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Batista de Lima


 


As características da escritura de Moreira Campos



 

 

A obra em prosa de Moreira Campos compõe se de 138 contos distribuídos por seis livros, afora as reedições por coletâneas. Esse patrimônio literário foi elaborado do final dos anos quarenta até nossos dias, perfazendo quatro décadas de boa literatura, onde se sobressaem uma forte carga erótica, um velado apelo social e um estilo bem particular.

O autor, através desse particular estilo, transita com mestria entre momentos impressionistas, neo-realistas e neonaturalistas, sempre conservando uma estrutura linear para suas narrativas, com princípio, meio e fim bem delineados. Além disso, ao longo de sua obra, há uma constante tensão estabelecida entre criação e destruição (Eros e Tanatos). Essa tensão é abrandada através de alguns recursos como: a ironia, o humor, a ambigüidade e através do tratamento especial com que o autor trata a morte de seus personagens. A morte é convivida e dilui seu impacto destruidor dada a convivência dos circunstantes com o moribundo. O que marca, no entanto, seu estilo é o conjunto das características de sua obra, que são bem particulares.

As principais características da narrativa de Moreira Campos são: uma tendência para o uso de elementos descritivos em paralelo aos narrativos; os vazios deixados para serem preenchidos pelo leitor; a eliminação de comentários e interpretações paralelas; a quase ausência de diálogos; a atuação do tempo como elemento corrosivo sobre os personagens; o uso das repetições como forma de superação das dificuldades de relacionamento entre as diferentes classes de pessoas; a ironia; a luta pela concisão.

Essa luta pela concisão leva a uma redução lingüística que faz com que dos contos iniciais com mais de dez páginas ele chegue a duas páginas, nos mais recentes textos. Essa redução do tamanho dos contos não corresponde a uma redução sintagmática. A frase, em Moreira Campos, não sofreu alterações no decorrer do tempo.

Um dos elementos que sofreu certa modificação foi o tratamento pronominal, pois se observa ao longo desses anos uma substituição gradual da 1ª pessoa utilizada abundantemente nos primeiros livros pela 3ª pessoa que vem sendo utilizada nos últimos. Essa modificação, que é uma forma de conseguir o universalismo, ocorre paralelamente à eliminação crescente dos nomes dos personagens e à descrição dos mesmos como forma de identificar a fala dos descritos. Só que, para reforçar nosso ponto de vista, nessa descrição os caracteres são de tipos universais.

Com relação ao tempo cronológico, é fundamental se observar a farta utilização do relógio que está presente 46 vezes em sua obra e que sintomaticamente vai aparecendo de forma crescente ao longo dos livros, como a indicar que à proporção que o próprio autor vai envelhecendo, mais a preocupação com o tempo cronológico vai sendo embutida na sua arte. O relógio, que aparece nas paredes das casas, nas torres das igrejas, nas algibeiras e nos pulsos dos personagens, faz se presente quatro vezes em Vidas Marginais, uma vez em Portas Fechadas, seis vezes em As Vozes do Morto, oito vezes em O Puxador de Terços, onze vezes em Os Doze Parafusos e dezesseis vezes em A Grande Mosca no Copo de Leite. Esse relógio que marca as horas também simboliza o tempo corrosivo que se abate sobre os elementos da narrativa. É pois o relógio uma das ambigüidades da escritura do contista.

Essas ambigüidades em Moreira Campos são representadas principalmente por metáforas e metonímias. As metáforas aparecem mais no princípio e no final dos contos. No princípio, elas seqüestram o leitor pela curiosidade que despertam; no final, elas provocam uma abertura de vazios que o leitor passa a preencher a seu modo. As metonímias são utilizadas nas citações de partes do corpo, vestuário, objetos pessoais e partes da casa. A parte do corpo mais citada é o dedo. Na obra inteira há 351 vezes em que a palavra "dedo" aparece, o que leva a uma média de duas vezes cada conto. E a principal conotação dessa parte do corpo é a erótica. No vestuário, é o pijama o elemento mais utilizado, e sempre associado à doença.

Não há o pijama simplesmente associado ao bem estar e ao repouso. O pijama geralmente veste o canceroso que é sempre masculino. Ainda simbolizando a destruição, apresenta se a mosca. Numa pesquisa em 20 de seus contos, encontramos 30 vezes referências à mosca como agente vivo ligado à destruição. É tanto que o autor chegou a utilizá-la em títulos de suas obras, como: “A Mosca, a Pasta e os Sapatos”, um conto; e A Grande Mosca no Copo de Leite, que além de titular um conto é também título de um livro.

Assim como acontece com a mosca e o pijama, as repetições aparecem nos momentos mais difíceis por que passa o personagem. Ao longo da obra há 55 expressões repetidas, que chegam a um total de 157, assim distribuídas: Vidas Marginais, 31; Portas Fechadas, 18; 0 Puxador de Terço, 53; Os Doze Parafusos, 32; A Grande Mosca no Copo de Leite, 23. A expressão mais repetida em toda a obra é “Me soltem que eu não tenho paciência de ser preso", que aparece 9 vezes em “O Preso”. A repetição é uma forma do preso tentar se comunicar de forma eficaz com aqueles que são responsáveis pela sua prisão. Todos esses ingredientes levam aos momentos mais identificadores na obra de Moreira Campos.

A culminância de sua lucidez pode ser atribuída à obra O Puxador de Terços. É nesse livro onde estão os principais momentos neonaturalistas da obra inteira do autor. E como uma das características principais desse estilo é o determinismo, é bom se verificar que ele se apresenta sob a forma de falsa religiosidade, doença incurável, homossexualismo, adultério, loucura, prostituição, voyeurismo, tara sexual, decrepitude e assassinato. De tudo isso, no entanto, o que mais chama a atenção em Moreira Campos é sua constante intermediação entre os extremos, tipo criação e destruição, utilizando recursos como a ironia e as repetições. Assim ele encurta as distâncias entre o poderoso e o desvalido, o homem (machista) e a mulher (submissa), o doente e o sadio, o agnóstico e o crente, a vida e a morte. Ao conseguir a aproximação desses pólos o contista comprova uma enorme vocação humanizadora, o que contribui em muito para torná-lo um dos maiores narradores da atualidade.

 

 

 


 

26/07/2005