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Cleberton Santos





A poesia retorcida de João de Moraes Filho


 


João de Moraes Filho não só é capaz
de perceber o fenômeno poético como
o sente em si com profundidade.
(Ruy Espinheira Filho)


 

Pedra Retorcida (Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado, 2004) é o livro de estréia de João de Moraes Filho (Cachoeira, 1977), um dos vencedores do Prêmio Braskem de Literatura 2004. O prêmio em sua 9ª edição representa um dos mais importantes veículos de descoberta e divulgação de novos autores da literatura baiana e já revelou nomes como Narlan Matos, Sandro Ornellas, Adelice Souza, Fabrícia Miranda, Tom Correia L. e este ano Vanessa Buffone. Promovido pela Fundação Casa de Jorge Amado, esta premiação literária desempenha relevante papel na vida cultural do estado da Bahia.

Pedra Retorcida, reunião de 35 poemas líricos divididos em cinco partes intituladas “Passeio interior”, “Concerto marginal para meninices”, “Pedra Retorcida”, “Pequeno espelho de bolso” e “Invernia das flores”, tem apresentação de Ruy Espinheira Filho e ilustrações do artista plástico Alexandre Gusmão. Este livro traz a força de um jovem poeta que procura incansavelmente pela voz silenciosa da poesia no mistério das coisas simples. Em alguns dos seus melhores textos, João de Moraes Filho faz uso das experiências de ávido leitor, das memórias infantis e das vivências culturais no recôncavo baiano para realizar uma poética de autêntico e pungente lirismo.

Através de um jogo intertextual com outros escritores, nosso poeta exercita sua capacidade de reler e recriar a poiesis na esteira da tradição literária brasileira. No poema "Convergência de um murilograma cachoeirano" (p. 21), o sujeito lírico estabelece sua comunicação surreal até mesmo com o não-lido:

Os livros que não li
costuram infâncias cor de velas apagadas,
e esse poema me persegue
infantilmente pela Rua do Riacho Pagão.

Grifou-me apenas,
não o escrevi.
 

Já no poema-título "Pedra Retorcida" (p. 51), encontramos o símbolo da cidade-esfinge que nos espreita por trás das portas retorcidas, onde o outro nos decifra, enquanto se esconde:

Durante algum tempo,
hesitei abrir aquela porta.

O sentido de toda cidade
estava atado, como um nó,
lá dentro. Talvez fosse
o que jamais procurasse:
o sentido das coisas
explicadas por trás das portas.
 

A imagem da rua serve de fio condutor para suas reminiscências infantis. É o caso do poema "Passeio interior" (p. 19), título sugestivamente paradoxal, no qual o eu lírico propõe-nos um passeio metafísico pelas ruas do ser, realizando um movimento de deslocamento temporal-espacial que parte da cidade real, que circunda o poeta, com destino à cidade memória, forjada na imagem das ruas de outrora:

A noite em agosto
não é mais aquela estreita e quieta
das ruas desconfiadas daquela infância.
Não há janelas seminuas
nem boa morte de segredos adulterados.

 

Aquele silêncio que ressoa dentro do poeta, talvez alguma faísca infantil, transformou-se em plena linguagem estética que tenta “comunicar a experiência complexa que a vida lhe transmite”, como já disse o poeta Ferreira Gullar (Indagações de hoje. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989.).

Retorcendo todas as palavras, inclusive aquelas sujas pela poeira do cotidiano, João de Moraes Filho emaranha-nos em sua incandescente teia metafórica, altamente consciente de que:

Inevitavelmente,
alguma felicidade amanhece
numa claridade anil,
e algumas flores se desatam.


(“Guardado para uma flor-de-lis”, p. 85)


Cleberton dos Santos – poeta, crítico literário e mestrando em literatura na UEFS. clebertonpoeta@bol.com.br
25/08/2005
 




Leia a obra de João de Moraes Filho
 

 

 

 

29/08/2005