Jornal O Povo
Bernardo Ajzenberg
De encontros e desencantos
Não fosse o caso de homens e mulheres
ainda conseguirem pelo menos admitir o fato de que os encontros são
necessários para manter o fio da integridade emocional em sintonia
com o vida, o desencanto já teria tomado conta do mundo. E de uma
vez por todas. Talvez a literatura seja uma das formas encontradas
para manter pessoas interessadas umas nas outras. Até porque, apenas
na imaginação dos autores encontram-se respostas para o que não se
compreende por uma vida inteira quando o assunto é homem e mulher
juntos. Ou separados.
Não existe ''maneirice'' nesse tema e
o sabe muito bem o jornalista e escritor Bernardo Ajzenberg que
acaba de lançar um petardo - digo -, livro de contos - cujo título
parece heterossexual demais: Homens com Mulheres. Mas é só
aparência. As histórias contadas, cheias de uma graciosa urbanidade
estão transbordando de sentimento. O autêntico, transnacional - para
os franceses -, globalizado para o resto do mundo. O que se sente em
Fortaleza, Lisboa, Paris ou Rio de Janeiro.
Um dos melhores contos do livro é sem
dúvida ''Coquetéis''. Talvez o bom é que ele não fosse lido e sim,
bebido. Servido - como um uísque ou St. Remy Special ou Pink Station
- e sorvido ao som de ''Moon Ligth''. Enquanto o piano vai sugando a
tensão, a leitura mantém o cérebro em alerta. Afinal de contas é o
desencontro que faz a História. Os encontros só se prestam às
biografias. Não é caso. Até porque Sheila saiu do Rio para passar
uns dias em Lisboa. Ele fica à espera. Até perceber que ela não
tinha mais disposição de postar cartões da mais romântica das
cidades européias. ''Durante quatro dias segurei o choro. Na noite
do quinto dia (desgraçada!, ao menos avisasse!, agora nem mais
cartão postal!, emitisse algum sinal!, dissesse adeus! Peguei uma
garrafa de gim. Molotov. Aguardem vou prepará-lo, retumbante, para a
volta de vocês.'
Os homens de Ajzenberg estão em franco
enquadramento. Pulando de um conto a outro eles vivem à procura -
medrosamente - de encaixar conversa, tipo e jeito. Falham com uma
freqüência tão razoável, que parecem gente de verdade, saídos dali
daquele encontro de ontem que foi um desastre. E do desencontro de
hoje que pode repetir a dose ou unir duas almas para sempre. Mesmo
com toda finitude humana. Sim, como dizia o poeta Moreira Campos:
''hei de caminhar contigo por toda a eternidade''.
O livro é bem humorado. Junta e (dis)junta
os mais diversos casais. Ou pretensas cabeças masculinas e
femininas. Visivelmente, as mulheres dão as cartas. Como Célia -
saída do conto ''Aspirador de pó''- que põe fim numa conversa de
anos transcrevendo a alma para o papel e enviando-a pelo correio. Ou
Sônia Bueno - em ''Verme de metal'' - e sua piscina maravilhosa com
segurança disfarçado de cavalheiro e o humilhante convite: ''Venha
qualquer dia na minha piscina''. Ele foi. Desprezo.
O livro de Ajzenberg lança mão da
contemporaneidade e da agitação que atacam homens e mulheres em
noites e dias sôfregos, ligeiros, quase sufocantes e compõe
personagens feito os músicos da era renascentista: com pontos de
fuga. Sinceramente não querem parar, mas manter o ritmo. Não sabem o
que fazer, mas estão dispostos a tatear. Não têm idéia do que virá,
mas sabem como estão neste exato momento. Perdidos numa imensidão de
afetos não compreendidos. Esses homens... Essas mulheres...
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