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Adrienne
Samus
Esta confissão fictícia – escrita por um tal Adler-Revon e recolhida na célebre antologia Contos breves e extraordinários, de Borges e Bioy Casares – rende tributo não somente ao extraordinário talento e dedicação do artista japonês Katsushika Hokusai (1760-1849). De modo tangencial ressalta virtudes raras na cultura ocidental, como a serena perseverança que, por sua vez, nasce de um autêntico sentimento de humildade e devoção ante a natureza. O Hokusai apócrifo diz Ter 75 anos quando escreve estas reflexões, precisamente a época em que começou a pintar sua série mais conhecida e que influenciou a tantos paisagistas do Ocidente: Fugaku sanjurokkei (Trinta e seis vistas do monte Fuji). Nestas admiráveis xilogravuras, Hokusai retratou a famosa montanha japonesa de vários ângulos e lugares, e em distintas estações do ano e horas do dia. doze estampas da referida série provocaram em Alberto Gualde a criação do livro Octubre bajo las aguas. A rígida síntese, a força da imagem e a vontade de "penetrar a essência das coisas" são atributos evidentes em ambas obras. Porém as similitudes terminam aí e as diferenças são tantas, que seria incongruente comparar os poemas de Gualde com as gravuras de Hokusai. Muito mais próxima na intenção e no espírito de Octubre bajo las aguas demonstra ser a série de panoramas marinhos de outro japonês, o fotógrafo contemporâneo Hiroshi Sugimoto, não somente pelo tema mas também pela insondável quietude e a perturbadora sensação de vazio que deixam no espectador (o que também me recorda uma frase muito oriental de Mallarmé.: "Depois de haver encontrado a vacuidade, encontrei a beleza"). Isto serve para confirmar que amiúde a arte se assemelha muito pouco à fonte original de inspiração. Octubre bajo las aguas concentra
seu olhar no mar para transmitir seu mistério incomensurável
e o poder de sedução que desde sempre tem exercido nos homens.
De igual maneira que a morte, claro, cujo denso alento invade cada um destes
poemas. Poemas de extrema concisão, que ocultam muito mais do que
dizem e nos quais a metáfora se nos oferece como enigma e revelação.
OCTUBRE BAJO LAS AGUAS Alberto Gualde
1
Los vientos de octubre borran las últimas huellas en los rostros secretos del poema. Bajo la tempestad cada portador se aferra a una página. Tiembla el árbol doble y surca el aire una formación de páginas furtivas. 2
3
La insistencia de octubre. Sus indómitos caballos de miel y lumbre atormentan el polvoriento sopor de los caminos. No alcanzará la noche para tanto feroz peregrinaje. ¿Hacia dónde vamos? preguntan los pálidos jinetes antes de cruzar el puente de arcilla y ser devorados por las aguas. En el descenso del cielo hacia las aguas el ávido silencio de las aves penetra las raíces más amargas de la noche. 4
5
Ahogarse. Sólo en el corazón profundo de la ola puedes percibir el silencio lustral de las aguas. La tarde se fractura en el desolado espacio dibujado entre un pájaro y su vuelo. 6
7
El cuerpo del agua esconde luminosas cicatrices. Desde aquí no se ven más embarcaciones. Domesticamos las aguas para ejercer la nostalgia elemental de los naufragios. 8
9
El lago inmóvil busca desbordarse en la multiplicación de los silencios. El árbol solitario se satura de rapaces aves invisibles. Sólo ceniza en las alas fugando hacia octubre. 10
11
Los pescadores buscan augurios en las arenas renovadas: redes polvorientas anzuelos oxidados escamas luminosas prolongan la cálida estación de las arenas. Hasta que el agua recupere la memoria. Nadie cruza los puentes. 12
La sed del horizonte surcada por las últimas aves que las aguas olvidaron. Quedan cuatro. OUTUBRO SOB AS ÁGUAS Alberto Gualde
1
Os ventos de outubro apagam as últimas marcas nos rostos secretos do poema. Sob a tempestade cada portador se aferra a uma página. Treme a árvore dupla e sulca o ar uma formação de páginas furtivas. 2
3
A insistência de outubro. Seus indômitos cavalos de mel e lume atormentam o empoeirado torpor dos caminhos. Não alcançará a noite para tanta feroz peregrinação. Para onde vamos? indagam os pálidos ginetes antes de cruzar a ponte de argila e ser devorados pelas águas. Na descida do céu até as águas o ávido silêncio das aves penetra as raízes mais amargas da noite. 4
5
Afogar-se. Somente no coração profundo da onda podes perceber o silêncio lustral das águas. A tarde fratura-se no desolado espaço desenhado entre um pássaro e seu vôo. 6
7
O corpo da água esconde luminosas cicatrizes. Daqui não se vê mais embarcações. Domesticamos as águas para exercer a nostalgia elementar dos naufrágios. 8
9
O lago imóvel busca transbordar-se na multiplicação dos silêncios. A árvore solitária satura-se de rapinantes aves invisíveis. Apenas cinza nas asas fugindo até outubro. 10
11
Os pescadores buscam augúrios nas areias renovadas: redes empoeiradas anzóis enferrujados escamas luminosas prolongam a cálida estação das areias. Até que a água Recupere a memória. Ninguém cruza as pontes. 12
A sede do horizonte sulcada pelas últimas aves que as águas esqueceram. Restam quatro. |
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