Dimas Macedo
Anotações sobre Lobo Manso
Na casa onde passei a infância, em
Lavras da Mangabeira, situada no número 16 da Rua da Praia, o livro
didático era uma espécie de breviário e praticamente a única fonte
de consulta existente. Afora as antologias escolares, cujos textos
tínhamos que assimilar, de uma ou de outra maneira, restavam tão
somente as escrituras sagradas e os folhetos de cordel, que no meu
caso foram decisivos para o cultivo da imaginação e a busca sempre
inquietante do desconhecido.
Meu avô paterno, ANTÔNIO LOBO DE
MACEDO, falecido aos 20 de abril de 1960, marcou profundamente a
minha vida em duas dimensões: em primeiro lugar, com o seu
passamento, me fez tomar contato com a morte, como o acontecimento
mais antigo que trago retido na memória; em segundo, era ele próprio
autor de alguns desses folhetos de cordel que tanto seduziram a
minha sensibilidade de menino.
Com ele não convivi, no verso sentido
da palavra, pois nada além do seu cortejo fúnebre me ficou guardado
na lembrança. Meu pai me aguçou um pouco a curiosidade, inclusive
porque cultuou como ele a poesia de inspiração popular. Mas é ao meu
tio JOARYVAR MACEDO que devo boa parte das informações que sobre ele
colhi.
Dois pequenos livros foram publicados
por JOARYVAR MACEDO sobre o meu avô. O Poeta Lobo Manso, o primeiro
deles, veio a lume em 1975, numa clara alusão ao pseudônimo que o
imortalizou; o segundo, Antônio Lobo de Macedo: o Homem e o Poeta,
foi editado em 1988, por ocasião do seu centenário, trazendo o
opúsculo dedicado ao seu perfil de cordelista e poeta um registro
não comentado da sua poesia e o segundo trabalho aqui nominado um
retrato da sua descendência e daquilo que compôs o seu tirocínio
humano e existencial.
Se um dia me fosse permitido fundir o
que deparei pintado nesses livros e no mais me for dado trabalhar o
que sobre ANTÔNIO LOBO DE MACEDO armazenei, creio que teria material
riquíssimo para um livro muito estimulante. Um romance-reportagem,
quem sabe? Uma interpretação sociológica e biográfica talvez se
ajustasse melhor ao seu temperamento.
Antes de poeta – e a partir justamente
da leitura de suas poesias – cumpre assinalar que ANTÔNIO LOBO DE
MACEDO foi um militante político também. Participou ativamente das
questões sociais do seu tempo e, na seara do seu município, fez as
mais variadas intervenções, inclusive em lutas armadas, utilizando o
carisma e o poder de liderança de que era dotado para resolver os
conflitos e demandas com as quais se envolveu, grande pregoeiro que
foi da conciliação e da diplomacia, como forma de superação do
atraso cultural e da intransigência.
O seu avô paterno, Coronel JOÃO LOBO
DE MACEDO, casado com SENHORINHA DE MENDONÇA BARROS, sua conterrânea
cratense, estabeleceu-se em Lavras da Mangabeira em novembro de
1866, mais precisamente no lugar denominado Sítio Calabaço,
contando-se entre os seus rebentos o Tenente-Coronel JOSÉ JOAQUIM DE
MARIA LOBO e a ilustre matrona lavraense ANTÔNIA SINHORINHA DE
MACEDO.
JOSÉ JOAQUIM DE MARIA, intelectual de
nomeada, foi Vereador, Promotor Público e líder do partido
monarquista em Lavras, antes de se tornar o mentor das Irmandades
Religiosas de Juazeiro e o defensor do PADRE CÍCERO, em Roma, junto
ao Tribunal das Santas Inquisições.
Quanto a ANTÔNIA SENHORINHA DE MACEDO,
conhecida pela alcunha de TÔTÔ, cumpre registrar ter sido ela uma
mulher destemida e audaz, cujos feitos foram inaltecidos pelo meu
avô, num poema em que canta as suas bravatas em defesa dos seus
domínios e da integridade da sua expressão familiar.
