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Cláudio Aguiar

 

Lêdo Ivo - "A Poesia tornou-se uma aventura secreta"
 


Entrevista exclusiva a Cláudio Aguiar para O Pão n. 28,

Fortaleza, Ce, março de 1996.

 

 

Lêdo Ivo nasceu em Maceió, Alagoas, em 1924 e vive no Rio de Janeiro desde 1943. Entre a estréia com Imaginações (1944) e o último livro publicado - Curral de peixes (1994) apareceram mais de duas dezenas de obras. De poesia destacam-se: Ode e elegia, Acontecimento do soneto, Ode ao crepúsculo, Cântico, Linguagem, Um brasileiro em Paris, Magias, Estação central, Finisterra, O soldado raso, A noite misteriosa.

É autor dos romances As alianças, O caminho sem aventura, O sobrinho do general e Ninho de cobras. Publicou os ensaios O universo poético de Raul Pompéia, Poesia observada, Ladrão de flor, Teoria e celebração e Ética da aventura. Escreveu crônicas reunidas em A cidade e os dias e a autobiografia Confissões de um poeta. Também traduziu Uma temporada no inferno e Iluminações, de Rimbaud.
 



Cláudio Aguiar (CA) - Como se manifestaram a poesia e a prosa nas origens do seu despertar par a literatura?

Lêdo Ivo (LI) - Desde os primeiros tempos de minha infância em Maceió, que eu queria ser escritor, embora eu fosse originário de uma família em que não havia tradição literária. Meu pai era pernambucano e após a famosa hecatombe de Garanhuns, na qual mataram o meu tio Sátiro Ivo, além do pai de Luís Jardim e muitos outros, ele viveu no Recife e, por fim radicou-se em Maceió, onde se casou com uma alagoana, quando nasci meio pernambucano e meio alagoano. Mais tarde fui para o Recife, onde estudei dois anos no Colégio Carneiro Leão, quando conheci Willy Lewin e um grupo de poetas. Como desde a infância eu queria ser escritor, as minhas primeiras manifestações literárias ocorreram na área da prosa, porque o meu sonho era ser um contista. Naquela época, a de 30, houve um verdadeiro esplendor do conto brasileiro com Ribeiro Couto, Telmo Vergara, Monteiro Lobato, Luís Jardim, etc. Todo mundo no Brasil queria ser contista. O Breno Acioly, um amigo meu, um dia, proibiu-me de escrever contos. Então, passei a escrever poemas. Com o tempo cheguei a uma linguagem de poetas que são prosadores. Aliás, isso foi muito freqüente nas grandes literaturas, como se deu com a tradição da francesa com Victor Hugo, Gautier, Valéry, Apollinaire e outros poetas importantes que também foram prosadores. T. S. Eliot foi um caso especial de prosador e de grande poeta. Assim, não há nenhuma colisão ou litígio. Você pode ser prosador e poeta. Esse foi o meu caso.
 

 

CA - Quais as primeiras marcas ou influências notadas sobre sua obra?

LI - Reconheço que a minha obra está definitivamente marcada pela condição de alagoano de Maceió, uma cidade peninsular, onde as águas se misturam com a terra, fixando um emblema marítimo, oceânico, insular, visível. Isso ocorreu porque uma obra é fruto de uma experiência pessoal transformada em linguagem, embora o termo pessoal seja um tanto restrito ao não abranger a visão biográfica ou da experiência da imaginação. No fundo, o único compromisso a que você, como escritor, deve ser fiel é à verdade de sua imaginação. E também às experiências das leituras. Eu, graças a Deus, tive uma formação humanística muito boa. O meu pai só acreditava num tipo de revolução: a da educação. Por isso, ele procurou dar aos seus filhos - que eram 13 - uma educação aprimorada. Eu mesmo estudei em bons colégios, aprendi latim, inglês, francês, numa época muito juvenil, o que me permitiu ter um lastro cultural amplo.
 

 

CA - Que vínculo há entre o seu nome familiar Ivo com o famoso Pedro Ivo , mártir e herói pernambucano da Revolução Praieira de 1848?

