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Agulha
conversou com alguns importantes poetas em vários países
da América Hispânica em torno de aspectos que podem ser considerados
balizas viáveis para a identificação de uma consciência
poética, possibilitando ao leitor compreender quais relações
estabelecem os poetas com seu tempo, seus pares e as condições
históricas que definem o próprio desdobramento de seu trabalho.
Ao longo de várias edições, seguiremos ouvindo a diversos
poetas, sempre preocupados em levar ao leitor um cenário que ambiente
a visão de mundo desses poetas, particularizando a realidade da
poesia na América Hispânica. Neste primeiro momento, conversamos
com o venezuelano Juan Calzadilla (1931), o colombiano Raúl Henao
(1944), a chilena Sonia Murillo-Martin, os mexicanos Blanca Luz Pulido
(1956) e Eduardo Arellano Elías (1959), o argentino Carlos Barbarito
(1955), os peruanos Pedro Granados (1955) e Reynaldo Jiménez (1959),
e os uruguaios Washington Benavides (1930), Alvaro Miranda (1948) e Mariella
Nigro (1957). (F.M.)
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RAÚL HENAO (Colômbia, 1944) Como tenho reiterado em oportunidades anteriores, sinto afinidades por aqueles poetas que se situam ao largo dessa linha negra ou visionária que no ocidente se inicia com os neoplatônicos alexandrinos, passando pelos trovadores provençais (incluindo Dante), os grandes românticos alemães, os simbolistas e os surrealistas franceses. Dentre todas, me seduz a definição de poesia dada em seu tempo por Mallarmé: "A expressão pela linguagem humana, conduzida a seu ritmo essencial, do sentido misterioso, do sentido misterioso dos aspectos da existência". Apenas acrescentaria que tal expressão deveria nos conduzir a uma emancipação da miséria ou da estupidez humana, resultado de haver perdido o vínculo que nos unia à natureza. No início, fui influenciado pela poesia do Nadaísmo (Gonzalo Arango, Jaime Jaramillo Escobar, Amilkar Osorio) e os poetas de Mito (sobretudo Jorge Gaitán Durán); movimentos literários que, na Colômbia, representam o começo da vanguarda poética. Depois fui me corroborando e encontrando afinidades nos poetas hispano-americanos influenciados pelo surrealismo: Aldo Pellegrini, Enrique Molina, Jorge Cáceres, Enrique Gómez-Correa, César Dávila Andrade, Octavio Paz e com outros que, de alguma maneira, são considerados seus precursores: José Antonio Ramos Sucre, Vicente Huidobro, José Juan Tablada. Mas sempre, independentemente dessas influências, procurei encontrar e prosseguir um caminho próprio, que seja fiel e expresse minha própria particularidade ou essência inalienável. SONIA MURILLO-MARTIN (Chile) Minhas afinidades estéticas têm um ponto de convergência com os poetas a nível internacional. em seguida, vem uma seleção espontânea que, em meu caso, se dá pela qualidade e intelectualidade do poeta. Conheci poetas sem educação, com uma poesia perfeita e poetas acadêmicos que não dizem nada de poético. Minha estética varia: poesia filosófica, política, de humor, erótica, mística, feminista, religiosa, poesia para crianças, romances hispano-americanos. Tudo isto, e muito mais, conforma uma estética que viaja de país para país, de um continente para outro, variando os ritmos, inflexões e rimas, mas não a estética nem a profundidade que tem o ser humano como tal. A Poesia é Uma. Idiomas para expressá-la há muitos. Todos os povos e as épocas possuem poetas e poesia. há até mesmo poesia guerreira, de guerra e de estratégias de soldados