Sobre ANTÔNIA SENHORINHA DE MACEDO
considero de todo prudente consultar o meu livro Lavrenses Ilustres
(Fortaleza, Secretaria de Cultura e Desporto, 2ª edição, 1986),
especialmente o tópico dedicado a uma sua descendente, MARIA TAVARES
DE LIMA GUIMARÃES, nascida no Sítio Calabaço e que fez fortuna na
história política do Pará. Contudo, se o leitor pretende uma
referência segura sobre a expressão humana de JOSÉ JOAQUIM DE MARIA,
sugiro uma remissão ao livro Milagre em Joazeiro, de autoria de
RALPH DELLA CAVA (Rio, Editora Paz e Terra, 1976), onde conhecido
sociólogo e cientista político norte-americano esboça um perfil
empolgante e bastante elucidativo desse grande visionário e líder
religioso do Cariri e do Nordeste.
Eram ambos, ANTÔNIA SENHORINHA DE
MACEDO e JOSÉ JOAQUIM DE MARIA, tios paternos de ANTÔNIO LOBO DE
MACEDO, o qual, por sua vez, era rebento do Capitão JOAQUIM LOBO DE
MACEDO e de MARIA JOAQUINA DA CRUZ, sendo ele membro da Guarda
Nacional da Comarca de Lavras, posição que muito se ajustava ao
temperamento e à compleixão moral e austera desse meu inquieto
bisavô.
As ordens por ele proferidas, na
Casa-Grande do Sítio Calabaço, eram no geral levadas às últimas
consequências. Os seus descendentes, de forma gentil e penhorada,
costumavam tratá-lo pela designação de PAI LOBO, existindo inclusive
em Lavras uma sextilha muito apreciada por estudantes de primeiro
grau, enfocando a sua figura carismática de uma maneira muito
carinhosa. O fato, segundo pude apurar, aconteceu da seguinte forma:
certa feita a professora AMÉLIA BRAGA MORAES indagou a um dos seus
alunos acerca das origens remotas do Brasil e o menino JOSÉ ZITO DE
MACEDO (ZITO LOBO), antecipando os dotes de poeta que no futuro iria
revelar, especialmente no seu livro Trovas e Poemas (Fortaleza,
Editora Oficina, 1990), respondeu de forma incontinenti o seguinte:
“Quem descobriu o Brasil / foi PAI LOBO DO CALABAÇO / em cima de um
pé de côco / jogando côco pra baixo / eu fui apanhar um côco / e
quebrei o meu espinhaço”. Estava, pois, assim, um descendente direto
do Coronel JOÃO LOBO DE MACEDO tentando preservar a tradição poética
dos seus antepassados.
O Capitão JOAQUIM LOBO DE MACEDO, tal
como o filho poeta, sentia-se, de quando em me vez, bafejado pelo
cortejo das musas e, sempre que inspirado, costumava começar o
improviso com a seguinte décima: “Trabalho sem ter descanso / parte
da noite e o dia / e na minha poesia / me assino por LOBO MANSO / no
seco faço remanso / que zoa igual a um trovão / e venço qualquer
nação / sem ser preciso brigar / mas depois de me assanhar / sou
feroz como um leão”. Era, pois, o pseudônimo que utilizava uma marca
que havia imposto a ANTÔNIO LOBO DE MACEDO. Eles, meu bisavô e meu
avô, com certeza transmitiram ao meu pai, JOSÉ ZITO DE MACEDO, a
herança cultural de que mais me orgulho, que é o fato de ele ter
nascido poeta e de eu poder contar, na minha solidão atávica, com a
existência desses precedentes.
LOBO MANSO, tal como a maioria da sua
parentela, nasceu no Sítio Calabaço, município de Lavras da
Mangabeira / Ceará, aos 29 de julho de 1888. Aprendeu as primeiras
letras com professoras públicas de sua terra natal. Aspirou, quando
jovem, à carreira das armas, mas o destino o fez agricultor e poeta,
levando-o posteriormente a tomar partido nas disputas políticas de
sua região, principalmente a partir de 1930, quando filiou-se às
hostes da Aliança Liberal.
Não se sabe com certeza quando começou
a poetar, pois suas poesias, guardadas no início apenas na
imaginação popular, se perderam quase todas na poeira do tempo, com
algumas raríssimas exceções. O poema intitulado “A Seca de Quinze”,
composto quando tinha 27 anos, é talvez a sua primeira produção em
ordem cronológica cuja data, com a mais absoluta certeza, se pode
precisar. E assim também as glosas de cunho trovadoresco que
escreveu, presumivelmente, muito antes de 1914, data do seu primeiro
casamento, as quais compõem a fase lírica da sua poesia, que está
ainda a merecer a atenção devida por parte de pesquisadores e
estudiosos.
