Artur da Távola
Um olhar de ternura
Chego no boteco, a macharia está lá.
Supondo vir a ser compreendido e admirado, todo pimpão, apresso-me
em proclamar:
1- Sabem qual foi o lance mais bonito da Copa?
2- Qual? Qual? Já sei, aquele gol do Argentino de fora da área...
1- Nada disso: tem sido o olhar de ternura do William Bonner para a
mulher nas despedidas do Jornal Nacional.
Levo logo uma vaia. Ninguém me
compreendeu. Até de piegas me chamaram, em gozação. Calo-me, então,
a ponto de os demais depois até repararem. Invento, então, um
compromisso e saio antes do fim do papo. A pensar:
Já sei o que os incomodou: a palavra
ternura. O mundo anda precisado de ternura e as pessoas têm medo de
demonstrar sentimentos. Mas isso é uma bobagem. Ternura ninguém
manifesta sem sentir. É necessário que venha de dentro. É o mais
leal dos sentimentos. Ternura não se manifesta: sente-se.
Um marido distante quilômetros e um
tempão longe da mulher que ama, vê-la na madrugada e no frio a
trabalhar com afinco, mesmo sendo discreto e polido como o Bonner,
sabe que ela é mãe de seus trigêmeos e dia desses até se preocupou
em dizer que lá estava frio como a significar: “Vê lá se vai pegar
uma gripe. Amanhã venha mais agasalhada.” D’outra feita, havia uma
festa dos brasileiros entrando pela madrugada no Hotel e ela
encerrava a sua reportagem do lado de fora. Discreto como sempre,
ele quase perguntou: “Você vai à festa? (Ou vai dormir, deve ter
pensado e calou?) “Nada de festa, ouviu Madame?” Também esta frase
não pronunciou. Mas sentiu o ciuminho e o transmitiu subjetivamente.
Posso pensar que nós cronistas vemos
coisas que os demais não percebem e até desdenham e por vezes eu sei
que vivemos nos demais as emoções que estão a pulular dentro de nós.
Pode ser. Há tanta artificialidade na televisão que aquilo poderia
ser combinado. E concluo: poderia ser, porém não é! O rapaz não é
ator. Quando a casa deles foi invadida por bandidos, todos
ameaçados, ele foi valente defensor da família. Arriscou a vida. Do
lado de lá (Alemanha) a Fátima é ainda mais encabulada, e parece uma
menina a disfarçar ao receber uma cantada. Mesmo do marido.
Ora, conclui o velho cronista: receber
diante de 60 ou 70 milhões de brasileiros uma declaração de amor
através do olhar terno e saudoso do marido é a glória para qualquer
uma. Sinal de merecimento. Fico com a minha conclusão: os meus
amigos de boteco deram-me um fora errado. Piegas uma ova: poeta.
Salve o olhar de ternura de um homem
por sua mulher, a saudade verdadeira e o cuidado com ela. É sinal de
esperança, de amor e de vida.
01 de julho de 2006
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