EDUARDO ARELLANO ELÍAS (México, 1959) Minhas afinidades estéticas são muitas, me sinto próximo de poetas tão diferentes como Jorge Luis Borges e Gonzalo Rojas; também creio ter uma afinidade, em alguns de meus poemas, com José Gorostiza, certo Octavio Paz e até César Vallejo. Isto para falar dos mestres, dos consagrados pela tradição do século XX. Não conheço suficientemente a poesia mais recente na América Hispânica. Quanto aos mexicanos, minhas dívidas são muitas com José Emilio Pacheco, Alberto Blanco, José Javier Villareal, para dar apenas alguns nomes. Minha poesia é uma verdadeira dispersão de estilos e vozes. Alguma voz será mais minha do que outra? CARLOS BARBARITO (Argentina, 1955) Se algo se destaca no cenário atual da poesia hispano-americana é a não comunicação entre autores, inclusive, falo agora de meu país, entre os que, teoricamente, deveriam estar próximos, ou bem próximos, entre si. Assim, do Uruguai sei de Héctor Rosales porque é amigo de muito tempo e de nenhum outro poeta; do Brasil tenho escassas notícias com a exceção do Jornal de Poesia ; de outros lugares, meu conhecimento se detém em nomes e obras da metade do século porque já são matéria de antologias. Obviamente, é da Argentina de onde me chegam as mais abundantes notícias e para minha casa muitos poetas enviam seus livros aqui faço referência a uma problemática de meu país na questão da poesia editada: a falta de distribuição e difusão, a dureza que é publicar. Falo então de meu país. Não há uma estética dominante, embora muitos tentem demonstrar o contrário, mas sim uma variedade de estéticas que se desdobram em leque. Cada poeta, trata-se de um fenômeno já de mundo estendido pelo mundo, propõe sua estética, dá a conhecer sua obra que não está, com freqüência, ligada a um estilo, um modo de dizer, uma única formulação , com a qual o olha do estudioso dificilmente topa, ainda que tenhamos muitas antologias. Parece-me que, além desse mosaico, há pontos em comum entre os poetas argentinos das últimas décadas. Conseqüências de uma história vivida e sofrida que são percebidos no uso de certas palavras, de certas atmosferas, de certas imagens. É que, recorro a Adorno, depois de nosso Auschwitz já não foi possível a poesia como a vinham entendendo e escrevendo; tudo se deslocou, transtornou-se, li por ali que a elegia, típica dos poetas dos anos 40, abriu caminho para espécies de fórmulas de exorcismo. É que já não se trata da morte do corpo com o corpo presente, exposto, que testemunha seu destino, mas trata-se de um corpo ausente, negado, que obriga os outros a consumirem-se em perguntas. Acontece que recebo livros mesmo de autores mais recentes onde encontro passagens que parecem ter sido escritas por mim, ou por poetas de minha geração, e não se trata apenas de influências que podem existir, que existem , mas sim de uma história ainda não solucionada que segue desatando seus mesmos fantasmas, obrigando às mesmas perguntas, mesmo que esses poetas não tenham vivido aqueles dias. Não me estendo em características que os críticos vêem melhor do que eu; falo do que sinto ao ler nossa poesia das três últimas décadas: obscuridade, falta de ar, o corpo fragmentado, a solidão. Acaso esses elementos não sejam distintos do resto do que hoje se escreve na América Hispânica. Como em tudo, o tempo terá a última palavra.
REYNALDO JIMÉNEZ (Peru, 1959) Sinto-me leitor daqueles poetas hispano-americanos que exploram e renovam a língua, uma vez que nesta se pode provar o sabor da experiência viva. Vallejo, Martín Adán, José Lezama Lima, Emilio Adolfo Westphalen, Américo Ferrari, Octavio Armand, Néstor Perlongher, Juan Luis Ortiz, Carlos Pellicer, Xavier Villaurrutia, Vicente Huidobro, H. A. Murena, Miguel Ángel Bustos, César Moro, Borges, Octavio Paz, Enrique Molina, Francisco Madariaga, José Kozer, Paulo Leminski, integrariam, entre outros, aquela lista (sempre crescente) das preferências. Indicaria isto afinidade estética? sim, se por tal se entende uma certa sensação de consonância espiritual. WASHINGTON BENAVIDES (Uruguai, 1930) O crítico e poeta uruguaio, Elder Silva, nos definiu como "uma sociedade de poetas vivos". Imagino que o fez pelas distintas linhas que conformam meu trabalho. Mediante heterônimos ou sem eles, há um Benavides afim com a antipoesia de Nicanor Parra; outro com a "poética da leitura" de Borges ou José Emilio Pacheco; outro com o exteriorismo de Cardenal ou a antropofagia de Oswald de Andrade; outro está sempre à espreita da raiz folclórica. Não serei eu a dizer qual o verdadeiro.
