Iracema M. Régis
O Imaginário na obra literária de
Dimas Macedo
IRACEMA M. RÉGIS
Escritora e Jornalista,
radicada em Mauá/SP
“(...) ainda que isso irrite os mantenedores do saber
institucional, a atribulada e imperfeita vida do dia-a-dia não deixa
de produzir um verdadeiro ‘co-naissance comum’. Aquilo que
Maquiavel, sempre tão sutil, chamou de ‘pensamento da praça pública’
”.
Michel Maffesoli (O Tempo das Tribos)
No momento em que o escritor cearense
Dimas Macedo atravessa 50 anos de existência e 30 de literatura, ao
debruçar-me sobre publicações de sua autoria e algumas referentes à
sua obra literária – entre elas Ossos do Ofício (1992), Leitura e
Conjuntura (1984, 3ª ed. 2003), Tempo e Antítese (1997), A Obra
Literária de José Alcides Pinto (2001), Crítica Dispersa (2003) e A
Distância de Todas as Coisas (1980, 3ª ed. 2001), culminando com o
prefácio ao livro Poemas Escolhidos, de José Alcides Pinto, talvez
uma das peças mais bonitas saídas da pena desse crítico literário –,
posso afirmar que, se não tivesse conhecimento prévio das produções
aqui citadas (material suficiente para elucidar-me quanto ao seu
valor de crítico e de poeta), entenderia estar diante de um grande
escritor e sentiria as mesmas emoções que me foram proporcionadas
pela sua poética madura, onde encontramos poemas fascinantes, a
exemplo de “Prefácio”, “Arena”, “Sândalo”, “Boqueirão” e tantos
outros que enriquecem a sua criação literária.
Independentemente do que disse a
crítica sobre a poesia de Dimas Macedo, com pensamentos iguais a
este – “se Estrela de Pedra é um livro raro, na opinião de José
Alcides Pinto, Liturgia do Caos é um livro em plena maturidade e
convivência mais ampla com a palavra” (Jorge Tufic, in A Crítica,
Manaus, out./1996); e “...nos versos de Casulo e de Corpo é que nos
deleitamos com um erotismo da melhor qualidade, maduro, discreto,
sutil e, por isso mesmo, pleno de beleza e vigor” (Edmílson Caminha,
Brasília, 20/12/1996) – o que mais impressiona na poesia do autor é
a questão do imaginário (que também presenciamos em sua crítica
literária). A despeito do cunho social impregnado em vários dos seus
poemas – no caso de “Legenda” e “Utopia”; da sensualidade em
“Plumas”; da religiosidade e filosofia em “Ânsia”; da singeleza das
metáforas, da alegoria, e do retorno às raízes, quando se banha no
“Rio Salgado” e canta a Lavras da Mangabeira da infância, ou quando,
valendo-se do Cordel, desenha as várias leituras que essa forma de
composição permite – vemos na obra do autor a saga do nosso povo e
da nossa gente ali nascida, sofrida e crescida, e que espelha sempre
os seus conflitos, suas angústias, sua história de vida, enfim, a
sua condição de ser humano.
Em se tratando de ensaios ou crítica,
esse imaginário revela-se através do mapeamento histórico-literário
que Dimas Macedo procede, registrando, publicando e passando a nós,
seus leitores, o universo da escritura cearense, composto de autores
já consagrados, outros reconhecidos, e até os mais novos,
contemporâneos do autor e todos de indiscutível valor.
Teço algumas considerações acerca
dessa última vertente, talvez a mais pródiga do autor de Crítica
Dispersa (2003) e Crítica Imperfeita (2001). Ossos do Ofício (1992)
foi o primeiro livro de crítica e ensaios de Dimas Macedo que chegou
às minhas mãos por intermédio do contista catarinense Enéas
Athanázio. Na ocasião, a leitura dessa obra rendeu-me uma resenha
literária publicada no Jornal da Manhã/SP, de 13/7/1995, da qual
transcrevo o seguinte excerto – “Nos seus ensaios Dimas Macedo
retrata com vigor o conflito na literatura cearense e, por extensão,
o conflito da literatura nordestina, temperada pelas asperezas do
cotidiano, como ele próprio diz, prenhe de sonho e sensualidade,
características sempre presentes”. Em relação à Crítica Dispersa, o
crítico, além de abordar escritores do naipe de Jorge Amado, do
piauiense Assis Brasil, José Alcides Pinto, Aristides Theodoro,
Pedro Henrique Saraiva Leão, preocupou-se em esboçar uma Introdução
à Literatura Feminina Cearense, comentando sobre aquelas escritoras
de destaque e as que ainda representam uma promessa dentro desse
segmento literário.
Crítica Imperfeita, por sua vez,
sugeriu-me um subtítulo assim – Da Imperfeição Necessária à Crítica
Perfeita, pois talvez para sermos mais claros, simples, e para
informar, mostrar, fugir do lugar comum, precisemos ser diferentes e
únicos, creditáveis e valorosos, precisemos ser imperfeitos. Não da
imperfeitura ao pé da letra (que não persiga o significado da
perfeição), mas que permita livrar-nos da pretensão, para podermos
criar com despojamento, simplicidade e espontaneidade, o que pode
ser feito de melhor. É nesse parâmetro que entendo o sentido da
Crítica Imperfeita de Dimas Macedo. Despretensioso, humilde, talvez
imperfeito, ele realiza uma tarefa digna, séria, belíssima, por
conseqüência, perfeita, valorizando a nossa Literatura e a si mesmo,
como escritor.
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