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Revista de Cultura nº7
Fortaleza/ São Paulo, outubro de 2000
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A GRANDE MESA DA POESIA NA AMÉRICA HISPÂNICA, 1



 
 

Agulha conversou com alguns importantes poetas em vários países da América Hispânica em torno de aspectos que podem ser considerados balizas viáveis para a identificação de uma consciência poética, possibilitando ao leitor compreender quais relações estabelecem os poetas com seu tempo, seus pares e as condições históricas que definem o próprio desdobramento de seu trabalho. Ao longo de várias edições, seguiremos ouvindo a diversos poetas, sempre preocupados em levar ao leitor um cenário que ambiente a visão de mundo desses poetas, particularizando a realidade da poesia na América Hispânica. Neste primeiro momento, conversamos com o venezuelano Juan Calzadilla (1931), o colombiano Raúl Henao (1944), a chilena Sonia Murillo-Martin, os mexicanos Blanca Luz Pulido (1956) e Eduardo Arellano Elías (1959), o argentino Carlos Barbarito (1955), os peruanos Pedro Granados (1955) e Reynaldo Jiménez (1959), e os uruguaios Washington Benavides (1930), Alvaro Miranda (1948) e Mariella Nigro (1957). (F.M.)

 

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Quais são tuas afinidades estéticas com outros poetas hispano-americanos?





agmatesp1.JPG (31720 bytes)JUAN CALZADILLA (Venezuela, 1931) – Não quero que me resposta me comprometa em um dado grau que se possa pensar que falo em nome de meu país. Vivo na Venezuela mas, em geral, o que faço, o que escrevo e penso apenas toca levemente o que aqui se considera como nossa tradição poética, uma tradição na qual, além do mais, se é que existe, me vejo pouco envolvido. Desfruto do que vocês chamam de mal de exílio. Uma enfermidade que se adquire em qualquer lugar. Em todo caso, me parece interessante observar, no mapa atual, que o traço que mais se sobressai da poesia que se faz na Venezuela, se vamos ao assunto, está associado a uma reflexão sobre ela, a uma reflexão entendida como poética ou como uma crítica que se faz a partir próprio interior da poesia. Ou seja, como esse tipo de discurso que, na ausência da chamada crítica universitária ou acadêmica, teve que ser assumido pelos próprios poetas. Os casos de Rafael Cadenas, Eugenio Montejo, Alfredo Silva Estrada, Ludovico Silva, Margara Russotto e, mais recentemente, Alejandro Oliveros e Armando Rojas Guardia, são eloqüentes no sentido de que eles, ao mesmo tempo em que escrevem, se pronunciam por um compromisso teórico com a poesia, através de livros e ensaios, quando não, como em meu caso, mediante uma linguagem metafórica que se dá no próprio seio da poesia. Isto é importante, mas não suficiente; a poesia venezuelana – no caso de que se possa falar de uma poesia venezuelana, o que duvido – está ficando para trás no concerto latino-americano e deploro que tenha que tenha que reconhecer-se que, com a reflexão, o que estamos é aceitando ou, caso prefiras, celebrando sua derrota.

RAÚL HENAO (Colômbia, 1944) – Como tenho reiterado em oportunidades anteriores, sinto afinidades por aqueles poetas que se situam ao largo dessa linha negra ou visionária que no ocidente se inicia com os neoplatônicos alexandrinos, passando pelos trovadores provençais (incluindo Dante), os grandes românticos alemães, os simbolistas e os surrealistas franceses. Dentre todas, me seduz a definição de poesia dada em seu tempo por Mallarmé: "A expressão pela linguagem humana, conduzida a seu ritmo essencial, do sentido misterioso, do sentido misterioso dos aspectos da existência". Apenas acrescentaria que tal expressão deveria nos conduzir a uma emancipação da miséria ou da estupidez humana, resultado de haver perdido o vínculo que nos unia à natureza.

No início, fui influenciado pela poesia do Nadaísmo (Gonzalo Arango, Jaime Jaramillo Escobar, Amilkar Osorio) e os poetas de Mito (sobretudo Jorge Gaitán Durán); movimentos literários que, na Colômbia, representam o começo da vanguarda poética. Depois fui me corroborando e encontrando afinidades nos poetas hispano-americanos influenciados pelo surrealismo: Aldo Pellegrini, Enrique Molina, Jorge Cáceres, Enrique Gómez-Correa, César Dávila Andrade, Octavio Paz… e com outros que, de alguma maneira, são considerados seus precursores: José Antonio Ramos Sucre, Vicente Huidobro, José Juan Tablada. Mas sempre, independentemente dessas influências, procurei encontrar – e prosseguir – um caminho próprio, que seja fiel e expresse minha própria particularidade ou essência inalienável.

SONIA MURILLO-MARTIN (Chile) – Minhas afinidades estéticas têm um ponto de convergência com os poetas a nível internacional. em seguida, vem uma seleção espontânea que, em meu caso, se dá pela qualidade e intelectualidade do poeta. Conheci poetas sem educação, com uma poesia perfeita e poetas acadêmicos que não dizem nada de poético. Minha estética varia: poesia filosófica, política, de humor, erótica, mística, feminista, religiosa, poesia para crianças, romances hispano-americanos. Tudo isto, e muito mais, conforma uma estética que viaja de país para país, de um continente para outro, variando os ritmos, inflexões e rimas, mas não a estética nem a profundidade que tem o ser humano como tal. A Poesia é Uma. Idiomas para expressá-la há muitos. Todos os povos e as épocas possuem poetas e poesia. há até mesmo poesia guerreira, de guerra e de estratégias… de soldados…

agmatesp4.JPG (47751 bytes)BLANCA LUZ PULIDO (México, 1956) – Devo dizer que desde quando estudava literatura me deslumbrou o barroco: San Juan de la Cruz, Sor Juana Inés de la Cruz, Quevedo. Depois (este inventário é absolutamente anárquico e anedótico, certamente) me detive muito na poesia de Jorge Luis Borges, me apaixona Roberto Juarroz, a poesia de Alvaro Mutis, e admiro também, entre os mexicanos deste século, muitos grandes poetas: Ramón López Velarde, Salvador Novo, Xavier Villaurrutia, Carlos Pellicer, Jorge Cuesta, o "grupo sin grupo" dos Contemporáneos. E há muitos mais: José Emilio Pacheco, Octavio Paz, Jaime Sabines… Porém as influências são vivas, sempre estão se deixando enriquecer e crescendo. Há pouco descobri, por exemplo, um grande poeta espanhol pouco difundido – do qual eu nunca tinha ouvido falar -: Antonio Gamoneda, e não duvido que me estejam reservadas mais surpresas e descobrimentos porque a poesia é plural e nos espreita sempre.