MARIELLA NIGRO (Uruguai, 1957) Talvez deva traçar um variado itinerário. Das afinidades que provêm da adolescência, algumas, ainda que inegáveis e de profunda marca, foram necessariamente se dissipando com o tempo (como com o modernismo americano, especialmente Julio Herrera y Reissig e Rubén Darío, a lírica apaixonada de Delmira Agustini e a emotiva de Maria Eugenia Vaz Ferreira e Juana de Ibarbourou, o coloquialismo íntimo de Mario Benedetti); outras ainda persistem, como com a trindade de poetas com os quais estabeleci desde o início uma relação de empatia visceral ao mesmo tempo que uma aproximação racional: Neruda, Vallejo, Borges. Talvez nessa ordem de aparição em minhas leituras, com os dois primeiros ingressei antes nos labirintos da linguagem poética e com o terceiro nos do pensamento. A partir de então, caí na conta (primeiro intuí, depois entendi) de que ambos linguagem e pensamento eram os braços da poesia que eu buscava, na leitura e na escritura; palavra mais reflexão que dão à poesia e ao ensaio afinidade genérica , em cujos meandros andariam os sentimentos, as emoções, fui sinuosa; poetas uruguaios: Idea Vilariño, Ida Vitale, Amanda Berenguer, Humberto Megget, Marosa di Giorgio, Cristina Peri Rossi, Circe Maia, Jorge Arbeleche, entre outros, me ensinaram (junto aos espanhóis) a ler; depois, Vicente Huidobro, Luis Cernuda, Juan Gelman, até chegar ao discurso de Lautréamont e às derivas do Surrealismo americano, especialmente Octavio Paz. Seguramente sem pontos de contato temático ou expressivo entre si, o denominador comum de suas criações é, segundo penso, o discurso reflexivo em cuja profundidade o sentimento faz inflexão. Então, são a preocupação filosófica, a exploração metafísica do interior, a consciência da corporalidade e o erotismo não como temáticas mas como traçados da escritura as linhas que atravessam a obra dos poetas que leio. Assim, continuando uma lista reduzida uma vez mais, Hugo Achugar, Jorge Meretta, Roberto Appratto, Rafael Courtoisie, Roberto Echavarren, Alfredo Fressia, Luis Bravo, y outra vez Octavio Paz. Destes quatro últimos, além do mais, me seduz sua prosa ensaística, o que reafirma as afinidades estéticas com todo o corpus de sua obra e me confirma a assinalada correspondência entre poesia e ensaio. Em outra ordem, me interessa especialmente
a intertextualidade de poesia e pintura (ékfrasis, caligramas)
ensaiada por alguns poetas latino-americanos. Por exemplo, Octavio Paz
ou Severo Sarduy, propõem a tensão entre os dois sistemas
expressivos a transfiguração a que se refere Paz
que deixa a descoberto um mesmo fenômeno: o fato poético.
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JUAN CALZADILLA (Venezuela, 1931) Houve uma época em que me interessou muito a atividade do grupo de poetas argentinos desenvolvida em torno das figuras paradigmáticas de Aldo Pellegrini e Enrique Molina. Pellegrini foi o encarregado de lançar continentalmente a geração de 60 em sua já clássica Antología de la Poesía Viva Latinoamericana (Seix Barral). Dali se desprendeu o apoio que deu ao Techo de la ballena e as coincidências que, em matéria de linguagem, por um tempo mantivemos com o grupo que vinha de Letra y Línea, e que mais tarde fundou a revista Poesía-Buenos Aires. Uma dessas conseqüências foi o fato de que Juan Antonio Vasco passasse a viver entre nós durante os anos 60. Esse foi um momento transcendental que, no que me diz respeito, coincide com uma aproximação produtiva com o grupo surrealista que por volta de 1965 integravam em São Paulo Sérgio Lima, Roberto Piva e Cláudio Willer. Posso igualmente falar das propostas que compartilhávamos com o movimento nadaísta da Colômbia, que contribuiu com seu tom coloquial e direto para manter o clima de insurreição e a atitude dissidente da vanguarda poética de finais dos anos 60 e início dos 70. Depois de tanta deserção e abandono como os que assistimos em nossos movimentos, não se pode mais estranhar que eu me sinta um cético e que esta seja a via em que me expresso mais habitualmente. Sigo desejoso de ouvir os jovens e trato de me manter informado do que ocorre em nossos países, com uma intenção mais tolerante. Menos convocado, suponho, por uma intransigência que tem gradualmente escondido as unhas para solicitar, de mim mesmo, também, uma maior esforço de compreensão e solidariedade generacional. Enfim, são muitas as coincidências, sobe tudo neste momento em que há grande quantidade de jovens poetas anti-sistema nos reclamando. O que fazer? Envelhecemos nós, a poesia não.
