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Jornal do Conto

Ana Guimarães


 


Crônica sobre crônica


 

 

Folheava, pra me desfazer de uma pilha deles porque não tenho mais lugar para outros livros na minha estante, “Dias de cachorro louco”, de Edney Silvestre. Encontro, logo no início, uma expressão deliciosa da qual não me lembrava ter lido: “... dois candelabros de prata inglesa, estilo maria-alguma coisa”. Identifico-me – de novo, provavelmente (rs) – de cara, com o autor, e recomeço a saborear uma encantadora crônica. Ele se refere aos tesouros encontrados sem garimpo ou sequer descuidada busca. Cá pra nós, Edney, quanto mais vivo mais me convenço de que os verdadeiros tesouros são assim, achados. Nada que se vasculhe muito, que se tenha que batalhar. Nada que se tente. Esse verbo, então, está definitivamente riscado da minha vida. Não quero tentar mais nada: ou faço, ou não faço. Ou acontece, ou não. Chega de tentativas. Como disse Picasso: eu não procuro, acho. Ele, e toda a torcida do Flamengo. Só acha quando não procura. Pode até procurar, mas saiba que vai encontrar é outra coisa que não estava no programa. Aí, tá bem, siga em frente. O mundo – e não só as ruas de Manhattam, como ele dizia – é uma imensa loja de departamentos a céu aberto, com produtos grátis (ou nem tanto: você sempre vai pagar um preço, mesmo que não seja em espécie, e esse é o mais caro) que vão passando pelo seu nariz. É só pegar o que lhe interessa, o que lhe serve, do que você precisa. O que não presta mais para alguém, ou nunca prestou, pode lhe cair sob medida: quem entende o desejo?

Continuando a crônica, ele diz que lá, com os preços de serviços e transportes altíssimos, fica mais barato para alguém que se muda (de bairro, de cidade, de estado) – e se muda muitíssimo – comprar tudo novo, e largar o usado no meio da rua. Não deixa de ser uma forma de distribuição de renda. Se emocionalmente fôssemos assim, tão desprendidos, talvez as coisas fluíssem melhor. Abandonar algo velho para trás, dar oportunidade ao desconhecido. Perder para ganhar. Fazer circular o desejo. A gente circular. Parar de girar à nossa própria volta, em círculos concêntricos. Deixar de orbitar em torno de alguém ou alguma coisa. Mudança de paradigma.

 

 

 


 

11/11/2005