EDUARDO ARELLANO ELÍAS (México, 1959) – Minhas afinidades estéticas são muitas, me sinto próximo de poetas tão diferentes como Jorge Luis Borges e Gonzalo Rojas; também creio ter uma afinidade, em alguns de meus poemas, com José Gorostiza, certo Octavio Paz e até César Vallejo. Isto para falar dos mestres, dos consagrados pela tradição do século XX. Não conheço suficientemente a poesia mais recente na América Hispânica. Quanto aos mexicanos, minhas dívidas são muitas com José Emilio Pacheco, Alberto Blanco, José Javier Villareal, para dar apenas alguns nomes. Minha poesia é uma verdadeira dispersão de estilos e vozes. Alguma voz será mais minha do que outra?

CARLOS BARBARITO (Argentina, 1955) – Se algo se destaca no cenário atual da poesia hispano-americana é a não comunicação entre autores, inclusive, falo agora de meu país, entre os que, teoricamente, deveriam estar próximos, ou bem próximos, entre si. Assim, do Uruguai sei de Héctor Rosales porque é amigo de muito tempo e de nenhum outro poeta; do Brasil tenho escassas notícias – com a exceção do Jornal de Poesia –; de outros lugares, meu conhecimento se detém em nomes e obras da metade do século porque já são matéria de antologias. Obviamente, é da Argentina de onde me chegam as mais abundantes notícias e para minha casa muitos poetas enviam seus livros – aqui faço referência a uma problemática de meu país na questão da poesia editada: a falta de distribuição e difusão, a dureza que é publicar. Falo então de meu país. Não há uma estética dominante, embora muitos tentem demonstrar o contrário, mas sim uma variedade de estéticas que se desdobram em leque. Cada poeta, trata-se de um fenômeno já de mundo estendido pelo mundo, propõe sua estética, dá a conhecer sua obra – que não está, com freqüência, ligada a um estilo, um modo de dizer, uma única formulação –, com a qual o olha do estudioso dificilmente topa, ainda que tenhamos muitas antologias. Parece-me que, além desse mosaico, há pontos em comum entre os poetas argentinos das últimas décadas. Conseqüências de uma história vivida – e sofrida – que são percebidos no uso de certas palavras, de certas atmosferas, de certas imagens. É que, recorro a Adorno, depois de nosso Auschwitz já não foi possível a poesia como a vinham entendendo e escrevendo; tudo se deslocou, transtornou-se, li por ali que a elegia, típica dos poetas dos anos 40, abriu caminho para espécies de fórmulas de exorcismo. É que já não se trata da morte do corpo com o corpo presente, exposto, que testemunha seu destino, mas trata-se de um corpo ausente, negado, que obriga os outros a consumirem-se em perguntas. Acontece que recebo livros – mesmo de autores mais recentes – onde encontro passagens que parecem ter sido escritas por mim, ou por poetas de minha geração, e não se trata apenas de influências – que podem existir, que existem –, mas sim de uma história ainda não solucionada que segue desatando seus mesmos fantasmas, obrigando às mesmas perguntas, mesmo que esses poetas não tenham vivido aqueles dias. Não me estendo em características que os críticos vêem melhor do que eu; falo do que sinto ao ler nossa poesia das três últimas décadas: obscuridade, falta de ar, o corpo fragmentado, a solidão. Acaso esses elementos não sejam distintos do resto do que hoje se escreve na América Hispânica. Como em tudo, o tempo terá a última palavra.

agmatesp7.JPG (21281 bytes)PEDRO GRANADOS (Peru, 1955) – Gostaria de começar a enumerar e, provavelmente, não terminar e continuar enumerando: Rafael Cadenas, Jorge Eduardo Eielson, Jaime Sáenz, Alejandra Pizarnik, Nicanor Parra, Martín Adán, César Moro, Raúl Gómez Jattín, Luis Hernández Camarero, Emilio Adolfo Westphalen, Lezama Lima etc., etc. Mas, de alguma maneira, estes poetas já estão incluídos de dois bem grandes: Borges e Vallejo. Ambos tão apaixonados, e nem por isso menos lúcidos; enormes resumidores e desmontadores de nossa cultura. E, claro, ainda que mais elaborado no estilo este que aquele, ambos, por sua vez, bons filhos do simples e insondável José Martí, e herdeiros do gênio de Rubén Darío; também se poderia dizer: um mais completo que o outro; Vallejo, que incorpora à sua poesia – quase que por um milagre – a materialidade do concreto e, por isto mesmo, os quatro pontos cardeais do que somos e do que se passa agora mesmo. Borges é o mito, o amor e a ironia diante do espetáculo do real, lhe falta a utopia do concreto (embora ainda hoje indecifrável) que percebemos ao ler Vallejo. Ambos poetas, creio, estão conjugados de algum modo em minha própria poesia.

REYNALDO JIMÉNEZ (Peru, 1959) – Sinto-me leitor daqueles poetas hispano-americanos que exploram e renovam a língua, uma vez que nesta se pode provar o sabor da experiência viva. Vallejo, Martín Adán, José Lezama Lima, Emilio Adolfo Westphalen, Américo Ferrari, Octavio Armand, Néstor Perlongher, Juan Luis Ortiz, Carlos Pellicer, Xavier Villaurrutia, Vicente Huidobro, H. A. Murena, Miguel Ángel Bustos, César Moro, Borges, Octavio Paz, Enrique Molina, Francisco Madariaga, José Kozer, Paulo Leminski, integrariam, entre outros, aquela lista (sempre crescente) das preferências. Indicaria isto afinidade estética? sim, se por tal se entende uma certa sensação de consonância espiritual.