Os nadaístas para não ir muito longe queimaram (literalmente) a literatura colombiana anterior a eles, incluindo La vorágine, de José Eustaquio Rivera e María, de Jorge Isaac, dois romances e romancistas arquetípicos, intemporais das letras nacionais. E desconheceram e continuam desconhecendo os poetas e escritores que vieram depois. Por sua vez, Fernando Vallejo, um escritor antioquense radicado no México, que teve muita ressonância ultimamente, nega todo o valor do Nadaísmo. Em Fogo secreto (volume II de sua saga autobiográfica El río del tiempo), nos diz textualmente: "foi antes ou depois deste cisne (nome de um café de Bogotá) onde vieram dar os nadaístas expulsos de Medellín como sacrílegos? Vejamos, que direito têm esses ratos, esses porcos de cruzarem minha vida? Cuspiram em tudo, a tudo insultaram, emporcalharam tudo e, em troca, o que? Dois ou três diz-que-poemas que escreveram." [pg. 154] A geração ou o grupo de escritores estelares Pedro Gómez Valderrama, Jorge Gaitán Durán, Eduardo Cote Lemus, Alvaro Mutis, entre outros, reunidos em torno da revista Mito (1955-1962), por sua vez, foi estigmatizada, em uma carta dramática e inquisitorial, por Darío Ruíz Gomez, um importante escritor de Medellín radicado atualmente na Espanha: "Mito é uma farsa, a mais lamentável farsa cultural que em muitos anos tivemos [ ] A realidade colombiana escapou a Mito [ ] O de Mito é o eterno jogo dos escritores burgueses [ ] Mito não desmitificou o país, sua existência implica tão-somente uma ajuda ao jogo das direitas." Fragrante negação do outro à qual me referi no começo da resposta: mas logo vem a Segunda fase: a negação de si mesmo, e anoto apenas como um inventário curioso que Darío Ruíz Gomez, em seu regresso da Espanha, não ingressa na guerrilha ou na militância de algum partido de esquerda radical, como era de se esperar pelo tom excludente e comprometida, político, de sua carta, mas sim que se incorpora à vida acadêmica em uma prestigiosa universidade de Medellín e atualmente escreve no jornal El Colombiano, um baluarte tradicional do partido conservador colombiano (a direita colombiana). SONIA MURILLO-MARTIN (Chile) Meu país tem dois prêmios Nobel de Literatura, entregues a dois poetas: Gabriela Mistral e Pablo Neruda. Nossa geografia, que é louca, tumultuosa e desordenada, é terra de poetas; todos ou quase todos os chilenos somos poetas ou poéticos. Não há quem não conheça Mistral, sua vida e sua poesia, o mesmo se passando com Pablo Neruda. Nossa estética se expande pelo mundo. Em ambos poetas exerceu influência Walt Whitman, a quem ambos renderam honras através de seus versos, declarações, ou então em artigos que dedicaram a este grande poeta americano. O primeiro ensaio dedicado a Walt Whitman foi escrito por Pepita Turina, autora e jornalista chilena, vindo em seguida o de Fernando Alegría acadêmico e, por último, o de Dolores Pincheira, também chilena. Certamente que depois foi escrita uma infinidade de ensaios sobre o bardo estadunidense, porém foram Turina e Alegría os que levam a honra em nosso Continente, por terem sido os primeiros em escrever e publicar seus trabalhos sobre Whitman. O ensaio de Pincheira é muito bom, porém é mais contemporâneo. A América, nosso grande Continente Americano, com todos os seus idiomas, dialetos e gírias, tem influência de Walt Whitman. Basta ver a poesia de Neruda e Mistral. BLANCA LUZ PULIDO (México, 1956) Há muitos grandes poetas que são, até onde sei, pouco conhecidos, em diversos graus, portas afora do México: cito em desordem estes nomes, a maioria já ausentes (exceto Segovia, Pacheco, Chumacero, Bonifaz e Arreola): José Carlos Becerra, Rubén Bonifaz Nuño, Jaime Sabines, Alí Chumacero, Juan José Arreola, José Gorostiza, Juan José Tablada, Ramón López Velarde, Tomás Segovia, José Emilio Pacheco, Rosario Castellanos, Margarita Michelena, Carlos Pellicer, Gilberto Owen, Jorge Cuesta e outros que restam no tinteiro cibernético.
