Pedro Salgueiro
Conto
lá, conto cá
Fortaleza,
10 de Novembro de 2001
LIVROS
Conto lá, conto cá
O lançamento local do
livro Geração 90 - Manuscritos de Computador, antologia composta
por 17 contistas brasileiros, acontece hoje, a partir de 17h30min, no Alpendre
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Pedro
Salgueiro, contista: "É o gênero que escolhe a gente" (Foto: Dário
Gabriel 24/09/98) |
[10 01h 13min]
''Esta não é a antologia dos melhores contos da década de 90, mas dos
melhores contistas surgidos na década de 90'', vai avisando o escritor e
organizador do livro Geração 90 - Manuscritos de Computador (Boitempo
Editorial, São Paulo, 2001), Nelson de Oliveira. A peneira já rendeu polêmica
na imprensa. Pudera. Do time de mais de 50 contistas que estrearam nos anos 90,
contribuindo para a vitalidade do gênero no Brasil, apenas 17 foram
selecionados e tiveram fragmentos de suas produções publicadas. ''Tanto na
prosa quanto na poesia, prefiro os livros que apresentam alguma pesquisa com a
linguagem, que brincam com a semântica e a sintaxe, que evitam a todo custo
cair no conservadorismo canhestro. Gosto mesmo é da invenção. Mas não das
invencionices sem-pé-nem-cabeça!', adiantou Nelson, dando conta de critérios
subjetivos que lhe renderam críticas mas não chegaram a estremecer o valor da
obra.
Desafio tomado para si. ''Creio que o fato de eu ser contista, e
de também ter estreado na década de 90, me fez ir atrás da minha família
literária. Sempre me perguntava: que cara têm os escritores da minha geração?
É possível falar numa Geração 90, da mesma maneira como se fala na famosa
Geração 70, de Rubem Fonseca, Lygia Fagundes Telles e Sérgio Sant'anna? Isso
me fez vasculhar sebos, bibliotecas e livrarias, à procura de coletâneas de
contos lançadas na década de 90. Eu precisava descobrir, custasse o que
custasse, quais eram as características da prosa curta brasileira do final do
milênio'', observou Nelson. E se os contistas contemporâneos não se aproximam
de seus mestres antecessores em termos de popularidade e reconhecimento,
comemore-se a flagrante diversidade de linguagens e formas mapeadas de norte a
sul do País.
''Teve um resenhista que escreveu que a Geração 90 foi a geração sem
ruptura. Ora, e foi mesmo! E vejo isso como algo muito positivo. Está na hora
das pessoas perceberem que o tempo das vanguardas, dos manifestos estéticos,
dos dogmas e de tudo o mais já vai longe. Os contistas da Geração 90 dão
continuidade à melhor prosa feita na década de 70. Hoje, é mais importante
você depurar o que de melhor já foi feito, literariamente falando, do que
ficar lançando modismos a cada seis meses'', opinou Nelson. Entre nomes
depurados e já incensados pela crítica, vide Marçal Aquino, Fernando Bonassi
e Cadão Volpato, dois cearenses: Jorge Pieiro e Pedro Salgueiro. Durante o lançamento
local do livro, hoje, a partir de 17h30min, no Alpendre, os dois prometem falar
sobre suas produções, na esteira de mais uma edição de Uma Conversa: Poesia.
''Soube da existência do Jorge Pieiro ao ler um resenha do Manoel Ricardo de
Lima, publicada no caderno Vida & Arte, em 1999. O texto tratava de dois
livros lançados nessa época: o Caos Portátil, do Jorge, e o meu
Treze. Fiquei curioso em conhecer esse trabalho cujo título, Caos
Portátil, tinha um quê de irônico e apocalíptico. Escrevi ao Manoel,
pedindo o endereço do Jorge. Desde então nos correspondemos regularmente. Já
a ficção do Pedro Salgueiro eu só fui conhecer meses antes do lançamento da
antologia. Gostei muito do despojamento narrativo dos contos do livro Brincar
com Armas. Seu realismo mágico é feito de frases curtas, de gestos rápidos,
e isso me agrada'', credenciou Nelson.