WASHINGTON BENAVIDES (Uruguai, 1930) – O crítico e poeta uruguaio, Elder Silva, nos definiu como "uma sociedade de poetas vivos". Imagino que o fez pelas distintas linhas que conformam meu trabalho. Mediante heterônimos ou sem eles, há um Benavides afim com a antipoesia de Nicanor Parra; outro com a "poética da leitura" de Borges ou José Emilio Pacheco; outro com o exteriorismo de Cardenal ou a antropofagia de Oswald de Andrade; outro está sempre à espreita da raiz folclórica. Não serei eu a dizer qual o verdadeiro.

agmatesp10.JPG (35815 bytes)ALVARO MIRANDA (Uruguai, 1948) – A poesia hispano-americana no século XX tem sido rica e variada. Foram traçadas várias linhas e percorreram-nas vozes de tonalidades diferentes. Com densidade – no bom sentido da palavra – diferente. Pessoalmente, considero que ao invés de percorrer trilhas traçadas devemos buscar novas, explorar territórios desconhecidos, abrir – tentar abrir – um caminho próprio que expanda a poesia, ilumine novas zonas da beleza criativa. Em um espectro tão amplo, as proximidades e distâncias serão inevitáveis. Vozes trarão ecos de outras vozes mas o poeta deve abrir um espaço ao novo ou deve tentá-lo, o que não é somente válido mas necessário, levando em conta as lições da história (os poetas que foram preparando a chegada de um messias). Sempre haverá lugares preciosos no coração: Fernando Pessoa e sua constelação estelar com planetas (Alvaro de Campos, Reis, Caeiro) e estrelas fugazes. Distante pelo espaço, próxima pela emoção, intemporal, em todo caso, a única música de Kaváfis. E tantos outros. Porém o poeta é um explorador e deve descobrir o estreito que o comunique com esplêndidos mares desconhecidos.

MARIELLA NIGRO (Uruguai, 1957) – Talvez deva traçar um variado itinerário. Das afinidades que provêm da adolescência, algumas, ainda que inegáveis e de profunda marca, foram necessariamente se dissipando com o tempo (como com o modernismo americano, especialmente Julio Herrera y Reissig e Rubén Darío, a lírica apaixonada de Delmira Agustini e a emotiva de Maria Eugenia Vaz Ferreira e Juana de Ibarbourou, o coloquialismo íntimo de Mario Benedetti); outras ainda persistem, como com a trindade de poetas com os quais estabeleci desde o início uma relação de empatia visceral ao mesmo tempo que uma aproximação racional: Neruda, Vallejo, Borges. Talvez nessa ordem de aparição em minhas leituras, com os dois primeiros ingressei antes nos labirintos da linguagem poética e com o terceiro nos do pensamento.

A partir de então, caí na conta (primeiro intuí, depois entendi) de que ambos – linguagem e pensamento – eram os braços da poesia que eu buscava, na leitura e na escritura; palavra mais reflexão – que dão à poesia e ao ensaio afinidade genérica –, em cujos meandros andariam os sentimentos, as emoções, fui sinuosa; poetas uruguaios: Idea Vilariño, Ida Vitale, Amanda Berenguer, Humberto Megget, Marosa di Giorgio, Cristina Peri Rossi, Circe Maia, Jorge Arbeleche, entre outros, me ensinaram (junto aos espanhóis) a ler; depois, Vicente Huidobro, Luis Cernuda, Juan Gelman, até chegar ao discurso de Lautréamont e às derivas do Surrealismo americano, especialmente Octavio Paz. Seguramente sem pontos de contato – temático ou expressivo – entre si, o denominador comum de suas criações é, segundo penso, o discurso reflexivo em cuja profundidade o sentimento faz inflexão. Então, são a preocupação filosófica, a exploração metafísica do interior, a consciência da corporalidade e o erotismo – não como temáticas mas como traçados da escritura – as linhas que atravessam a obra dos poetas que leio. Assim, continuando uma lista reduzida uma vez mais, Hugo Achugar, Jorge Meretta, Roberto Appratto, Rafael Courtoisie, Roberto Echavarren, Alfredo Fressia, Luis Bravo, y outra vez Octavio Paz. Destes quatro últimos, além do mais, me seduz sua prosa ensaística, o que reafirma as afinidades estéticas com todo o corpus de sua obra e me confirma a assinalada correspondência entre poesia e ensaio.

Em outra ordem, me interessa especialmente a intertextualidade de poesia e pintura (ékfrasis, caligramas) ensaiada por alguns poetas latino-americanos. Por exemplo, Octavio Paz ou Severo Sarduy, propõem a tensão entre os dois sistemas expressivos – a transfiguração a que se refere Paz – que deixa a descoberto um mesmo fenômeno: o fato poético.
 
 

2
Quais contribuições essenciais existem na poesia que se faz em teu país e que deveriam ter repercussão e reconhecimento internacionais?





