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Floriano
Martins
Livros como Vidas imaginárias e A cruzada das crianças – ambos publicados em 1896 –, importam sobremaneira pela confirmação de uma estética que estabelecia um diálogo vital entre arte e imaginação. Schwob repudiava todo instinto de imitação. Sua aventura exaltava o abismo, o profundo mergulho no desconhecido para dali retornar o homem, senão curado de si mesmo ao menos fortalecido pelo reconhecimento de sua perversão intrínseca. Nascido em Chaville em 1867, o francês Marcel Schwob foi um dos mais consistentes autores vinculados ao Simbolismo. Desde cedo, na infância transcorrida em Nantes, conviveu com dois outros idiomas: o inglês e o alemão. Tinha por tio um bibliotecário e orientalista bastante prestigiado, Léon Cahun, que lhe auxiliou em muitas de suas traduções de Catulo, Petrônio e Anacreonte. O convívio com o tio e os milhares de livros, aliado à sua contagiante inquietude, invocaram os impulsos da imaginação, levando-o a escrever desde cedo e já de maneira singular. Leitor voraz e austero, logo trata de aprender outros idiomas, entre eles o grego e o sânscrito. Escrevendo, sem distinção hierárquica, poemas, contos, crônicas, ensaios e a eles acrescentando suas inúmeras traduções, Schwob vai despontando rapidamente como grande expressão de um período dado como decadentista. Sua residência em Paris revela fortes amizades e uma trilha favorável de ações. Tornam-se regulares suas colaborações para dois destacados órgãos da imprensa parisiense: L’Evénément e L’Echo de Paris. Neste último, chega a promover escritores mais jovens, a exemplo de Jules Renard e Paul Verlaine.
A partir daí Marcel Schwob começa a influir em todas as instâncias em que se locomove. A afinidade com o Simbolismo propicia o desenho sugestivo de uma palavra secreta, vinculando-o aos estudos do Ocultismo e às conseqüentes seções dos salões da Rosa Cruz na Paris finissecular. Era considerado o poeta do maravilhoso, e foi de importância reconhecida para a firmação estética de autores como Oscar Wilde e Alfred Jarry. Mantém correspondência com George Meredith e Paul Valéry. A todo momento ressalta seu interesse maior: escrever um grande livro sobre François Villon. Publica então Spicilège (1896), série de ensaios já difundidos na imprensa. Contrai uma infecção pulmonar que o levará à morte em 1905, não sem antes empreender algumas estimulantes viagens de navio pela península ibérica. Revendo a obra de Marcel Schwob vamos encontrar alguns aspectos igualmente fundamentais e abandonados. Foi um dos mais relevantes tecedores do poema em prosa. A partir daí mesclou os gêneros, somando à imaginação a reflexão crítica e o sentido de uma iluminação ascética. Vidas imaginárias e A cruzada das crianças não fazem senão confirmar o que digo. Le livre de Monelle acrescenta um componente sensual, que dá à poética de Schwob uma consciência plena dos principais obstáculos que sua época impunha a toda manifestação artística. No Brasil conhecemos unicamente o Marcel Schwob de A cruzada das crianças, publicado na década passada pela Iluminuras. Segundo Rémy de Goncourt, trata-se de um "livrinho milagroso". Schwob acentuou uma característica baudelairiana dos tableaux-vivants (quadros-vivos), apreendendo lições do mergulho na história, neste caso com destaque para uma passagem da Idade Média, redimensionando-as a partir dos poderes da imaginação, logo em seguida, segundo Jorge Luis Borges, ao prologar uma edição deste livro, entregando-se "aos exercícios de imaginar e escrever".
Marcel Schwob não escreveu o "grande livro" que pretendia em relação a François Villon, mas sim o mais intenso, minucioso e revelador ensaio acerca do poeta francês do século XV. Fascinava-lhe o que Sérgio Lima situa como "exaltação do momento", aspecto que iria compor o sentido da "beleza convulsiva" essencial ao Surrealismo. Villon, neste sentido, emblemava a idéia de uma negação absoluta da história, semelhante ao "Lâchez tout" de André Breton ou ao "Larga tudo" de Almada Negreiros. A obra e a vida de Marcel Schwob confunde-se com um momento vertiginoso vivido por nós. Não exatamente pelo estigma finissecular, mas sobretudo por um acesso de repetição provocado por um século que não soube lidar consigo mesmo. O século XX é grosseiramente contraditório. Produziu compreensões fundamentais, ao mesmo tempo em que não conseguiu aplicá-las. Schwob não cabe aqui senão como uma sugestão para o indispensável diálogo com o passado. |
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