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Jornal do Conto

 

 

 Camilo Martins Neto
 


 


Todo cuidado é pouco
 

 

Outra da maria do nelo aconteceu quando ela trajando a blusa e saia inesquecível de volta – ao - mundo chegou ficou de cócoras no fundo da igreja evangélica, bem quietinha, até pra que ninguém a notasse alí, inclusive o marido, que muito crente, sempre frequentava os cultos e programas da igreja, mas claro uma figura daquelas não tinha como não reparar...

Minha prima dicosa ao ver alí a maria do nelo ficou surpresa, pois não era costume da maria ir á igreja, muito menos igreja dos crentes!

- Maria - perguntou a dicosa, o qui ocê faz aí, mermâ? ( mermã, é “minha irmã” abreviado caipiramente )
- Ah, eu tô aqui é cuidando do qui é meu.
- Mas, diquê ocê tá cuidando? - perguntou novamente a dicosa.
- Do meu marido, nelo, respondeu a maria.-ôlho – a ôlho.
- Mas, pro mode quê qui ocê tem qui cuidá dele si ele tá aqui na igreja quétin? – insistiu perguntando a dicosa.
- É qui essas crente num são gente, ó!
- Mas, maria – continuou a dicosa - a gente tem qui confiá nas pessoa, mermã.
- Mermã,a gente tem é qui cuidá, é qui si a gente nun cuidá do qui é da gente, o diabo vem e carrega!
 

Bom nessa altura todo mundo já estava ouvindo o diálogo, porque a maria do nelo não sabia falar baixo e o resultado foi um riso geral e todo mundo entendeu o recado: tem que cuidar mesmo do que é da gente, se não o diabo vem e carrega!

Pelo jeito a maria só era doida, mas bôba não. Êh, figura aquela maria do nelo, doida de jogar pedra na lua.


 




Brincadeira tem hora


 

O raimundo bigodão era daqueles amigos gente boa demais da conta, brincalhão, tinha uma unha comprida que quando pegava num era de doer, mas, o pior, o cabra tinha cócegas nas costelas, era tocar ali e ele já pulava longe, estava sempre com uma peixeira afiada na citura e dizia que era pra alguma emergência e nunca pra fazer algum mal a alguém, imagine!

Uma bela noite, nos festejos de nossa senhora de fátima, na cidade nova, encheu a cara, não era muito disso, mas, nessa noite abusou e foi brincar com um camarada moreno, baixinho, daquelas brincadeiras de mal gosto e nessa brincadeira acertou a boca do rapaz e machucou, saiu até sangue, dizem, e aí, o cabra bravo danado disse:

- Olha, raimundo, eu vou te matar, pode esperar!
- Tu neguim, tu é de nada, tu num mata ninguém...
 

E assim se passaram alguns dias e o dito cujo que tinha ameaçado, sem deixar passar a raiva, fez uma tocaia dentro do mato, próximo à estrada por onde o raimundo bigodão passava todos os dias tocando uns bois pra por num pasto ali perto, e com uma espingarda de ouvido, como é conhecida por lá, atirou no raimundo, tiro que acertou no peito por baixo do braço direito, quando ele levantou os braços pra tocar os bois e como estava com um dos filhos, um garoto de uns dez anos de idade só deu tempo gritar com o filho, antes de morrer:

- Corre neném, o neguin me matou!
 

O garoto correu e o neguin ainda tentou alcança-lo, certamente para matá-lo também, já que ele tinha presenciado o crime, mas não conseguiu, o garoto conseguiu chegar à casa do geová, onde pediu socorro e o neguin fugiu.

Isso foi uma tragédia e revoltou meio mundo, já que o raimundo bigodão era muito conhecido e querido na cidade, gostava de caçar, era negociante e lavrador, homem muito esforçado com toda a família.

Mas, foi infeliz nessa brincadeira, por isso é que se diz: brincadeira tem hora, e, claro, também tem as pessoas com quem você pode brincar. Eu me lembro muito bem, pois, o raimundo bigodão era meu amigo e eu cheguei a caçar no mato juntamente com ele. Gostava muito de contar causos, acontecidos ou não... Era uma figura aquele raimundo bigodão!