JUAN CALZADILLA (Venezuela, 1931) – Houve uma época em que me interessou muito a atividade do grupo de poetas argentinos desenvolvida em torno das figuras paradigmáticas de Aldo Pellegrini e Enrique Molina. Pellegrini foi o encarregado de lançar continentalmente a geração de 60 em sua já clássica Antología de la Poesía Viva Latinoamericana (Seix Barral). Dali se desprendeu o apoio que deu ao Techo de la ballena e as coincidências que, em matéria de linguagem, por um tempo mantivemos com o grupo que vinha de Letra y Línea, e que mais tarde fundou a revista Poesía-Buenos Aires. Uma dessas conseqüências foi o fato de que Juan Antonio Vasco passasse a viver entre nós durante os anos 60. Esse foi um momento transcendental que, no que me diz respeito, coincide com uma aproximação produtiva com o grupo surrealista que por volta de 1965 integravam em São Paulo Sérgio Lima, Roberto Piva e Cláudio Willer. Posso igualmente falar das propostas que compartilhávamos com o movimento nadaísta da Colômbia, que contribuiu com seu tom coloquial e direto para manter o clima de insurreição e a atitude dissidente da vanguarda poética de finais dos anos 60 e início dos 70. Depois de tanta deserção e abandono como os que assistimos em nossos movimentos, não se pode mais estranhar que eu me sinta um cético e que esta seja a via em que me expresso mais habitualmente. Sigo desejoso de ouvir os jovens e trato de me manter informado do que ocorre em nossos países, com uma intenção mais tolerante. Menos convocado, suponho, por uma intransigência que tem gradualmente escondido as unhas para solicitar, de mim mesmo, também, uma maior esforço de compreensão e solidariedade generacional. Enfim, são muitas as coincidências, sobe tudo neste momento em que há grande quantidade de jovens poetas anti-sistema nos reclamando. O que fazer? Envelhecemos nós, a poesia não.

agmatesp2.JPG (41370 bytes)RAÚL HENAO (Colômbia, 1944) – Os colombianos passamos a metade da vida negando o outro e a outra metade negando a nós mesmos. Por isso a cultura colombiana não conseguiu transcender no âmbito ibero-americano, como ocorreu no México, Argentina, Brasil ou Chile. isso impediu que a obra literária e poética de José Asunción Silva, Porfirio Barba Jacob, León de Greiff, Jorge Gaitán Durán, Luís Carlos López, Aurelio Arturo ou Luís Vidales – García Márquez e Alvaro Mutis constituem a exceção a essa regra – seja apreciada e conhecida melhor em um contexto universal. O mais triste do caso é que – além de certo complexo atávico, que faz com que os colombianos tenhamos a nós mesmos por inferiores aos europeus e estadunidenses, legado da espoliação e desenraizamento que nos deixou, em sua passagem, a conquista espanhola – os próprios escritores e poetas contribuíram para criar esse gueto ou apartheid cultural por sua falta de objetividade, generosidade e tolerância diante dos demais artistas e escritores conterrâneos, negando-lhes o direito à expressão e ao reconhecimento.

Os nadaístas – para não ir muito longe – queimaram (literalmente) a literatura colombiana anterior a eles, incluindo La vorágine, de José Eustaquio Rivera e María, de Jorge Isaac, dois romances e romancistas arquetípicos, intemporais das letras nacionais. E desconheceram e continuam desconhecendo os poetas e escritores que vieram depois. Por sua vez, Fernando Vallejo, um escritor antioquense radicado no México, que teve muita ressonância ultimamente, nega todo o valor do Nadaísmo. Em Fogo secreto (volume II de sua saga autobiográfica El río del tiempo), nos diz textualmente: "foi antes ou depois deste cisne (nome de um café de Bogotá) onde vieram dar os nadaístas expulsos de Medellín como sacrílegos? Vejamos, que direito têm esses ratos, esses porcos de cruzarem minha vida? Cuspiram em tudo, a tudo insultaram, emporcalharam tudo e, em troca, o que? Dois ou três diz-que-poemas que escreveram." [pg. 154] A geração ou o grupo de escritores estelares Pedro Gómez Valderrama, Jorge Gaitán Durán, Eduardo Cote Lemus, Alvaro Mutis, entre outros, reunidos em torno da revista Mito (1955-1962), por sua vez, foi estigmatizada, em uma carta dramática e inquisitorial, por Darío Ruíz Gomez, um importante escritor de Medellín radicado atualmente na Espanha: "Mito é uma farsa, a mais lamentável farsa cultural que em muitos anos tivemos […] A realidade colombiana escapou a Mito […] O de Mito é o eterno jogo dos escritores burgueses […] Mito não desmitificou o país, sua existência implica tão-somente uma ajuda ao jogo das direitas."

Fragrante negação do outro à qual me referi no começo da resposta: mas logo vem a Segunda fase: a negação de si mesmo, e anoto – apenas como um inventário curioso – que Darío Ruíz Gomez, em seu regresso da Espanha, não ingressa na guerrilha ou na militância de algum partido de esquerda radical, como era de se esperar pelo tom excludente e comprometida, político, de sua carta, mas sim que se incorpora à vida acadêmica em uma prestigiosa universidade de Medellín e atualmente escreve no jornal El Colombiano, um baluarte tradicional do partido conservador colombiano (a direita colombiana).

SONIA MURILLO-MARTIN (Chile) – Meu país tem dois prêmios Nobel de Literatura, entregues a dois poetas: Gabriela Mistral e Pablo Neruda. Nossa geografia, que é louca, tumultuosa e desordenada, é terra de poetas; todos ou quase todos os chilenos somos poetas ou poéticos. Não há quem não conheça Mistral, sua vida e sua poesia, o mesmo se passando com Pablo Neruda. Nossa estética se expande pelo mundo. Em ambos poetas exerceu influência Walt Whitman, a quem ambos renderam honras através de seus versos, declarações, ou então em artigos que dedicaram a este grande poeta americano. O primeiro ensaio dedicado a Walt Whitman foi escrito por Pepita Turina, autora e jornalista chilena, vindo em seguida o de Fernando Alegría – acadêmico – e, por último, o de Dolores Pincheira, também chilena. Certamente que depois foi escrita uma infinidade de ensaios sobre o bardo estadunidense, porém foram Turina e Alegría os que levam a honra em nosso Continente, por terem sido os primeiros em escrever e publicar seus trabalhos sobre Whitman. O ensaio de Pincheira é muito bom, porém é mais contemporâneo. A América, nosso grande Continente Americano, com todos os seus idiomas, dialetos e gírias, tem influência de Walt Whitman. Basta ver a poesia de Neruda e Mistral.