LI - Muitas pessoas têm feito alusão a essa circunstância. Tive um professor chamado Jorge Cahú, que invocava para mim esse vínculo genealógico. A minha família sempre se referiu ao nome de Pedro Ivo, sobretudo porque o meu pai era pernambucano, natural da mesma região onde nasceu o famoso revolucionário. Assim, ao que tudo indica, devo ser descendente de Pedro Ivo. O curioso é que ele foi cantado por dois poetas românticos - Álvares de Azevedo e Castro Alves . Por outro lado, a família Ivo está muito disseminada pelo Nordeste do Brasil. Em Portugal ela também é muito grande, inclusive com vários escritores com o sobrenome Ivo que se dizem meus parentes. O catálogo telefônico de Lisboa tem mais de uma folha só com os Ivo. Quer dizer, tem mais Ivo em Portugal do que no Brasil. Talvez isso explique uma certa tendência de aparecer na minha obra o uso de arcaísmos portugueses.
 

 

CA - Qual a importância de sua passagem como estudante pelo Recife?

LI - Foi ainda no tempo de minha juventude. No Recife convivi com Willy Lewin, um dos mais proveitosos encontros, porque ele me abriu as portas de sua biblioteca, o que significou um extraordinário horizonte. Eu tinha 16 anos por essa época e li Claudel, Valéry, Rimbaud, Lawrence e outros. Até Kafka o Lewin conhecia, antes mesmo que esse escritor fosse conhecido no Rio de Janeiro. De modo que eu tive uma formação cultural muito importante, o que me leva a pensar que a formação poética é mais um efeito da cultura do que só da sensibilidade. Só a cultura literária permite a expressão daquilo que o escritor gostaria de dizer. Daí que não levo em boa conta as pessoas que privilegiam apenas a instintividade ou até a ignorância. Eu acho que é da tradição da literatura ocidental reconhecer os poetas como pessoas cultas.
 

 

CA - Certa feita verifiquei que o seu nome, já por volta de 1946, constava no expediente da revista O Cruzeiro, ao lado dos mais expressivos escritores e jornalistas de então. Como se deu esse giro em direção ao Rio de Janeiro?

LI - Como já disse o meu pai deu a cada filho uma boa educação e tentava destinar para eles uma certa profissão. Como eu queria ser escritor e ele regia a essa minha decisão, terminei vindo para o Rio de Janeiro fazer o vestibular para o ingresso na Faculdade Nacional de Direito. Aqui fiz todo o curso, mas a verdade é que nunca exerci a carreira de advogado. Abracei o jornalismo e trabalhei em todos os jornais e revistas do Rio, enquanto ao mesmo tempo desenvolvia a atividade de escritor.
 

 

CA - Por aquela época, meados da década de 1940, o seu convívio literário já denunciava a consolidação de amizade com aqueles poetas que formariam mais tarde a chamada Geração de 45?

