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A poesia representa a fulguração da desordem, o mau
caminho do bom-senso, o sangramento inestancável da linguagem, não
prometendo nada além de rituais para deus nenhum.
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A possibilidade de negociar com as palavras as
frestas de perturbação e mudança de que elas e nós necessitamos para
continuarmos vivos : a isso dá-se o nome de estilo.
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A poesia não pretende ser espelho do caos, hipótese
em que tudo, isto é, nada, seria poético.
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Nossa liberdade passa não apenas pelas palavras em
que nos reconhecemos, mas sobretudo pelas palavras com as quais
aprendemos a nos transformar.
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A poesia é igualmente um espaço de sombras, tentativa
de perceber o escuro no escuro. Se a poesia é noturna, o poeta, para
Emílio Moura, não deixa de ser um iluminado. Mesmo que, no seu caso,
se possa dizer: um iluminado de sombras.
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Há coisas que O rio de Cabral nem sabe se viu, mas de
que se fez testemunha “por ouvir contar”; e o pior cego é o que não
quer ouvir.
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Atmosfera cheia de luz, espaço sempre diurno : Sertão
é uma palavra cercada de sol por todos os lados.
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Na paródia, numa relação algo incestuosa com a
linguagem, o texto-matriz cintila sobre os escombros, pois,
pretensamente aniquilado, transforma-se na grande força de
legitimação do texto que o acusa.
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Drummond carrega indelevelmente o peso e a frustração
de seus mortos, pois herança não é apenas aquilo que recebemos, mas
aquilo de que não conseguimos nos livrar.
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A poesia de Cabral nunca desistiu de ser também a
poesia do João.
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Há poetas quase afônicos; de tanto espremerem para
expressar alguma coisa, acabam exprimindo coisa alguma.
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A antiordem foi moderna no modernismo; repeti-la
ainda hoje, sob a capa da vanguarda, é iludir o leitor, ao dar-lhe o
passado de presente.
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Onde porém é hoje aceita a moeda do poeta? Uma
resposta seria: no material barato da vida, nas grandes liquidações
existenciais, nas pontas de estoque afetivo.
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O poema como um objeto legível: sem adesão aos
chavões melódicos do verso ou ao receituário fácil do emocionalismo
prêt-à-pleurer.
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Em Aboque/abaque destaca-se uma multifonia ébria a
corroer a noção autoral – e estilo de bêbado não tem dono.
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Como quase diz o ditado, promessas são dúvidas.
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Em “Tecendo a manhã”, de João Cabral, há dois fios
que se encontram, um de luz e um outro de sintaxe, no discurso de um
poeta que constrói ao mesmo tempo a manhã e o texto.
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Em Marília de Dirceu, a ovelha tem direito de balir e
não é obrigada a se ajoelhar. A ovelha barroca reza, enquanto a
neoclássica aproveita para comer a paisagem.
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A poesia é diáfana, o poema é carnal.
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O grande artista relativiza os dogmas do estilo em
que se inscreve; cabe aos menores acreditar demais em tudo aquilo.
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Na obra de Cruz e Sousa, o asilo no espírito foi
incapaz de promover o exílio do corpo.
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Cabral desbasta a superfície textual, por natureza
impura, não para restituir-lhe a superfície sem mácula, mas, ao
contrário, para limpá-la da limpeza excessiva com que muitos
cultores da “poesia pura” tentaram esterilizá-la.
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O prosaico não é o oposto do poético, e sim do
poemático, ou seja, do conjunto de convenções retóricas sobre as
quais se estabeleceu o consenso de como um poema deva ser.
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No Romantismo, talvez a biografia de um poeta se
componha da soma de seus versos e da multiplicação de seus sonhos.
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Ao poeta romântico interessa mais enunciar que deseja
do que desejar o que enuncia.
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Pouco importa que o velho poeta já houvesse publicado
o melhor de sua obra: frente à poesia, toda morte é prematura.
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Discurso conseqüente é o que consegue criar um avesso
não-simétrico. Então, o contrário de alto passa a ser amarelo, e o
sinônimo de escada passa a ser helicóptero.
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O antinormativo é o imprevisível com hora marcada.
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Como traduzir no mundo verbal o mundo
plástico-visual? O risco é que muitos poetas acabem mudos de tanto
ver.
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Negar o grandioso é insuficiente para impedir seu
enviesado retorno através da monumentalização do mínimo.
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Ser crítico do contemporâneo não implica o endosso da
ordem que o antecedeu.
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No que toca à circulação da poesia, as noites de
autógrafo se transformam em rituais simultâneos de batismo e óbito
de um livro, que, fora dali, não será mais visto em lugar nenhum.
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Se eu já soubesse o que o poema diria, não precisaria
escrevê-lo. Escrevo para desaprender o que eu achava que sabia sobre
aquilo que me vai sendo ensinado enquanto escrevo.
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Contrariando o axioma do velho São Tomé, cabe à arte
ver para descrer, isto é, recusar os esquemas confortavelmente
explicativos da realidade e injetar o vírus da desconfiança em meio
a toda unanimidade eufórica.