Cláudio Willer
cjwiller@uol.com.br
ANTOLOGIAS
[Artigo publicado na Revista Cult
março de 1999]
Podem antologias
poéticas polemizar umas com as outras? Sim; basta lembrar duas publicações
francesas do final do século passado. Uma, Le Parnasse Contemporain,
em três séries ou edições consecutivas, a partir
de 1866, publicava o melhor da poesia da época. Outra, Les Poétes
Maudits, em dois volumes preparados por Paul Verlaine em 1884 e 1888,
trouxe à luz, em seu primeiro volume, os então desconhecidos
Rimbaud e Corbière, e publicou Mallarmé, que, por sua vez,
tivera poemas recusados no Parnasse de 1876. Não que este
fosse integralmente tradicionalista: seus esteticistas e parnasianos já
haviam publicado Baudelaire e o então jovem Mallarmé em 1866.
Mas o episódio é ilustrativo. Mostra papéis e funções
distintas de antologias. Um deles, o mais tradicional, ao qual está
associada a expressão antológico, é reunir
aqueles tidos como os melhores de um período ou literatura. Inclui
seletas com finalidade didática. Os florilégios. Fazer parte
delas é um aval. O outro, mais recente, é a antologia como
expressão do novo, de movimentos ou tendências. Quando esses
se impõem, então a respectiva antologia se torna referencial,
a exemplo de Les Poétes Maudits. Se antologias descrevem
a história da literatura, essas a escrevem.
Nas duas modalidades
encontramos uma poética, valores que orientaram suas escolhas. Nas
antologias voltadas para o passado, é mais consensual. Mas não
existe antologia neutra, como bem assinala Nelson Ascher, em artigo mostrando
como persiste a polarização norte-americana entre o establishment
acadêmico e os que estão fora da universidade.(1) Comenta
a disjunção entre duas antologias recentes que cobririam
a poesia americana dos anos 50 até hoje. É tamanha que, com
trinta autores em cada uma, há apenas cinco em comum. A mais acadêmica
exclui pilares da modernidade como Pound e William Carlos Williams. É
como se ainda estivéssemos na década de 50, quando as históricas
antologias de Don Allen apresetaram a geração Beat, em um
confronto que prossegue, reproduzindo Parnasse vs. Maudits,
entre forma aberta e versificação quadrada, linguagem rebuscada
e língua falada, temática abstrata e vida.
Duas publicações
recentes, a reedição de 26 Poetas Hoje e Esses
poetas - Uma Antologia dos Anos 90, ambas preparadas por Heloisa Buarque
de Hollanda, reativam a discussão sobre antologias. Completam, por
enquanto, uma substanciosa lista de coletâneas publicadas ao longo
da década. Quais dessas seriam Parnasse? Quais, Poétes
Maudits? Figurando em algumas, evito a discussão do tipo "nossa"
antologia (real ou imaginária) vs. antologia "deles". Interessa
verificar que retratos traçam da poesia contemporânea, que
poéticas afirmam ou negam. Excluo, para não tomar a parte
pelo todo, antologias setoriais (negros, mulheres), temáticas (sonetos,
hai-kais, poemas eróticos), regionais (como a série publicada
pela Editora Imago, preparada por Assis Brasil), bem como a Anthologie
de la poésie brésilienne, que abrange tudo, desde Gregório
de Matos, e não só contemporâneos. Também evito
antologias-registro, das quais a mais importante é a Antologia
da Nova Poesia Brasileira de Olga Savary,(2) com 134 poetas nascidos
entre 1945 e 1969. Desses, a maioria continua a dar sinais de vida, avalizando
seus critérios. Seu inconveniente é, ao consignarem muitos
autores, darem pouco espaço a cada um. Deixam o leitor no ar. Cadernos
periódicos de poesia ou antologias em série, como o fazia
Walmyr Ayala nos anos 60, preenchiam melhor essa função.