LI - Quando eu cheguei aqui no Rio em 1943, muitos escritores já me conheciam devido à convivência no Recife com Willy Lewin e seus amigos. Por isso eu fui muito bem recebido por poetas como Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Murilo Mendes, Graciliano Ramos (com quem convivi alguns anos até intimamente, pois almoçava com ele quase todas as semanas), José Lins do Rego, Schmidt e outros. De modo que tive a sorte que muitos escritores jovens de hoje não têm de verem abertas as portas de grandes escritores. Isso facilitou muito a minha trajetória. Basta dizer que ao aparecer o meu primeiro livro As imaginações, Álvaro Lins escreveu um artigo consagrador, o que abriu outras importantes portas para mim, inclusive a de Antonio Cândido. Naquela época havia um sistema crítico literário formado por nomes como os de Sérgio Buarque de Holanda, o próprio Cândido, Álvaro Lins, Sérgio Milliet, Wilson Martins, etc. A notoriedade do poeta dependia do juízo crítico. Hoje não há crítica, o que constitui uma anomalia da literatura brasileira. O jovem poeta, portanto, fica numa situação difícil, porque, se de um lado não há crítica, por outro surge o esquema da televisão no qual só aparece quem é famoso. Se você não é famoso não aparece na televisão. Como nunca aparece, então, nunca se torna famoso. Há um paradoxo criado pelo ritmo da sociedade eletrônica. Naquela época a crítica abria portas, havia uma efervescência entre escritores e leitores, um grande interesse pela literatura. O ano de 1945 foi o fim da guerra, a queda da ditadura de Vargas, a morte de Mário de Andrade, havia uma aspiração de reconstrução da vida no mundo inteiro. Isso permitiu que fosse surgindo uma nova geração literária. Agora, é importante salientar que a Geração de 45 apenas representa uma referência de natureza cronológica. Nunca foi um movimento, como por exemplo o romantismo, o parnasianismo, o simbolismo, o modernismo. Sempre há uma enorme confusão em torno disso. Não houve nenhum programa estético que se adaptasse ao rótulo da Geração de 45. Os poetas assemelhavam-se todos no tocante a uma poesia voltada para a construção, a forma, a composição. Isso se deu com quase todos os poetas. Os caminhos seguidos, porém, foram diferentes. O Sérgio Buarque de Holanda, certa vez, falando sobre a Geração de 45 disse que ela era uma geração em que abundavam poetas de nomes compridos mas de versos curtos, como João Cabral de Melo Neto, Péricles Eugênio da Silva Ramos, José Paulo Moreira da Fonseca, Afonso Félix de Souza, Fernando Ferreira de Loanda, Paulo Mendes Campos, etc. e, singularmente, havia um poeta de nome curto chamado Ledo Ivo que escrevia versos longos. Essa, portanto, era a curiosa diferença que eu apresentava em relação a meus companheiros. E é verdade. Eu privilegiei muito o ritmo do verso longo, sobretudo nos meus primeiros livros. Os caminhos dessa geração foram diferentes, ainda que grande parte dela tenha soçobrado, como acontece com toda geração. A importância de uma geração não está na unidade mas na diversidade. Quer dizer, cada aventura poética deve ser algo singular. Isso é o que enriquece uma literatura. O fenômeno geracional tem mais a função de desunir os poetas do que de uni-los.
 

 

CA - Na qualidade de um dos mais expressivos nomes da Geração de 45, como você veria a tentativa de relacionar o parnasianismo como a mais significativa corrente desse grupo de poetas?

LI - Vários escritores, alguns verdadeiros débeis mentais, fazem uma espécie de vínculo entre a Geração de 45 e o parnasianismo. Isso é uma imbecilidade. Inclusive, nós, poetas, não tínhamos o menor interesse pelo parnasianismo. Eu até uma vez fiz uma brincadeira, dizendo que o maior poeta de minha geração seria aquele que fizesse uma romaria ao túmulo de Olavo Bilac e jogasse pedras na vidraça de Drummond. Isso, na verdade, era uma metáfora, mas alguns cretinos pensaram que eu estava me exprimindo num plano real. O que eu queria dizer era que havia necessidade de reação por parte dos novos, porque eu acredito muito nas gerações parricidas. O que caracteriza uma geração é exatamente a capacidade que ela tem de recusar o passado recente e voltar-se para o passado antigo. Talvez a minha geração tenha se interessado mais pelo romantismo do que pelo modernismo. Aliás, esse foi o meu caso. Interesso-me muito mais pelo simbolismo do que pelo modernismo. A minha visão diante do modernismo de 1922 era uma visão muito crítica. Tanto que diante do romantismo há uma franja de admiração por poetas como Álvares de Azevedo, Castro Alves e outros, inclusive o simbolista Cruz e Souza. Eu não me considero um poeta modernista. Basta dizer que sou o primeiro poeta brasileiro a publicar um livro unicamente de sonetos após o movimento modernista, intitulado O acontecimento do soneto, editado por João Cabral de Melo Neto, em Barcelona. Isso, de certo modo, explica a minha posição face ao modernismo. Fiz um tipo de soneto lúdico que não tinha nada em comum com o soneto parnasiano, simbolista ou modernista. Daí que houve críticos que saudaram esse meu livro como uma possível nova forma de compor o soneto. Agora, por outro lado, eu me considero um poeta moderno, contemporâneo, porque jamais me imaginaria um poeta de outra época, de outro país.
 

 

CA - E o que significa ser moderno?