BLANCA LUZ PULIDO (México, 1956) – Há muitos grandes poetas que são, até onde sei, pouco conhecidos, em diversos graus, portas afora do México: cito em desordem estes nomes, a maioria já ausentes (exceto Segovia, Pacheco, Chumacero, Bonifaz e Arreola): José Carlos Becerra, Rubén Bonifaz Nuño, Jaime Sabines, Alí Chumacero, Juan José Arreola, José Gorostiza, Juan José Tablada, Ramón López Velarde, Tomás Segovia, José Emilio Pacheco, Rosario Castellanos, Margarita Michelena, Carlos Pellicer, Gilberto Owen, Jorge Cuesta… e outros que restam no tinteiro cibernético.

agmatesp5.jpg (49011 bytes)EDUARDO ARELLANO ELÍAS (México, 1959) – Atualmente existe uma poesia tão diversificada em meu país que seria difícil falar do essencial. Por um lado há poesia mística ou de tendência religiosa, como a de Javier Sicilia, a de Alberto Blanco. Há também tendências à incorporação de vozes populares ou vulgares no poema, como em Ricardo Castillo e boa parte dos jovens, com alguns resultados que podem ser levados em conta. No norte do México, é de se notar uma poesia desenfadada e coloquial como uma das tendências. Enfim, há muito tecido a ser cortado, incluindo poetas de importância indubitável entre as novas e não tão novas gerações. Falando de gente mais madura, há que se ver a poesia de Eduardo Lizalde, Gerardo Deniz, Gabriel Zaid, como propostas poéticas de grande gênio, força e carga irônica.

CARLOS BARBARITO (Argentina, 1955) – Há poetas que alcançaram plena ou parcial difusão no exterior: Jorge Luis Borges, Leopoldo Marechal, Roberto Juarroz, Juan Gelman, Alejandra Pizarnik, menciono apenas uns poucos, e outros que não o foram em absoluto. Há múltiplos motivos para isto, de toda ordem. Há livros que, me parece, teriam que ser lidos além de nossas fronteiras, como Hospital Británico, de Héctor Viel Temperley, ou Ova completa, de Susana Thénon. O surgimento da Internet pode contribuir para esse conhecimento. de fato, já se percebe sinais disto.

PEDRO GRANADOS (Peru, 1955) – Meu país é de uma pobreza material extremíssima; mas que amassa uma tradição oral lendária que parece confundir-se com o rumor das penalidades da sobrevivência e do trânsito irrespirável da capital. A gente de meu país há bastante tempo esqueceu a celebração da dissipação, da felicidade. Sol muito antigo, não somente o de Cuzco, mas também o da própria cidade de Lima, que nos interpela cúmplice como um avô em qualquer insuspeitável lugar ou momento, e nos faz desejar ardentemente a vida ou vivamente a morte. Mas vida ou morte de verdade, não somente frustração, domesticada prudência ou comprazida acomodação. Um sol que nos convida a ser felizes, ao excesso, à solidariedade, à aventura humana; a adotar a posição fetal também e o auto-aniquilamento, se necessário. Sol de Pachacámac, em minha cidade natal, como mãe acolhedora: mamapacha. Com a vigilância deste deus tutelar, invocando-o ou não, escreveram todos os poetas peruanos; não somente os mal chamados indigenistas (Arguedas?), mas sim os considerados marginais ou exóticos ou puros: José María Eguren, César Moro, Jorge Eduardo Eielson, por exemplo. Este sol tem permitido, desde o Inca Garcilaso de la Vega em seus Comentarios reales, penetrar o fundo das coisas e trazê-las à intempérie e, em algumas vezes, conduzi-las intactas ao poema. A verbosidade, portanto, não é o apoio do poeta peruano, não é seu pretexto. Neruda jamais poderia haver nascido no Peru. A necessidade imperiosa de traduzir uma linguagem outra, uma cultura outra, uma ternura outra, que infinitamente lhes supera, para algo que não é a linguagem, esta sim, tem sido sua incumbência. Toda a boa poesia peruana é então, desde o princípio, ante-poética, ante-retórica, por fidelidade ao material tão complexo que encara seu ofício de tradução. País híbrido e desarticulado, o Peru tem em sua poesia seu único produto de exportação. Em todo o demais está colonizado, manipulado, fodido. Porém o que a poesia sabe é que no Peru todos somos índios, felizmente, até o mais distinguido, e seu – de cada um – é aquele sol que vela como um avô, como uma mãe ou como um espelho. Aqui reside a poesia do Peru, os logros do presente e também sua utopia.

agmatesp8.JPG (30299 bytes)REYNALDO JIMÉNEZ (Peru, 1959) – Me agrada pensar que meu país verbal é o continente inteiro. Claro que isto não evita o sentimento de desterritorialização, a impotência diante do pesadelo do progresso capitalista e seus sequazes (seqüelas sociais e mesmo seqüelas de arte). Não é atitude preconcebida, mas verdadeiramente prefiro ler, antes que traduções, poetas de nosso continente, apontando melhor para a diversidade de procedências e procedimentos: busco ali (mergulhador na sonda) com avidez de tubérculo (Murena). Para não citar mais do que três, Carlos Pellicer, Vicente Huidobro ou José Lezama Lima, são autores de obras fisicamente vastas: sempre deixam zonas (em longitude de freqüência ou em estratos sincrônicos) que não se havia percorrido ou não se havia tocado com suficiente atenção. Por outro lado, César Vallejo ou Martín Adán, cujas obras estritamente poéticas não são, à primeira vista, tão enormes, incitam à inesgotável releitura. A água está viva tanto próxima da margem como nas solidões oceânicas. A contribuição – bela palavra – seria sempre a própria índole, a singularidade que cada um destes e de outros poetas põem a circular sem negociar em nada (por trás da ilusão de ótica de uma suposta comunicação, que brindaria um reconhecimento mais imediato) a radicalidade de seus atos de escritura. A exploração da língua (das línguas), análoga ao reconhecimento da diversidade, do leque em si que toda exploração conota. Um único ato de claridade consigo mesmo torna tangível a intuição de mil caminhos.