O melhor exemplo
recente, no Brasil, de antologia prospectiva, expressão de uma tendência,
com essa função quase de combate, continua sendo, 22 anos
depois, 26 Poetas Hoje.(3) É incrível o quanto rendeu
discussões, na época, aquele pequeno volume, feita para iniciar
uma coleção de bolso que não teve seqüência,
de uma editora que logo abandonaria o Brasil. Fixou a idéia de um
movimento, a poesia marginal, ao anunciar, em seu prefácio, um
circuito paralelo de produção e distribuição
independente, caracterizado pelo abandono da expressão intelectualizada,
através da recuperação do coloquial numa determinada
dicção poética. Antagônica, pelo informalismo,
à poesia concreta e outras tendências, vinha para superá-las
ou sucedê-las, na opinião de Heloísa, conforme seu
ensaio Impressões de Viagem, publicado a seguir.
O ambiente
cultural da época, marcado pela resistência anti-autoritária
e uma expectativa de mudanças através da manifestação
do novo, contribuiu para sua repercussão. Na verdade, é uma
antologia eclética, que não se reduz a um movimento ou corrente.
Veiculou autores novos e outros até então insuficientemente
valorizados. Ao lado dos propriamente marginais, do grupo Nuvem Cigana,
como Chacal, há poetas ligados à Tropicália - Torquato
Neto, Capinam, Wally - ou irredutíveis a movimentos - Ana Cristina
César, Geraldo Carneiro e Afonso Henriques Neto - além de
autênticos precursores como Roberto Piva e Carlos Saldanha. Seu relançamento
mostra várias reputações literárias confirmadas,
e alguns que se eclipsaram.
Artes e
Ofícios da Poesia,(4) com 29 poetas, inaugurou a safra 90 de
antologias e, infelizmente, encerrou a atuação do organizador,
Augusto Massi, como editor de poesia, condição na qual fez
a coleção Claro Enigma. É plural e excêntrica.
Abrange quatro décadas, de José Paulo Paes a Alexei Bueno.
Massi teve a idéia - recomendável a qualquer antologia -
de pedir um depoimento a cada autor, dizendo a que vinha, falando de sua
criação.(5) Por isso, alguns capítulos dão
a impressão de querer saltar na garganta de outros. Em um deles,
Rodrigo Garcia Lopes incluiu em sua não-filiação,
não apenas os concretos, mas José Paulo Paes, a 90 páginas
de distância. Artes e Ofícios acaba, assim, mostrando
um conjunto de individualidades. Tenta dissolver a periodização
ortodoxa: geração de 45 - concretos e outros formalistas
- marginais dos anos 70. Na apresentação, declara-se contra
a plataforma de um grupo, os dogmas de uma poética, por um
espaço de confronto e afinidades. Sua heterogeneidade não
refletiria uma dificuldade em classificar e categorizar, nem uma crise
de identidade, mas sim, a incapacidade de catalogação e decodificação
da crítica. Pelo alcance de uma provocação dessas,
deveria ter sido mais discutida. Talvez por isso, não o tenha sido.
Alguém, preferencialmente o próprio Massi (que, afinal de
contas, é crítico), deveria ter traçado melhor os
contornos e dimensões desses espaços de confrontos e afinidades.
A seu favor, entre outros argumentos, autores então desconhecidos,
novidades em 91, estarem aí, reaparecendo em subsequentes antologias.
Portanto, acertou ao formar seu departamento de novos.
Há divergência
frontal de orientação entre Augusto Massi e o organizador
de Sincretismo - a poesia da geração 60.(6) Pedro
Lyra acredita na importância das topografias onde se distribuem poetas,
movimentos e tendências. Em um extenso ensaio, discute o conceito
de "geração" em poesia. Onde Massi havia sugerido a superação
de mapeamentos instituídos, Lyra propõe uma nova periodização,
identificando a geração 60 por dois critérios.
Um, a base cronológica. Outro, o anti-formalismo e não-coloquialismo;
em suas palavras, a tradição discursiva. Reuniu, com
acréscimos e exclusões, contemporâneos que não
apresentassem concretismo, tropicalismo ou marginalismo explícitos.