LI - O problema do modernismo é hoje um tema complicado, porque vivemos numa época em que morreram todos os ismos. Antigamente quando surgia um poeta a sua obra vinha atrelada a um movimento (o que sempre se poderia traduzir por algum ismo). Hoje a aventura do poeta jovem inscreve-se no âmbito do individual. Na minha opinião o jovem poeta de hoje é um herdeiro de tudo. Ele não é mais um criador de algo. De modo que toda a poesia do mundo até as décadas de 50-60, sobretudo a que se faz no Ocidente é, no fundo, uma exploração, uma reinvenção, uma releitura, uma recriação de todo o patrimônio poético que começou na Idade Média e chegou até ao futurismo, ao supra-realismo, ao creacionismo, além de outras formas ou tendências, como por exemplo o parnasianismo e o simbolismo. Assim, hoje já não prepondera nenhum ismo. O poeta., de certa forma, está desamparado, vive a época da poesia pessoal. O poeta voltou a ser uma figura ao mesmo tempo solitária e até desolada da sociedade. Hoje não temos o amparo das doutrinas estéticas, principalmente das radicais, que se tornaram coisas arqueológicas. Por isso, temos que buscar a nossa própria voz dentro de um repertório muito vasto.
 

 

CA - O Recife, ainda hoje, canta versos que se tornaram obrigatórios, antológicos, sobre a imagem da capital pernambucana tipicamente poética, terra por excelência de poetas. Castro Alves, Tobias Barreto, Augusto dos Anjos, Manuel Bandeira, João Cabral, Carlos Pena Filho, etc. exaltaram-na. Todavia, ela recebeu de sua pena um poema que talvez tenha tocado no lado feminino, já que os recifenses referem-se a sua cidade no masculino - O Recife-. Como surgiu, naqueles idos de convivência pernambucana, aqueles versos que dizem: "Amar a mulheres, várias; a cidade, uma - Recife"?
 

LI - (Rindo) Isso me deixa encabulado, mas vou contar essa história. Eu escrevi esse poema (que só figura numa antologia poética do Recife organizada por Edilberto Coutinho, logo, não consta de minha obra), em 1940. Foi a minha descoberta do Recife. Inicialmente ele circulou em cópias, de mão em mão. Em 1947, se não me equivoco, Mauro Mota trouxe esse poema para o Rio de janeiro e pediu-me autorização para publicá-lo. Além de permitir a publicação dediquei o poema ao próprio Mauro. Apesar disso, o poema continuou fora de minha obra por uma razão muito simples: por ser eu um poeta alagoano de Maceió, não posso dizer que o Recife é a única cidade que deve ser amada acima de todas as outras... (risos).


CA - Vão lhe chamar de traidor... (risos).
 

LI - É. Eu suspeito que os alagoanos iriam ficar indignados. Por isso, até agora, decidi não incluí-lo em minha obra poética. O poema vive assim como se fosse uma bailarina solta no ar. É como aquele soneto do Raul de Leoni que diz assim: "Nascemos um para o outro dessa argila/ de que são feitas criaturas raras,/ sem legendas paganas, carnes claras..." Ele, coitado, nunca o publicou porque a sua mulher não deixava, alegando que o soneto não fora escrito para ela. De modo que o meu caso com o Recife, um poema que escrevi aos 20 anos de idade, que circulou e ainda circula, está me levando ao mesmo vexame. Uma vez eu fui almoçar no Restaurante Leite, no Recife, com o meu amigo Esmaragdo Marroquim, creio que na década de 1950, então, vi, com surpresa, que os meus versos sobre o Recife figuravam no cardápio do famoso restaurante.
 

 

CA - Gostaria de saber a sua opinião sobre a nova geração de poetas brasileiros, o que eqüivale a perguntar pelo próprio destino da poesia brasileira em face dos novos talentos que surgiram e afirmaram-se nas últimas décadas?
 