WASHINGTON BENAVIDES (Uruguai, 1930) – A pergunta enlaça-se com a seguinte, quanto ao tema da vinculação, quase inexistente, entre nossos países. Mas entrando na pergunta, considero que não se teve, no século defunto ou neste, um criador, absolutamente original e precursor de Ismos, como é Julio Herrera y Reissig. Também do Novecentos, acaso por hipocrisia, não se tem aprofundado na poesia sexual de Delmira Agustini. A poesia uruguaia mais recente também oferece capacidades de exceção como Circe Maia ou Eduardo Milán.

ALVARO MIRANDA (Uruguai, 1948) – O Uruguai é um país muito pequeno, com três milhões de habitantes e uma nutrida presença poética. Estão os que fingem ser poetas, os que fantasiam sê-lo, "os que assim se crêem"- para dizê-lo com um acento rio-platense –, os que teriam sido se tivessem lido boa poesia, os que ficaram em 1900 e serão maus epígonos seculares e uma larga lista de etc. Também estão os que são. Estes importam. Eles deram versos, páginas e livros de valor, por eles se pode falar de poesia no Uruguai. E há alguns que oferecem uma escritura tensa e tersa que o mundo não vê – a globalização não é parelha nem para as nações nem para suas culturas – e, provavelmente, não verá ou verá em menor medida. Tampouco as grandes vozes de estrondo são oráculos. O silêncio esconde, com freqüência, a pedra que quebra os ícones de mal assentamento. Porém as multidões, de reduzido conhecimento, louvam seus deuses como o único que há. É o defeito das religiões: estreita a visão e não permite a amplitude do olhar que conduz à profundidade e serenidade de percepção, ao juízo equilibrado e lúcido.

agmatesp11.JPG (36576 bytes)MARIELLA NIGRO (Uruguai, 1957) – A contribuição da cultura uruguaia em geral para o acervo latino-americano, especialmente da poesia, é relativamente reconhecida. Dos poetas nomeados anteriormente, vários deles já obtiveram inquestionável reconhecimento internacional; os demais dessa lista – reduzida, certamente, já que se agigantaria com os discursos de alguns novos criadores – merecem essa repercussão internacional, que muitos deles indubitavelmente já projetam.

Apontaria como um exemplo (embora relativo, já que se trata de uma obra bem conhecida em nosso país, também apresentada no exterior e à qual se pode chegar através da Internet), a inovadora proposta última de Luis Bravo – Árbol veloz –, de múltiplo suporte expressivo que, sem abandonar a intimidade que provê o livro convencional, aborda a sensorialidade da poesia também através do CD-Rom e do cassete. É de se destacar o papel que vem tendo a Web nos últimos anos no reconhecimento destas contribuições; a projeção que se pode fazer deste instrumento midiático é animadora.
 
 

3
O que impede a existência de relações mais estreitas entre os diversos países que conformam a América Hispânica?





JUAN CALZADILLA (Venezuela, 1931) – Em princípio, continuando no mesmo tema, creio que a falta de contatos mais freqüentes entre os próprios poetas para realizar ações comuns, além dos congressos e festivais que se costumam organizar. É possível que se tenha esgotado o interesse pelos grupos e que isto explique tanta dispersão. Internet e correio eletrônico estão ajudando muito a reiniciar o diálogo perdido, mas ainda é grande o distanciamento, sobretudo pela dificuldade de nos encontrarmos fisicamente, de compartilharmos a mesma mesa e de empreendermos trabalhos coletivos, programáticos, como as revistas, por exemplo. Porém a virtual é uma relação incompleta, e às vezes frustrante, como o namoro à distância, por cartas. No meu entender, a idade de ouro de nossa poesia ocorreu na década de 60, talvez porque, ao menos para os venezuelanos, a moeda era forte e rendia mais do que no resto dos países. Tivemos assim, por sorte, durante três lustros, uma fornada de poetas avindos de vários lugares, e especialmente do sul, lamentavelmente gerada por causas políticas, e aprendemos muito deles, ao menos a nos comportarmos bem. Naquela época se viajava muito, era fácil subir em um avião e durante uma semana visitar várias cidades latino-americanas com uma passagem aberta. Hoje esta é uma façanha proibitiva, exceto que a faças navegando na Internet, porém quem garante que o resultado seja o mesmo? Creio que em nossos países tem havido um progressivo empobrecimento da economia cultural, não sentes assim? Em conseqüência, também as comunicações e a informação. Já não há muitos congressos e encontros. O boom que nos prometia Romano de Santa Ana resultou uma fraude. Tenho para mim que começamos a transitar uma etapa consagrada à sobrevivência, com a vantagem talvez de que isto está nos tornando mais atentos às nossas carências, de tal modo que é uma grande verdade que talvez haja mais sentido nesse momento em viver grudado à janela de nosso computador. Não sei que vantagem representa para nós esta situação limite, mas creio que cada vez experimentamos mais a poesia como um deserto, ao menos quanto à falta de sentido e compromisso. E nisto consiste sua tragédia atual.

