Cármen Rocha
Réquiem de ópera
O meu drama crescia rapidamente. Não
mais esperanças de sentir a amada, os seus afagos, os seus beijos,
nem rever os amigos, nada mais possuir ou esperar. Tristeza...
Desalento....
Paralelo às minhas dores verdadeiras,
o meu estado agora quase onírico causava espanto à empregada de
muitos anos, que ajoelhada ao lado do meu leito se esforçava por
entender-me, pois eu não tinha mais forças ou cor.
Dor muito tempo e o tempo se
esgotando. Aquela pobre criatura continuava com a xícara de café
negro na mão, que iria me oferecer talvez como conforto ou adeus.
Aquela mão estendida estava trêmula...
A melodia... Tudo foi parando. O seu
espanto... As dores... A consciência das dores... A morte teria que
esperar. As grandes aflições iriam aquietar-se? O tempo... Estaria
eu pronto? A voz da grande cantora foi chegando, chegando até mim.
Intensificada, invadia-me como uma estranha resposta aos solitários
e feridos. O violino, em diapasão, solava melodiosamente e evocava o
desespero daquela mãe-guardiã. Seu som dilacerante penetrava a alma,
e esta vibrava no mesmo tom, o do sofrimento, mas tão entranhado,
tão visceral... Eu o sentia... A voz cantava e contava a tragédia do
fogo que atingia o casarão antigo e destruía tudo, todos os
sentimentos da mulher, de maternidade e de amor, seus filhos..., sua
terra, superando os meus problemas (e a minha própria morte que se
avizinhava), pensamentos em chamas e o crepitar do fogo que me
enlouqueciam e como um sentimento quase imoral, dilaceravam meu
espírito alquebrado pela doença insidiosa.
O som pungente daquele canto imbricava
o ar, assim como tudo o mais, e mostrava como ela, aquela mãe
atormentada morrera na tentativa vã de salvar alguma coisa, pois
seus filhos ali tinham nascido, era sua própria vida passada que
tentava salvar e pela qual dava a sua. Eu sentia a minha própria
solidão, a distância da inocente amada, muito amada, que tudo
desconhecia, confundida com a aquela canção pungente. Só,
absolutamente só, nada deixava para trás... agora totalmente
desvinculado. As lágrimas, simples sinais, teimavam em descer pela
minha face magra e eu embalado pela melodia fundia-me em êxtase...
Tomado por essa voz tão intensa,
senti-me rodopiando, fora da cama e das agulhas que perfuravam meu
corpo e espírito. Feridas abertas em meu ser. Morrer ou viver? O que
importava? O drama da vida desaparece e só clama o momento, o
instante afinado com o som magnífico de Callas. Um inebriante estado
de alma, abrangente e único, além dos sentidos. Eu comecei a bailar
acompanhando o ritmo, sem medo ou dor, purificado... volteando... O
meu espírito, agora enleado, envolvido por aquela melodia
inebriante. A epifania...
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