Realizou o mais ambicioso e arriscado dos empreendimentos aqui examinados,
com seus 45 autores, de Mário Faustino a Carlos Lima. Sofreu as
conseqüências do risco, sob forma de críticas por haver
dissociado, de modo inédito, a idéia de geração
daquela de movimento literário, retirando-lhe a organicidade, além
de estendê-la em demasia. Interessa, entre outros motivos, pelos
poetas ainda pouco divulgados e catalogados, avessos a movimentos e tendências:
Nauro Machado, Adão Ventura, Fernando Py, etc. Outra qualidade,
associada ao fato de havê-la apresentada como tese, é a precisão
da informação, através de indicações
bibliográficas com o principal da fortuna crítica de cada
autor, e bibliografia sobre antologias poéticas e gerações
na literatura brasileira. Agora, se o explosivo Adão Ventura e Mauro
Gama representam a retomada do discurso, então não sei o
que é anti-discursivo.
Nothing
that the sun could not explain,(7) bilingüe, publicada nos Estados
Unidos, também distribuída (com sucesso) no Brasil, é,
passadas duas décadas, o reverso especular de 26 Poetas Hoje,
mesmo partilhando autores. Na introdução, os organizadores
avisam que seus 20 poetas, de Torquato Neto em diante, não possuem
programa comum, e têm apresentado pouca inclinação
para a idéia de pertencer a um movimento ou escola. Mas restauram
a periodização fragmentada na antologia de Massi, pelo modo
como é enfatizada, nos prefácios e epígrafes, a contribuição
da poesia concreta, apontada como equivalente, na segunda metade do século,
ao que foi o modernismo na primeira. Mostra que a geração
marginal se tornou anacrônica; ou, ao menos, que ser ou não
ligado àquela geração não interessa mais como
critério de inclusão ou exclusão. A edição
bilingüe é uma de suas qualidades, um benefício para
os dois públicos leitores. Permite verificar a qualidade das traduções.
Inclui Age de Carvalho, figurante obrigatório em listas de poetas
menos citados e divulgados do que mereceriam. Mas, mesmo concordando com
Nelson Ascher (no artigo já citado) que não há antologias
corretas e toda antologia é uma "aposta", uma restrição
é inevitável: incluir dois estreantes em algo destinado a
retratar a poesia contemporânea brasileira, ou parte dela, no exterior,
põe sua representatividade em cheque. Teriam que aparecer, primeiro,
em algo equivalente à Antologia dos Novíssimos.(8)
A releitura de 26 Poetas Hoje é, sob esse aspecto, instrutiva:
entre seus então recém-nascidos, editorialmente falando,
estão os que saíram de cena.
Assimetria,
em maior grau, é uma característica de Outras Praias,
Other Shores,(9) bilingüe mas publicada aqui. Apresenta-se como
antologia de poetas "emergentes". Mas inclui alguns emersos, visíveis,
como Adriano Espínola, Antonio Cícero, Carlito Azevedo, ao
lado de inéditos em livro ou recém-lançados. É
como se juntasse as metades de duas antologias diferentes. Poderia ser
a manifestação de um grupo, possível movimento de
autores: o organizador, mais Rodrigo Garcia Lopes, Ademir Assunção
e outros, também associados a uma recente revista literária
de qualidade, Medusa. Ou um painel geracional, como o foi, em seu
tempo, 26 Poetas Hoje, e como o procurou ser, em sentido inverso,
Sincretismo. Mas não preenche a expectativa de vir a ser
uma correção ou resposta a Nothing that the sun could
not explain.(10) Seu prefaciador, Antonio Risério, depois de
observar que a antologia não traz as marcas de uma escola
e não é nitidamente geracional, aponta o amplo
espectro do fazer poético. Justifica-a pelo pluralismo
Antologias
de poesia brasileira traduzida ou publicadas no exterior, por motivos óbvios,
têm que ter clareza no traçado do seu contorno. Talvez Modernismo
Brasileiro und die Brasilianische Lyrik der Gegenwart(11) seja a mais
substanciosa do período. Não sendo bilingüe, sua pouca
repercussão aqui pode ser explicada pela falta de periodistas fluentes
em alemão. Merecia atenção, nem que fosse pela estatura
do organizador, Curt Meyer-Clason, cuja tradução de Grande
Sertão - Veredas é um case nessa modalidade, além
do restante do seu trabalho como estudioso e divulgador. Essa reunião
de 40 poetas, de João Cabral e Mário Faustino até
Adélia Prado (pela data de publicação) prossegue,
declaradamente, iniciativas de Carlos Nejar, autor, entre outras, de uma
antologia brasileira publicada em Portugal na década precedente.