RAÚL HENAO (Colômbia, 1944) – Em primeiro instância quero me referir, de modo sumário, a um fato que chama vivamente a atenção de todos aqueles que se interessam pelo devir histórico hispano-americana: sua insólita diversidade e riqueza cultural orquestrada no âmbito de uma única língua, o idioma espanhol. Uma estrela ou constelação fulgurante de poetas e prosadores baliza o continente desde o sul do Rio Grande até a Patagônia. Todos igualmente importantes e relevantes. O continente hispano-americano é o único que pode reconstruir a torre de Babel. Não no que esta tem de empresa soberba, luciferina, mas sim de aproximação à criação, ao divino por sua unidade idiomática e identidade cultural. Mas o que sucede? (E agora passa a responder à pergunta formulada) Aqui vale apontar uma dos mais cruéis paradoxos históricos: toda essa riqueza cultural permanece – como diria nosso Jorge Zalamea – "ignorada e esquecida", detrás das respectivas fronteiras dos países hispano-americanos. Boa parte, talvez os mais representativos, de todos esses criadores, artistas e escritores, é desestimada e desconhecida passando de um país para outro, e mesmo no próprio país de origem. As causas desse insucesso são muitas, quero apontar apenas o opressivo marco político-econômico que rege o mundo atual. Os países europeus desenvolvidos e o Big Brother não se resignam, em definitivo, a perder a tutela exercida sobre os chamados países terceiro-mundistas (entre eles, os hispano-americanos) que lhes proporcionam substanciosos dividendos, matérias-primas e mão-de-obra barata, para levar adiante seu projeto ou delírio tecnológico e cientificista em seus exclusivo benefício. Para tal efeito, nada melhor do que praticar, por extenso e como política exterior, a doutrina maquiavélica de "divide para reinar", o que explica tanto a existência de fronteiras arbitrárias, irreais, como o isolamento cultural nesses povos que compartilham um mesmo idioma e uma idiossincrasia comum. Claro que no interior de cada nação hispano-americana existem razões de fundo e interesse criados para que essa ordem monolítica não se modifique. E desde a independência americana se viu como os logros e conquistas alcançados na gesta emancipadora foram confiscados aos libertadores por uma segunda geração de caudilhos, chefes localistas e facciosos, para seu usufruto pessoal, o de seus familiares e partidários. Esses caudilhos e chefes nacionalistas (fundadores de castas e partidos políticos, alguns dos quais permanecem desde então no poder) desmembraram o sonho bolivariano e impediram que os países hispano-americanos – privilegiados por sua identidade multirracial – se constituíssem no "continente da esperança humana", como o que queria José Martí. Ou no "foco de uma cultura nova", como sonhara Rubén Darío. Ou seja, em um autêntico novo mundo. Porque há que afirmar abertamente: abolir as fronteiras que nos separam é resgatar a utopia, o sentido visionário e redentor que esta revestirá sempre no decadente, alienado contexto da cultura ocidental moderna.

agmatesp3.JPG (33942 bytes)SONIA MURILLO-MARTIN (Chile) – A imensidão de nosso Continente e nossa própria falta de interesse, o dinheiro e os meios de comunicação que a cada dia concede menos espaço à cultura e que não estão ao alcance de todos, tudo isto influi para que não nos conheçamos. Em meu caso, sou admiradora da língua portuguesa e do Brasil, nunca deixo de mostrar em minhas pesquisas literárias autores de Espanha, Portugal e certamente do Brasil, uma vez que este último país é parte nossa, de nossas características de americanos. Estimo que agora, com o ciberespaço, será possível encurtar as distâncias. Sentimos falta de congressos, revistas, pesquisas, editoras, livrarias, concursos de livros de ensaios, antologias, livros de poemas, trabalhos sérios e centro poéticos, uma vez que a matéria-prima, que é o poeta e o público, isso todos já o possuímos.

BLANCA LUZ PULIDO (México, 1956) – Esta pergunta é de resposta difícil e complexa. É triste mas certo que existe um abismo de desconhecimento entre os países da América Latina. Muito disto se deve, em minha opinião, às crônicas crises que padecemos. Não poder viajar, por exemplo, com certa freqüência, para conhecer outros países da América Latina dificulta a aproximação entre as pessoas e os lugares. Por exemplo, no México se sabe muito pouco sobre o que se está atualmente escrevendo no Cone Sul. Talvez a falta de revistas literárias com alcance internacional contribua para isto, e as crises econômicas tão freqüentes também. Quando a sobrevivência cotidiana se torna difícil, as pessoas se endurecem, sua amplitude de olhar se detém, seus medos renascem, sua capacidade de desfrute diminui, seu ânimo de viajar e de renovar seus conhecimentos quase desaparecem. Seu interesse pelos demais, pessoas e países, decresce diante da tediosa luta de todos os dias pelo ir levando uma vida escassa e triste.

EDUARDO ARELLANO ELÍAS (México, 1959) – Considero que a pouca oportunidade de viajar, a má distribuição do livro, as escassas possibilidade de publicação e a ausência de uma revista latino-americana de poesia (até onde sei, vocês de Agulha constituem a exceção) são fatores importantes para saber o motivo de não nos conhecermos os latino-americanos que nos dedicamos, entre outras coisas, a escrever poesia. agora, esta situação deveria mudar, pois os meios e janelas são diversos e não é somente uma questão de dinheiro, mas sim de vontade, o que nos permite o estreitamento dos laços, não?

agmatesp6.jpg (22084 bytes)CARLOS BARBARITO (Argentina, 1955) – Amiúde se diz que estes não são bons tempos para a poesia. então me indago: houve alguma vez tempos propícios para a poesia? E mais: o que significa bom, propício? Acaso se está falando de problemas reais, tais como os citados anteriormente, acerca de edição, circulação, difusão. Um poeta, se fiel a seu pensamento, se oposto à domesticação, ao adocicamento, sempre é perigoso, para ele não há nem lugares nem tempos propícios. Sempre estará só, ou próximo de uns poucos, em sua tarefa. Necessita tão-somente de papel e lápis. E sempre há caminhos, quase sempre imprevisíveis, para que sua obra chegue, cedo ou tarde, aos demais. O que necessitamos, sim, é derrubar os tabiques entre uns e outros, que o poder levanta porque o poder sempre tem medo, utilizar todas as vias, todas as possibilidades de comunicação. Perguntar: quem está do outro lado do muro?, como na obra de Pink Floyd. Esta página idealizada no Brasil, como tantas outras no continente, contribui plenamente para essa tarefa que, creio, é imprescindível.

PEDRO GRANADOS (Peru, 1955) – Amo o Brasil. Nossas relações não são fluidas ou estreitas, mas isso não impere que as pessoas que escutaram ao menos uma vez sua música-poesia sintam-se cativadas para sempre. A poesia do Brasil - o feitiço de sua sensualidade, a claridade de seu pensamento - é o contrapeso necessário à orfandade e certo espírito barroco preponderantes nos Andes. No entanto, é muito certo aquilo de nosso mútuo desconhecimento. Quando estive vivendo uma temporada em Manaus, inclusive entre colegas poetas, ali se conhecia, do Peru, apenas a César Vallejo e a Manuel Escorza. Simpatia e carinho existem entre nossos povos; de maneira que a autarquia é consequência da pura falta de interesse de nossos líderes políticos e culturais (nem sempre os mais idôneos para remediar tais coisas). Isto sim, sem um mínimo de investimento econômico, existindo já a boa vontade, pouco é possível fazer. Recordo, como bom exemplo, que há uns 20 anos a Embaixada do Brasil no Peru publicava edições bilíngues de poetas brasileiros contemporâneos, eram volumes delgados e em rústica, mas que cumpriam amplamente sua incumbência: aproximaram-nos de mineiros, cariocas ou paulistas, da maravilhosa poesia brasileira.