CARLOS BARBARITO (Argentina, 1955) Há poetas que alcançaram plena ou parcial difusão no exterior: Jorge Luis Borges, Leopoldo Marechal, Roberto Juarroz, Juan Gelman, Alejandra Pizarnik, menciono apenas uns poucos, e outros que não o foram em absoluto. Há múltiplos motivos para isto, de toda ordem. Há livros que, me parece, teriam que ser lidos além de nossas fronteiras, como Hospital Británico, de Héctor Viel Temperley, ou Ova completa, de Susana Thénon. O surgimento da Internet pode contribuir para esse conhecimento. de fato, já se percebe sinais disto. PEDRO GRANADOS (Peru, 1955) Meu país é de uma pobreza material extremíssima; mas que amassa uma tradição oral lendária que parece confundir-se com o rumor das penalidades da sobrevivência e do trânsito irrespirável da capital. A gente de meu país há bastante tempo esqueceu a celebração da dissipação, da felicidade. Sol muito antigo, não somente o de Cuzco, mas também o da própria cidade de Lima, que nos interpela cúmplice como um avô em qualquer insuspeitável lugar ou momento, e nos faz desejar ardentemente a vida ou vivamente a morte. Mas vida ou morte de verdade, não somente frustração, domesticada prudência ou comprazida acomodação. Um sol que nos convida a ser felizes, ao excesso, à solidariedade, à aventura humana; a adotar a posição fetal também e o auto-aniquilamento, se necessário. Sol de Pachacámac, em minha cidade natal, como mãe acolhedora: mamapacha. Com a vigilância deste deus tutelar, invocando-o ou não, escreveram todos os poetas peruanos; não somente os mal chamados indigenistas (Arguedas?), mas sim os considerados marginais ou exóticos ou puros: José María Eguren, César Moro, Jorge Eduardo Eielson, por exemplo. Este sol tem permitido, desde o Inca Garcilaso de la Vega em seus Comentarios reales, penetrar o fundo das coisas e trazê-las à intempérie e, em algumas vezes, conduzi-las intactas ao poema. A verbosidade, portanto, não é o apoio do poeta peruano, não é seu pretexto. Neruda jamais poderia haver nascido no Peru. A necessidade imperiosa de traduzir uma linguagem outra, uma cultura outra, uma ternura outra, que infinitamente lhes supera, para algo que não é a linguagem, esta sim, tem sido sua incumbência. Toda a boa poesia peruana é então, desde o princípio, ante-poética, ante-retórica, por fidelidade ao material tão complexo que encara seu ofício de tradução. País híbrido e desarticulado, o Peru tem em sua poesia seu único produto de exportação. Em todo o demais está colonizado, manipulado, fodido. Porém o que a poesia sabe é que no Peru todos somos índios, felizmente, até o mais distinguido, e seu de cada um é aquele sol que vela como um avô, como uma mãe ou como um espelho. Aqui reside a poesia do Peru, os logros do presente e também sua utopia.
WASHINGTON BENAVIDES (Uruguai, 1930) A pergunta enlaça-se com a seguinte, quanto ao tema da vinculação, quase inexistente, entre nossos países. Mas entrando na pergunta, considero que não se teve, no século defunto ou neste, um criador, absolutamente original e precursor de Ismos, como é Julio Herrera y Reissig. Também do Novecentos, acaso por hipocrisia, não se tem aprofundado na poesia sexual de Delmira Agustini. A poesia uruguaia mais recente também oferece capacidades de exceção como Circe Maia ou Eduardo Milán. ALVARO MIRANDA (Uruguai, 1948) O Uruguai é um país muito pequeno, com três milhões de habitantes e uma nutrida presença poética. Estão os que fingem ser poetas, os que fantasiam sê-lo, "os que assim se crêem"- para dizê-lo com um acento rio-platense , os que teriam sido se tivessem lido boa poesia, os que ficaram em 1900 e serão maus epígonos seculares e uma larga lista de etc. Também estão os que são. Estes importam. Eles deram versos, páginas e livros de valor, por eles se pode falar de poesia no Uruguai. E há alguns que oferecem uma escritura tensa e tersa que o mundo não vê a globalização não é parelha nem para as nações nem para suas culturas e, provavelmente, não verá ou verá em menor medida. Tampouco as grandes vozes de estrondo são oráculos. O silêncio esconde, com freqüência, a pedra que quebra os ícones de mal assentamento. Porém as multidões, de reduzido conhecimento, louvam seus deuses como o único que há. É o defeito das religiões: estreita a visão e não permite a amplitude do olhar que conduz à profundidade e serenidade de percepção, ao juízo equilibrado e lúcido.
