira vista corriqueira, mas na verdade evocadora de universos absconsos e de visões conturbadas, a arte de Maninha aqui se apresenta se não renovada, certamente aprofundada, mais e mais pessoal a cada novo quadro. |
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