Comparecem representantes do formalismo, mas não da poesia concreta,
apenas mencionada no prefácio, mesmo cabendo em sua periodização.
Isso sanciona, indiretamente, o concretismo como divisor de águas,
assim como o fazem, a seu modo, 26 Poetas Hoje e Sincretismo,
entre outras, ao escolherem poetas sem vínculos com essa tendência.
Têm saído,
também, revistas-antologia de poetas brasileiros no exterior. Uma
delas, a mexicana Blanco Móvil,(12) com uma seleção
preparada, em sua maior parte, pelo poeta Floriano Martins. Abrange 28
autores e cinco décadas, desde Dora Ferreira da Silva até
Fábio Weintraub. Complementa, de certo modo, a coletânea de
entrevistas e poesias de hispano-americanos, Escritura Conquistada,(13)
do mesmo autor. Onde, no livro de entrevistas, sinaliza que conhecemos
pouco a literatura hispano-americana, na revista, reciprocamente, dá
atenção a poetas momentaneamente fora do mainstream.
Entre os mais ausentes de outras antologias do que deviam estar, Hilda
Hilst e Roberto Piva. Há quatro autores que figuram em ambas, na
coletânea mexicana de brasileiros e na coletânea brasileira
de ibero-americanos: Donizete Galvão, Ivan Junqueira, Sérgio
Lima e Sérgio Campos. Um quarteto desses, de um surrealista catalogado
a um neoclássico, mostra pluralismo. Mas, quanto saiu Escritura
Conquistada, dois críticos especialmente qualificados(14) comentaram
sua inclinação pelo surrealismo, ou "tardosurrealismo", para
eles algo excrescente no Brasil. Mostraram um caminho para futuras coletâneas
de Floriano, na direção oposta a essa opinião.
Dessa família,
revistas-antologias de poesia brasileira, Anto,(15) publicada em
Portugal, é, das aqui comentadas, a mais atraente graficamente.
E, com seus 45 poetas, de Affonso Romano de Sant’Anna a Neuzamaria Kerner
(...?), além de contistas e ensaístas, a mais heterogênea.
No ensaio que a fecha, o crítico galego Xosé Lois García
refere-se, a propósito de José Santiago Naud, a autores que
estiveram à margem dos movimentos e esnobismos que se deram no
Brasil. Mas aqueles que comenta não coincidem com a eclética
seleção da revista. A observação a ser feita
com relação a Anto vale para outras publicações,
inclusive Poesia Sempre: não adianta apresentar muitos autores,
dois poemas de cada um e algumas linhas de informação bibliográfica.
Melhor restringir escolhas, não podendo aumentar páginas.
Chegamos, assim,
pela ordem cronológica, ao mais recente fruto da safra 90: Esses
poetas - Uma Antologia dos Anos 90, de Heloisa Buarque de Hollanda,(16)
anunciada há meses em matérias na imprensa. Mesmo com o recorte
suposto pelo título, parte da seleção de 22 autores
parece remontagem de antologias precedentes. A década de 90 inclui
desde poetas que a abriram, através de Massi, mais o oportuno acréscimo
de Moacir Amâncio, e alguns que são novidade total. Esses,
por sua vez, variam do extremamente interessante (como Guilherme Zarvos)
ao diletantismo, mas agora sem um "modo de produção" alternativo
para justificá-los.
Dos organizadores
e apresentadores de antologias, Heloísa é quem mais recorre
a um vocabulário técnico. Afirma que a poesia, hoje, ressemantiza-se
em função da própria desierarquização
operada pela inquietação da geração anterior.