SERVIÇO
Uma Conversa: Poesia - Lançamento do livro Geração 90 -
Manuscritos de Computador (Boitempo Editorial, São Paulo, 2001, 264 páginas,
preço médio: R$ 26,00), seguido de debate aberto ao público. Hoje, às
17h30min, no Alpendre (rua José Avelino, 495 - Praia de Iracema). Mais informações:
219.3032.
Quem é quem
Nelson de Oliveira nasceu em Guaíra (SP) e é diretor de arte.
Publicou Fábulas (contos, 1995); Os saltitantes seres da
lua (contos, 1997); Quem é quem nesse vaivém (novela
infantil, 1998), Naquela época tínhamos um gato (contos, 1998), Treze
(contos, 1999), Subsolo infinito (romance, 2000), Às
moscas, armas! (contos, 2000), O leão que achava que era domador (conto
infantil, 2001), O sumiço das palavras (novela infantil, 2001) e O
Filho do Crucificado (contos, 2001). Participou da antologia Dois
zero zero zero, da Komedi (2000). Entre os prêmios, destaque para o
Casa de las Américas (1995).
Pedro Salgueiro nasceu em Tamboril (CE), é professor e funcionário
público federal. Autor de O Peso do Morto (Contos, Editora
Giordano, 1997); O Espantalho (Contos, Coleção Alagadiço Novo -
Edições UFC, 1996) e Brincar com Armas (Contos, Topbooks, 2000).
Por este último, levou o prêmio da Biblioteca Nacional (bolsa para obra em
curso, voltada a escritores iniciantes), em 1997. Também venceu o Concurso
Guimarães Rosa de Literatura, na França, promovido pela Rádio France
Internationale, que adquiriu os direitos virtuais da obra, lançada no site
00h00.com/portugues.
Jorge Pieiro naceu em Limoeiro do Norte (CE), é diretor da Letra
& Música Comunicação e professor de Literatura. Autor de Ofícios
de Desdita (novela, 1987); Fragmentos de Panaplo (contos,
1989); O Tange/dor (poemas, 1991); Galeria de Murmúrios (ensaio,
1995); Neverness (poemas, 1996) e Caos Portátil (contos,
Letra & Música, 1999). Este último pôs uma pulga atrás da orelha do crítico
Wilson Martins, que ficou em dúvida sobre como classificá-lo: ''surrealismo
extemporâneo'' ou ''a escritura do século 21''. ''Surtiu o efeito que eu
queria'', comemorou Pieiro, avesso a categorizações.
Provocações entre pares
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Jorge Pieiro diz escrever contemas, algo entre conto e poemas (Foto: Fábio Lima)
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[10 01h 13min]
Toma lá, dá cá. Os escritores Jorge Pieiro e Pedro Salgueiro, presentes na antologia Geração 90 - Manuscritos de Computador, toparam entrevistar-se mutuamente. O Vida & Arte propôs a conversa virtual: cada um faria três perguntas ao outro, centrando foco em inquietações do momento, fossem elas 'literárias' ou não. Sem confetes. No papo rápido, a veia crítica, cortante, irônica. De ambos.
De Pedro para Jorge
Pedro Salgueiro - Jorge, cê que é chegado a um conto surrealista, me esclareça: o que um dos Estados com um dos maiores índices de miséria do país como o nosso quer lançando dois candidatos a Presidência da República? Fazer ficção surrealista ou é piada mesmo?
Jorge Pieiro - Com certeza, não é por mania de grandeza nem por molecagem, que seria muito típica por aqui. Poderia, numa melhor hipótese, ser uma tentativa de elevação da auto-estima, uma vez que a humildade cearense é secular e faz um mal danado. Vai ver que são indícios da tal globalização e do neoliberalismo se reproduzindo... Ou seria mais uma daquelas estratégias da acrobacia política, em que o acrobata nunca pede desculpas antes de cair? Qualquer das sugestões invalida uma comparação com o surrealismo, que é algo muito mais sublime. Se eu estiver enganado, desistirei de manuscrever no computador qualquer tipo de conto, principalmente os enquadrados como surrealistas. Afinal, não se deve misturar sonho e utopia com realismo de baixo calão.