REYNALDO JIMÉNEZ (Peru, 1959) – A própria idéia de fronteira, que levamos gravada em uma espécie de subnatureza inconsciente por domesticação (mastigação) cultural, indissociável de nossas herdadas noções (como se fossem a lesa natura) de estado, poder, dinheiro, sociedade e, portanto, de relações humanas. Também a indiferença dos curiosamente chamados animadores culturais, mais empenhados em difundir o próprio do que tornar-se conectores para circulações multidirecionais, mas à maneira de uma irradiação de círculos concêntricos que o já carcomido e carcamano caráter colonialista da autopromoção e ocupação de espaços (ali onde os meios de comunicação representam o mercado). A tirania da vulgaridade, no entanto, não cai, de maneira vertical, unicamente da brutalidade dos estados latino-americanos e suas não-políticas culturais, sua generalizada falta de projetos neste campo, como em ampliar os critérios do que hoje se entende por educação, mas sim que vem também de baixo, da própria gente, uma vez hipnotizada sua responsabilidade individual pela ânsia de se ver refletida, descarada como está, nas telas do panóptico. No entanto, e a favor ou em defesa da poesia, creio que esta consegue sempre circular em qualquer parte, já que em suma se trataria de uma questão de reciprocidades: a atenção do leitor é que o leva ao poema ao mesmo tempo que a precisão e intensidade do poema requerem tão-somente - não haverá outra possibilidade - um leitor disposto, capaz de doar sua atenção para o que não poderia, de nenhuma maneira, refleti-lo ou confirmá-lo em sua identidade. De maneira que, por um lado, a poesia detona, necessariamente, os substratos arcaicos e os arquétipos  depositados no arrasto verbal, o arrasto comum e mestiço (em amplo sentido) dos usos (mesmo do inusual) da linguagem (onde se manifestaria o latino-americano de nossas escrituras) e, ao mesmo tempo, a poesia, paradoxal como costuma ser, apaga de um sopro (ar da palavra) toda noção de identidade (pessoal, coletiva). E o que surge já não se define senão como espírito amplo e momentâneo.

agmatesp9.JPG (32193 bytes)WASHINGTON BENAVIDES (Uruguai, 1930) – O isolamento de nossos países se deve ao pouco alcance das editoras nativas. Quanto às multinacionais, estas operam com interesses que nata têm que ver com o de vincular povos. Por outro lado, o quase nulo contributo dos governos, através dos adidos culturais, de embaixadas e/ou consulados, agrava o isolamento. Algumas tentativas admiráveis: a revista Ulrika; a revista Prometeo; a Casa de Poesía Silva, na Colômbia; a Universidade de Lima (Peru), com seus encontros de escritores da América e do resto do mundo; e alguma outra tentativa isolada, não alcançam, ainda, romper tal situação.

ALVARO MIRANDA (Uruguai, 1948) – É uma pergunta política. Provavelmente alguns líderes do continente a propuseram. Por que são assim as coisas? esta proposição merece uma resposta fundada e extensa. Como não quero abusar da paciência do leitor, omito-a. Cada um tem sua própria resposta, por outro lado.

Agora que, em questões mais específicas – como a poesia, por exemplo – posso refletir partindo da experiência uruguaia. Este é um país curioso: tem aparente fama de culto no exterior, mas existem apenas três ou quatro editoras; as livrarias estão em Montevidéu e são cada vez menos; o interior do país tem poucas e más livrarias; os autores e títulos realmente importantes não chegam – há que ir buscá-los em Buenos Aires –; há cada vez menos livrarias e mais supermercados de livros sem substância, banais; os editores nacionais não exportam livros de autores uruguaios, porém o mercado se satura de dejetos da forte indústria editorial espanhola; não há lugares para editar poesia – isto me levou, em 1980, a criar as Ediciones del Mirador como selo dedicado a apresentar poetas da época, sistematicamente rejeitados pelas editoras estabelecidas e com coisas para dizer –, mas se edita até o cansaço qualquer superficialidade mercantilista. Tudo isto talvez possa explicar algo do isolamento nos países latinos. Some-se a isto o desinteresse oficial pela difusão cultural que mostram muitos países. Que resta? O esforço pessoal ou coletivo de grupos lúcidos, expressões como esta mesa de diálogo de Agulha, esforços isolados de quem, enquanto a escuridão a tudo envolve, se obstinem a manter viva a tocha da arte e do pensamento. Para dizê-lo com palavras de Lucrécio: et quasi cursores, vitae lampada tradunt (e como corredores transmitem a tocha da vida), recordando aqueles que, na antiga Grécia, passavam de mão em mão, as tochas acesas para retornar à escuridão uma vez cumprida a razão da alma.

MARIELLA NIGRO (Uruguai, 1957) – Nos últimos anos, as relações (culturais, em geral) vêm se estreitando espontaneamente (claro está que em forma desordenada e heterogênea) em virtude do fenômeno da rede mundial de comunicações, tornando ainda mais relevante a grande afinidade que une, em sua diversidade, a todos os países da América Latina.

Possivelmente falte multiplicar as oportunidades e facilitar as condições para o permanente intercâmbio cultural, o fluxo de obras, a promoção dos novos criadores e a experiência periódica de leituras abertas, encontros e performances com outros poetas latino-americanos, entre outras iniciativas que aprofundarão essas relações.

A presente enquete é uma manifestação dessa necessidade de relacionamento. E uma demonstração do peso midiático da Web. Propor o assunto é uma forma de começar a resolvê-lo.

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