Apontaria como um exemplo (embora relativo,
já que se trata de uma obra bem conhecida em nosso país,
também apresentada no exterior e à qual se pode chegar através
da Internet), a inovadora proposta última de Luis Bravo Árbol
veloz , de múltiplo suporte expressivo que, sem abandonar a
intimidade que provê o livro convencional, aborda a sensorialidade
da poesia também através do CD-Rom e do cassete. É
de se destacar o papel que vem tendo a Web nos últimos anos
no reconhecimento destas contribuições; a projeção
que se pode fazer deste instrumento midiático é animadora.
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JUAN CALZADILLA (Venezuela, 1931) Em princípio, continuando no mesmo tema, creio que a falta de contatos mais freqüentes entre os próprios poetas para realizar ações comuns, além dos congressos e festivais que se costumam organizar. É possível que se tenha esgotado o interesse pelos grupos e que isto explique tanta dispersão. Internet e correio eletrônico estão ajudando muito a reiniciar o diálogo perdido, mas ainda é grande o distanciamento, sobretudo pela dificuldade de nos encontrarmos fisicamente, de compartilharmos a mesma mesa e de empreendermos trabalhos coletivos, programáticos, como as revistas, por exemplo. Porém a virtual é uma relação incompleta, e às vezes frustrante, como o namoro à distância, por cartas. No meu entender, a idade de ouro de nossa poesia ocorreu na década de 60, talvez porque, ao menos para os venezuelanos, a moeda era forte e rendia mais do que no resto dos países. Tivemos assim, por sorte, durante três lustros, uma fornada de poetas avindos de vários lugares, e especialmente do sul, lamentavelmente gerada por causas políticas, e aprendemos muito deles, ao menos a nos comportarmos bem. Naquela época se viajava muito, era fácil subir em um avião e durante uma semana visitar várias cidades latino-americanas com uma passagem aberta. Hoje esta é uma façanha proibitiva, exceto que a faças navegando na Internet, porém quem garante que o resultado seja o mesmo? Creio que em nossos países tem havido um progressivo empobrecimento da economia cultural, não sentes assim? Em conseqüência, também as comunicações e a informação. Já não há muitos congressos e encontros. O boom que nos prometia Romano de Santa Ana resultou uma fraude. Tenho para mim que começamos a transitar uma etapa consagrada à sobrevivência, com a vantagem talvez de que isto está nos tornando mais atentos às nossas carências, de tal modo que é uma grande verdade que talvez haja mais sentido nesse momento em viver grudado à janela de nosso computador. Não sei que vantagem representa para nós esta situação limite, mas creio que cada vez experimentamos mais a poesia como um deserto, ao menos quanto à falta de sentido e compromisso. E nisto consiste sua tragédia atual. RAÚL HENAO (Colômbia, 1944) Em primeiro instância quero me referir, de modo sumário, a um fato que chama vivamente a atenção de todos aqueles que se interessam pelo devir histórico hispano-americana: sua insólita diversidade e riqueza cultural orquestrada no âmbito de uma única língua, o idioma espanhol. Uma estrela ou constelação fulgurante de poetas e prosadores baliza o continente desde o sul do Rio Grande até a Patagônia. Todos igualmente importantes e relevantes. O continente hispano-americano é o único que pode reconstruir a torre de Babel. Não no que esta tem de empresa soberba, luciferina, mas sim de aproximação à criação, ao divino por sua unidade idiomática e identidade cultural. Mas o que sucede? (E agora passa a responder à pergunta formulada) Aqui vale apontar uma dos mais cruéis paradoxos históricos: toda essa riqueza cultural permanece como diria nosso Jorge Zalamea "ignorada e esquecida", detrás das respectivas fronteiras dos países hispano-americanos. Boa parte, talvez os mais representativos, de todos esses criadores, artistas e escritores, é desestimada e desconhecida passando de um país para outro, e mesmo no próprio país de origem. As causas desse insucesso são muitas, quero apontar apenas o opressivo marco político-econômico que rege o mundo atual. Os países europeus desenvolvidos e o Big Brother não se resignam, em definitivo, a perder a tutela exercida sobre os chamados países terceiro-mundistas (entre eles, os hispano-americanos) que lhes proporcionam substanciosos dividendos, matérias-primas e mão-de-obra barata, para levar adiante seu projeto ou delírio tecnológico e cientificista em seus exclusivo benefício. Para tal efeito, nada melhor do que praticar, por extenso e como política exterior, a doutrina maquiavélica de "divide para reinar", o que explica tanto a existência de fronteiras arbitrárias, irreais, como o isolamento cultural nesses povos que compartilham um mesmo idioma e uma idiossincrasia comum. Claro que no interior de cada nação hispano-americana existem razões de fundo e interesse criados para que essa ordem monolítica não se modifique. E desde a independência americana se viu como os logros e conquistas alcançados na gesta emancipadora foram confiscados aos libertadores por uma segunda geração de caudilhos, chefes localistas e facciosos, para seu usufruto pessoal, o de seus familiares e partidários. Esses caudilhos e chefes nacionalistas (fundadores de castas e partidos políticos, alguns dos quais permanecem desde então no poder) desmembraram o sonho bolivariano e impediram que os países hispano-americanos privilegiados por sua identidade multirracial se constituíssem no "continente da esperança humana", como o que queria José Martí. Ou no "foco de uma cultura nova", como sonhara Rubén Darío. Ou seja, em um autêntico novo mundo. Porque há que afirmar abertamente: abolir as fronteiras que nos separam é resgatar a utopia, o sentido visionário e redentor que esta revestirá sempre no decadente, alienado contexto da cultura ocidental moderna.
