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Ana Guimarães


 


Pra que serve a poesia?



 

A poesia é um verdadeiro alento nas horas difíceis. Tapa-buracos do Real, quanto mais o sentido escapa, mais ela emerge. Na contramão do sensato, aponta o horizonte do impossível, denuncia a tentativa de sacrifício do sonho, de massacre da ilusão.

Dá força ao imaginário, até mesmo ao marginal, e serpenteia como água na infiltração, disseminando-se pelas frestas, pelos descaminhos, driblando barreiras, minando resistências, fazendo suas próprias rotas, não convencionais, subversivas.

Ensina a suportar a impotência diante do inominável. A acessar, por ondas mnêmicas, o indestrutível museu emocional que portamos. A abordar, como significa semanticamente, pelas bordas, a dor. A aproximar, paradoxalmente, por linhas de fuga, o horror.

A abandonar os remos e deixar o barco à própria sorte. Ficar como cata-vento, à mercê do vento. Fantasiar que estamos nadando no mar quando só estamos afogados em nossas lágrimas salgadas (grande Carroll!). Falar com bichos e pedras sem parecer louco.

A se jogar no buraco, por mais escuro e fundo que seja, como Alice na toca do coelho, sem se perguntar como fazer para voltar. E também como ela, depois dessa queda, não ter mais medo de cair. Até porque quando se cai nada mais resta a fazer senão falar, simbolizar, metaforizar. Mesmo que com dificuldade, como reza a lenda sobre Joyce, o dia inteiro trabalhando para encontrar as palavras, só não sabia, ao final, ainda, como arranjá-las na frase.

A poesia não responde, pergunta. Seria ela um corredor comprido, iluminado por uma fileira de lâmpadas? Ou seria a luz das lâmpadas iluminando esse corredor? Pois é, varia, depende do ângulo. Ela é a chave que não abre nenhuma porta específica, deixando a você a descoberta das saídas possíveis. Suas, particulares, subjetivas, únicas.

À medida que caminhamos, mais criamos marcas e as apagamos. É como andar na areia da praia, deixando pegadas que o vento logo desmancha. Ela é como os pés distantes da Alice: pode não nos obedecer, nos levar para onde não queremos ir.

A fazer perguntas depois que a escrevemos, tais como: será que foi o mundo que mudou ou mudei eu? Quem sou esse que escreve? Esse estranhamento.

Arquiteta da ponte entre as margens de um vazio e outro, tantas vezes projetada, jamais construída, ela tem o dom de fazer extraordinário do comum. Lápis de cor que colore o preto e branco da história, desenhando montanhas onde é só planície estéril, encantando o desencanto do mundo. O pintor é ela, somos – com muita honra e humildade – apenas seus pincéis.

 

 

 


 

11/11/2005