LI - É importante que surjam novos poetas. A poesia é um legado e as pessoas mais interessadas em que apareçam novos poetas não são os novos poetas mas precisamente os poetas maduros. Eu vejo com alegria o nome de um jovem poeta que se consolida cada vez mais - Ivan Junqueira - depois de grande maturação. É também importante que surjam novos poetas, no maior número possível, nos demais Estados, já que o Brasil é um país de dimensões continentais. Agora, como eu já lhe disse que não há mais ismos , torna-se imperioso que os poetas mais jovens tenham voz pessoal, singular, marcando suas diferenças. Há, no entanto, um grande problema que eu vejo para os jovens poetas: o péssimo sistema de nossa educação. Isso afeta de maneira negativa a formação da literatura brasileira. No meu tempo de juventude, estudava-se latim, francês, inglês, italiano, alemão, quase todas fazendo parte do currículo escolar. Elas auxiliavam de maneira decisiva a visão de conjunto da cultura ocidental, porque através delas tínhamos acesso a grandes escritores de outras literaturas. Hoje, infelizmente, o nosso sistema educacional é incapaz de nos legar essa possibilidade de aprendizado cultural. Você veja um poeta como Castro Alves que, ainda jovem, conhecia quase toda a poesia ocidental - Hugo, Lamartine, Musset, etc. Essa deficiência da educação brasileira está afetando o jovem poeta. Quando ele chega num certo umbral da poesia, não dispõe de conhecimentos sólidos das obras fundamentais. Às vezes, alguns, não têm conhecimento de retórica, não sabem o que é rima ou metrificação. Desconhecem até as figuras de linguagem essenciais da poesia. Essa carência prejudica o desenvolvimento do poeta. No entanto, como eu não estou aqui para dar lições para ninguém, acho que cada poeta deve viver a sua aventura.
 

 

CA - Qual o conselho que você daria ao poeta jovem?
 

LI - Se eu tivesse de dar algum conselho, diria que cada vez mais o jovem poeta ou escritor deve procurar aprimorar os seus conhecimentos a fim de que se torne um homem culto. Não há um dom natural que possa responder por tudo. A cultura ainda é o melhor meio para que o dom natural se consolide. O poeta é uma criatura nascida e feita, como dizem os ingleses - born and made. Você se faz ou se torna um poeta através da cultura, do estudo, de aprendizagem, da experimentação, da fidelidade à obra. Parece que foi T. S. Eliot que disse que o poeta após os 40 anos deve dar importância ao trabalho criativo, porque há três tipos de criadores: os que se calam porque não há mais nada a dizer; os que se repetem; e, por fim, os que recomeçam buscando um novo caminho. No caso do jovem poeta noto que ainda há uma dificuldade adicional. O Brasil, hoje, vive a grande anomalia de sua história literária - a falta de um sistema crítico. Então, vamos dizer que eu hoje tivesse 20 anos e publicasse um livro de poesia. Eu pergunto: quem iria me reconhecer? Não existe ninguém que seja um crítico qualificado para reconhecer na imprensa o aparecimento de um jovem poeta. Além do mais, ele vive num mundo diferente, no qual prepondera a civilização eletrônica. O reconhecimento, a notoriedade, a celebridade, dependem de critérios que estão voltados aos interesses da mídia da televisão. Hoje, no Brasil, desapareceram os suplementos literários. Os poucos espaços estão destinados apenas a livros estrangeiros considerados best-sellers. A poesia tornou-se uma aventura secreta. A própria literatura brasileira pode ser considerada da mesma forma. O escritor só figura ou adquire notoriedade eletrônica por motivos extra-literários, quando, por exemplo, torna-se um escândalo. Foi o caso do poeta Mário Quintana que, ao ser derrotado várias vezes para a Academia, a televisão, então, o escolheu como uma espécie de mártir literário, de náufrago. Assim, é preciso que, aos olhos da civilização eletrônica, você se transforme num náufrago, num vencido, num derrotado para adquirir notoriedade. Veja também o caso de Drummond. Em vez de exaltarem a sua poesia, exploraram as aventuras extra-conjugais e então ele foi mostrado à posteridade como um adúltero. A civilização eletrônica só fala de um poeta quando ele perde uma perna, fica cego ou morre provocando uma lastimável comiseração pública. Se você não chegar a esse estado de comiseração a mídia eletrônica de nossa civilização não mostra o seu valor poético.

 

 

Ledo Ivo

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Rodrigo Garcia Lopes