BLANCA LUZ PULIDO (México, 1956) Esta pergunta é de resposta difícil e complexa. É triste mas certo que existe um abismo de desconhecimento entre os países da América Latina. Muito disto se deve, em minha opinião, às crônicas crises que padecemos. Não poder viajar, por exemplo, com certa freqüência, para conhecer outros países da América Latina dificulta a aproximação entre as pessoas e os lugares. Por exemplo, no México se sabe muito pouco sobre o que se está atualmente escrevendo no Cone Sul. Talvez a falta de revistas literárias com alcance internacional contribua para isto, e as crises econômicas tão freqüentes também. Quando a sobrevivência cotidiana se torna difícil, as pessoas se endurecem, sua amplitude de olhar se detém, seus medos renascem, sua capacidade de desfrute diminui, seu ânimo de viajar e de renovar seus conhecimentos quase desaparecem. Seu interesse pelos demais, pessoas e países, decresce diante da tediosa luta de todos os dias pelo ir levando uma vida escassa e triste. EDUARDO ARELLANO ELÍAS (México, 1959) Considero que a pouca oportunidade de viajar, a má distribuição do livro, as escassas possibilidade de publicação e a ausência de uma revista latino-americana de poesia (até onde sei, vocês de Agulha constituem a exceção) são fatores importantes para saber o motivo de não nos conhecermos os latino-americanos que nos dedicamos, entre outras coisas, a escrever poesia. agora, esta situação deveria mudar, pois os meios e janelas são diversos e não é somente uma questão de dinheiro, mas sim de vontade, o que nos permite o estreitamento dos laços, não?
PEDRO GRANADOS (Peru, 1955) Amo o Brasil. Nossas relações não são fluidas ou estreitas, mas isso não impere que as pessoas que escutaram ao menos uma vez sua música-poesia sintam-se cativadas para sempre. A poesia do Brasil - o feitiço de sua sensualidade, a claridade de seu pensamento - é o contrapeso necessário à orfandade e certo espírito barroco preponderantes nos Andes. No entanto, é muito certo aquilo de nosso mútuo desconhecimento. Quando estive vivendo uma temporada em Manaus, inclusive entre colegas poetas, ali se conhecia, do Peru, apenas a César Vallejo e a Manuel Escorza. Simpatia e carinho existem entre nossos povos; de maneira que a autarquia é consequência da pura falta de interesse de nossos líderes políticos e culturais (nem sempre os mais idôneos para remediar tais coisas). Isto sim, sem um mínimo de investimento econômico, existindo já a boa vontade, pouco é possível fazer. Recordo, como bom exemplo, que há uns 20 anos a Embaixada do Brasil no Peru publicava edições bilíngues de poetas brasileiros contemporâneos, eram volumes delgados e em rústica, mas que cumpriam amplamente sua incumbência: aproximaram-nos de mineiros, cariocas ou paulistas, da maravilhosa poesia brasileira. REYNALDO JIMÉNEZ (Peru, 1959) A própria idéia de fronteira, que levamos gravada em uma espécie de subnatureza inconsciente por domesticação (mastigação) cultural, indissociável de nossas herdadas noções (como se fossem a lesa natura) de estado, poder, dinheiro, sociedade e, portanto, de relações humanas. Também a indiferença dos curiosamente chamados animadores culturais, mais empenhados em difundir o próprio do que tornar-se conectores para circulações multidirecionais, mas à maneira de uma irradiação de círculos concêntricos que o já carcomido e carcamano caráter colonialista da autopromoção e ocupação de espaços (ali onde os meios de comunicação representam o mercado). A tirania da vulgaridade, no entanto, não cai, de maneira vertical, unicamente da brutalidade dos estados latino-americanos e suas não-políticas culturais, sua generalizada falta de projetos neste campo, como em ampliar os critérios do que hoje se entende por educação, mas sim que vem também de baixo, da própria gente, uma vez hipnotizada sua