Acha que os anos 70 desestabilizaram as hierarquias no campo literário
e de seus sistemas de valor. É contra uma interpretação
anacrônica sobre a moral das formas e dos materiais poéticos
nesse tempo de hipertextos e novos inputs translinguísticos,
e uma crítica que se restrinja à avaliação
qualitativa da performance do trabalho técnico com a linguagem stricto
senso. Aponta tendências, nenhuma delas exclusiva desta década:
poesia de negros, gays, mulheres, produções regionais,
mais o emergente mercado de poesia falada que tende a democratizar
o consumo da poesia,(17) além dos que, trabalhando em jornais,
são críticos-poetas (isso era comum no século
XIX); e, obviamente, multimídia e intersemiose. Acha necessário
ressemantizar o vazio deixado pela uma suspensão de valores
operada por esta nova poesia, examinando o grau de opacidade e resistência
crítica obtido nas formas e materiais escolhidos pelo poeta.
Quer convencer-nos de que a pós-modernidade não apenas existe,
mas é mesmo um pesadelo sem fim que prossegue na vida real. No final
do prefácio, chuta a própria barraca: Não teria
segurança para afirmar que esta seleção representa
tendências progressistas no quadro da produção poética
da década de 90. Avisa que não me interessaram todas
as vozes que poderiam ser consideradas por revelarem um bom desempenho
literário. Com essas afirmações, suscita uma questão
não apenas literária, porém ética: afinal,
os poetas estão aí por suas qualidades, ou foram lançados
à arena para ilustrar uma tese sobre crise cultural? Técnicos
de esportes e organizadores de antologia têm que vestir a camisa
do time. Acreditar no que fazem. Heloísa deveria ter preparado um
ensaio, e não uma antologia. Então sim, teria o direito de
invocar poetas para o exame da inserção da nova poesia
no espaço exíguo que hoje se oferece para a criação
e para o exercício de uma imaginação política
possível, em sua busca de um pós-modernismo de oposição.
Os alemães
têm uma expressão engraçada para designar excesso de
heterogeneidade: von jeden dorf ein hund, de cada aldeia um cachorro.
Antes de receber Esses poetas, ao examinar o material precedente,
já desconfiava que pluralismo podia servir como pretexto para tudo.
Outrora, havia antologias de alguma coisa: clássicos, românticos,
parnasianos, malditos, vanguardistas, novíssimos, marginais. O formato
antologia-tudo ou antologia-amostra foi inaugurado de modo consciente por
Augusto Massi. Mas sua continuidade mostra uma progressão, felizmente
com divergências, rumo ao nada. Isso, pelo deslocamento do valor,
fundamento das antologias, quer estivesse associado à tradição,
ou, a partir de Les Poétes Maudits, ao novo. Suprimindo-o,
abandonando a idéia de uma autonomia de coisas como ritmo, imagens,
invenção e imaginação, etc, fica difícil
argumentar para tentar convencer alguém a ler um poeta, qualquer
que seja.
Antologias
vêm desempenhando um papel que não é o seu, que a crítica
deixou de cumprir, na ausência do registro sistemático e sério
de publicações de novos autores.(18) Também já
foi apontado, infinitas vezes, que estudiosos da universidade se fecharam
em seu universo de crescente especialização e conseqüente
burocratização do saber. O valor literário já
vinha sendo posto de lado pelos modos cientificistas de ensinar e pesquisar
literatura, transformando alunos em aplicadores de fórmulas e diagramas;
isso, antes da recente ameaça de confinamento da poesia em um capítulo
da sociologia dos multimeios ou da antropologia das tribos urbanas. Só
podia dar nisso. Parece-me inprodutiva a restauração por
regressivas listas canônicas. Principalmente as coletivas, mais uma
forma de eximir-se, nivelando análise de textos à pesquisa
de opinião.
Voltemos ao
tempo de Les Poétes Maudits. Naquele outro fim de século,
o novo emergia e fervia. Especialmente em Paris, através de poetas
e intelectuais associados ao simbolismo, agrupados ao redor de revistas
como Mercure de France. Daí, desse grupo, desse ambiente
cultural (que incluiu Mallarmé, Verlaine, Huysmans, Rémy
de Gourmont, Jarry, Fargue, e, vicariamente, Lautréamont, Rimbaud,
Laforgue, Tristan Corbiére e Germain Nouveau), surgiram ou receberam
influência, direta ou indireta, idéias e personagens que constituíram
os modernismos e vanguardas deste século: cubismo, futurismo, construtivismo,
imagismo poundiano, dada, surrealismo. As revoltas e revoluções
culturais que configuraram a modernidade e pautaram o século XX,
em literatura e outros campos.