PS - Por que os escritores de nossa terrinha brigam tanto entre si? Se não há leitores, muito menos editores, e nem se come mais ninguém com um bom poema?
JP - Brigam, é? Na verdade, nunca presenciei uma briga. Imagino que eles gostam é de festa, de movimento. Se isso é verdade, pode ser que seja devido à síndrome da ibijara - a velha cobra de duas cabeças -, questão levantada pelo poeta e crítico Floriano Martins, faz tempo, falando da inveja provinciana dos nossos artistas. Quanto à falta de leitores, não concordo com a afirmativa. Eles existem. O diabo é que os nossos livrinhos nunca chegam às listas dos mais vendidos ou porque não são mesmo interessantes... para eles. Quanto a um bom poema, ele acaba atrapalhando mesmo. O papel dele é outro. Não me pergunte qual.
PS - O que nossa Cidade, nosso Estado teriam para oferecer aos muitos navegantes que adentram esta taba de Alencar além do turismo dos três
''pês'': praia, piada de mau gosto e prostituição?
JP - Pensamentos imperfeitos com vastas emoções. Quem quiser que descubra por si mesmo. Esses navegantes são, afinal, sempre pirateados... Para mim, de
pê, apenas um refúgio: panaplo, com minúscula, mesmo. Mas ninguém consegue chegar por ali...
De Jorge para Pedro
Jorge Pieiro - Os seus primeiros livros O peso do morto e O Espantalho apresentam contos que, em sua maioria, seguem a tradição do gênero. Alguns até caminham pela senda traçada por Moreira Campos. Isso lhe garantiu alguns prêmios literários. No entanto, você já me confidenciou que se diz cansado de escrever o que chamou, por analogia com a poesia, esses ''sonetos parnasianos'', para tentar uma nova formulação que seria, digamos, menos palatável aos juízes de concursos literários. Então, que caminho deverá ser seguido?
Pedro Salgueiro - É bom que estejamos sempre insatisfeitos com o que fazemos, acho que crescemos com isto. Apenas não tento forçar a barra com malabarismos estéticos, pirotecnias verbais. Acho que já chega de literatura vazia escrita com espalhafato. Procurarei sempre escrever legível, pois escrevo para seres humanos normais, sobre seres humanos comuns... também acho que o conteúdo é que deve ser inteligente, desconcertante... e não apenas a casca das palavras, somente para se mostrar profundo o que na maioria é apenas artifício,
ludibriação. Nossa geração tenta (não sei se de forma consciente) obstruir estes malabarismos, não sei se conseguirá. Também: nem meus contos se tornarão piores por terem ganhado muitos prêmios literários nem os seus se tornarão melhores por nunca os terem ganhado, a qualidade literária de um texto não é medida por estes míseros parâmetros, ainda bem, acho.
JP - A antologia Geração 90 - manuscritos de computador é uma miscelânea de estilos. Você diria que seus contos estão em boa companhia?
PS - Meus pobres contos estão sim em boas companhias, chega a ser engraçado meus pequenos mundinhos de cidade do interior, de subúrbios distantes ali ao lado de tanta coisa boa, fico feliz mas sem nenhuma vaidade mesquinha. Muitos dos autores dali eu já conhecia de antes; sou leitor de todos eles... mas também ficaria feliz se no lugar dos meus trabalhos estivessem contos de tantos outros autores daqui que admiro e que não estão lá, como Tercia Montenegro, Napoleão de Sousa Jr, Astolfo Lima
Sandy, Dimas Carvalho e outros, apenas para falar nos daqui e de minha geração.
JP - O que você acha dos seus contos?
PS - Não sou daqueles que coloca nos céus suas próprias coisas: diria apenas que são contos sinceros, escritos com muita dedicação, porém com muito sofrimento, insatisfação... quando os escrevo procuro ser o mais autêntico possível, sem máscaras nem subterfúgios. Mas sei de muitos que só escrevem por vaidade, para buscar aplausos... estes continuam sendo aquelas criancinhas precoces que ficam recitando versos na sala de estar para as visitas, e que depois olham para o pai orgulhoso esperando aplausos (como bem dizia Raduan
Nassar).
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