responsabilidade individual pela ânsia de se ver refletida, descarada como está, nas telas do panóptico. No entanto, e a favor ou em defesa da poesia, creio que esta consegue sempre circular em qualquer parte, já que em suma se trataria de uma questão de reciprocidades: a atenção do leitor é que o leva ao poema ao mesmo tempo que a precisão e intensidade do poema requerem tão-somente - não haverá outra possibilidade - um leitor disposto, capaz de doar sua atenção para o que não poderia, de nenhuma maneira, refleti-lo ou confirmá-lo em sua identidade. De maneira que, por um lado, a poesia detona, necessariamente, os substratos arcaicos e os arquétipos depositados no arrasto verbal, o arrasto comum e mestiço (em amplo sentido) dos usos (mesmo do inusual) da linguagem (onde se manifestaria o latino-americano de nossas escrituras) e, ao mesmo tempo, a poesia, paradoxal como costuma ser, apaga de um sopro (ar da palavra) toda noção de identidade (pessoal, coletiva). E o que surge já não se define senão como espírito amplo e momentâneo.
ALVARO MIRANDA (Uruguai, 1948) É uma pergunta política. Provavelmente alguns líderes do continente a propuseram. Por que são assim as coisas? esta proposição merece uma resposta fundada e extensa. Como não quero abusar da paciência do leitor, omito-a. Cada um tem sua própria resposta, por outro lado. Agora que, em questões mais específicas como a poesia, por exemplo posso refletir partindo da experiência uruguaia. Este é um país curioso: tem aparente fama de culto no exterior, mas existem apenas três ou quatro editoras; as livrarias estão em Montevidéu e são cada vez menos; o interior do país tem poucas e más livrarias; os autores e títulos realmente importantes não chegam há que ir buscá-los em Buenos Aires ; há cada vez menos livrarias e mais supermercados de livros sem substância, banais; os editores nacionais não exportam livros de autores uruguaios, porém o mercado se satura de dejetos da forte indústria editorial espanhola; não há lugares para editar poesia isto me levou, em 1980, a criar as Ediciones del Mirador como selo dedicado a apresentar poetas da época, sistematicamente rejeitados pelas editoras estabelecidas e com coisas para dizer , mas se edita até o cansaço qualquer superficialidade mercantilista. Tudo isto talvez possa explicar algo do isolamento nos países latinos. Some-se a isto o desinteresse oficial pela difusão cultural que mostram muitos países. Que resta? O esforço pessoal ou coletivo de grupos lúcidos, expressões como esta mesa de diálogo de Agulha, esforços isolados de quem, enquanto a escuridão a tudo envolve, se obstinem a manter viva a tocha da arte e do pensamento. Para dizê-lo com palavras de Lucrécio: et quasi cursores, vitae lampada tradunt (e como corredores transmitem a tocha da vida), recordando aqueles que, na antiga Grécia, passavam de mão em mão, as tochas acesas para retornar à escuridão uma vez cumprida a razão da alma. MARIELLA NIGRO (Uruguai, 1957) Nos últimos anos, as relações (culturais, em geral) vêm se estreitando espontaneamente (claro está que em forma desordenada e heterogênea) em virtude do fenômeno da rede mundial de comunicações, tornando ainda mais relevante a grande afinidade que une, em sua diversidade, a todos os países da América Latina. Possivelmente falte multiplicar as oportunidades e facilitar as condições para o permanente intercâmbio cultural, o fluxo de obras, a promoção dos novos criadores e a experiência periódica de leituras abertas, encontros e performances com outros poetas latino-americanos, entre outras iniciativas que aprofundarão essas relações. A presente enquete é uma manifestação dessa necessidade de relacionamento. E uma demonstração do peso midiático da Web. Propor o assunto é uma forma de começar a resolvê-lo. |
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