Acontece, hoje,
em algum lugar, algo semelhante? Seremos nós os incapazes de enxergar
onde isso ocorre? Será 1999 o oposto diametral de 1899, a repetição
do velho no lugar da germinação do novo? Ou então,
consistirá o novo em prosseguir na trilha aberta por inovadores
e revolucionários de um século atrás? O tempo dirá.
Talvez através de outras antologias que vêm aí (sei
de meia dúzia em preparação, aqui e no exterior).
Nenhuma (esperamos) com subliteratura e irrelevâncias. A crítica
as saberá registrar e comentar na medida justa de sua importância,
e sua discussão será (provavelmente) produtiva e necessária.
Todas (torcemos por isso) serão bem editadas, informando corretamente
sobre seus autores. Se não responderem à questão do
novo, então (ao menos) oferecerão produtivas releituras do
já escrito.
NOTAS
1. Na revista Livro Aberto, n.º 5, junho de 1997.
2. Editora Achiamé, 1992.
3. Antes, pela Editorial Labor do Brasil, 1976; agora, pela nova editora
Aeroplano, 1998.
4. Organizador, Augusto Massi; Secretaria Municipal de Cultura de São
Paulo e Editora Artes e Ofícios de Porto Alegre, 1991
5. Isso, talvez por a antologia estar vinculada a um ciclo de apresentações
e debates com poetas, organizado pelo próprio Massi e Leda Tenório
da Motta, promovido pela Secretaria Muncipal de Cultura.
6. Organização e estudo introdutório de Pedro Lyra,
assessoria, Verônica Aragão, Ed. Topbooks, Fundação
Cultural de Fortaleza e Fundação Rioarte, 1995.
7. Nothing that the sun could not explain - 20 Contemporary
Brazilian Poets, editado por Michael Palmer, Régis Bonvicino
e Nelson Ascher, diversos tradutores, Sun & Moon Press, Los Angeles,
1997.
8. Massao Ohno Editor, 1961. A mesma designação, Novíssimos,
havia sido utilizada no lançamento, em seu tempo, dos poetas da
geração de 45.
9. Outras Praias- 13 poetas Brasileiros Emergentes, Other Shores
- 13 Emerging Brazilian Poets, organização de Ricardo
Corona, Editora Iluminuras, 1998.
10. Suscitada pelo modo como Rodrigo Garcia Lopes saudou aquela antologia,
inspirando, como resposta, o artigo aqui citado de Nelson Ascher.
11. Organização, tradução e prefácio
de Curt Meyer-Clason, Druckhaus Galrev, Berlim, 1997.
12. Narradores y Poetas de Brasil, revista Blanco Móvil,
primavera de 1998, México DF, editor, Eduardo Mosches.
13. Escritura Conquistada, Letra e Música Comunicação,
Fortaleza, CE, 1998, co-edição da Fundação
Biblioteca Nacional e Universidade de Mogi das Cruzes.
14. Wilson Martins e José Paulo Paes.
15. Anto - Revista Semestral de Cultura, Associação
Amarante Cultural, Primavera 1998, copatrocinada pelo Ministério
da Cultura de Portugal e Instituto Português do Livro.
16. Também da Aeroplano Editora, 1998.
17. Foi pouco noticiado o falecimento de Lindolf Bell, aos 60 anos,
em dezembro de 1998. Na década de 60, sua Catequese Poética
o transformou em celebridade. Agitou e mobilizou muito mais que qualquer
outra programação de poesia falada que eu tenha visto (vi
muitas). É verdade que somos um país sem memória.
18. Quando ia terminando este artigo, um escritor de minhas relações
me contou que havia se proposto a resenhar Esses poetas para um
de nossos grandes jornais, sendo-lhe dito que não iriam "dar" essa
antologia, por não haverem gostado dela. Acontece que o mesmo
jornal "deu" uma página inteira, noticiando sua futura publicação!
Emulação seguida de rejeição é inaceitável.
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