Nesse sentido, aliás, não seria
exagerado afirmar que ANTÔNIO LOBO DE MACEDO, como todo poeta que se
preza, na juventude andou perdido entre sentimentos e paixões, que
pranteou de forma copiosa na escrituração de vários poemas amorosos
e sentimentais. ELISA CORREIA, poetisa e filha do grande bardo
lavrense FAUSTO CORREIA DE ARAÚJO LIMA, celebrizado por LEONARDO
MOTA, no livro que intitulou Cantadores (Rio, Livraria Castilho,
1921), a ele dedicou afeição toda especial, que extravasou numa
quadra bastante recitada na época, na qual ele aparece como o
trancelim, entre os que disputavam a sua cativante figura de mulher.
O certo, porém, é que o amor de ELISA não foi correspondido e na
desilusão ela soube se vingar do poeta, coroando o fecho de um dos
seus poemas com a alusão de que o tracelim havia mareado.
O poeta LOBO MANSO, em verdade, no ano
de 1914, casou-se com MARIA DE AQUINO FURTADO, filha de ANTÔNIO
FURTADO DE MENEZES e MARIA GUILHERMINA DE AQUINO, nascida na Fazenda
Junco daquele Município, aos 11 de agosto de 1895 e falecida no
sítio Calabaço, aos 08 de janeiro de 1933. Viúvo, LOBO MANSO
tomou-se de enlevos por MARIA TORQUATO GONÇALVES, aurorense, natural
do Sítio Jitirana, nascida aos 27 de dezembro de 1913 e falecida em
Fortaleza, aos 30 de outubro de 1984, com quem viria a se casar em
segundas núpcias, tendo com ela uma dezena de filhos, entre eles o
grande historiador cearense JOARYVAR MACEDO.
A propósito do seu casamento com MARIA
DE AQUINO FURTADO (Mariquinha) e do enlace dos seus irmãos VICENTE
LOBO DE MACEDO, vulgo MACEDO LOBO, e AUGUSTO LOBO DE MACEDO com suas
cunhadas ISAURA e SILA DE AQUINO FURTADO, o poeta popular lavrense
JOÃO FAVELA DE MACEDO glosou o seguinte mote: “Do Junco pro Calabaço
/ Casaram com alegria / MACEDO, AUGUSTO E ANTÔNIO / Com ISAURA, SILA
e MARIA”, mote esse que desenvolveu em décimas ungidas de
indiscutível beleza poética. Trata-se de uma poesia ainda hoje
gravada no imaginário lavrense e que o historiador JOARYVAR MACEDO,
tão cuidadoso com os seus estudos, esqueceu de referir nos livros
que escreveu acerca da grandiosa figura do seu pai.
Mencionado historiador, no entanto, no seu livro Um Bravo Caririense
(Crato, Empresa Gráfica Ltda, 1974), dedicado à trajetória de
JOAQUIM VASQUES LANDIM, o destemido e famoso QUINCO VASQUES, faz
enorme justiça a LOBO MANSO quando evidencia que “era-lhe a memória
um repositório da crônica sucinta do município e da Região do
Cariri” e que ele conhecia como ninguém a história política e social
do Nordeste.
O livro de JOARYVAR MACEDO, acima
referido, não trata da personalidade do seu pai senão de forma
passageira, pois o alvo mesmo por ele perseguido é a figura
emblemática de JOAQUIM VASQUES LANDIM, o primo a quem LOBO MANSO
tributava toda uma carga de respeito e admiração. É que citado
caudilho e homem de armas auroense, em nome dos maiores coronéis do
Cariri, havia invadido a cidade de Lavras, em 07 de abril de 1910,
para depor o Coronel GUSTAVO, o filho ungido de FIDERALINA para o
exercício supremo do poder. A empreitada de QUINCO VASQUES acabou
não dando resultado, porém no Sítio Calabaço ele encontrou todo o
apoio estratégico para implementar a ação. LOBO MANSO, entre os
filhos do meu bisavô, conta-se que era o mais exaltado de todos,
chegando inclusive a pegar em armas, apesar de seu irmão GUSTAVO
LOBO DE MACEDO ser afilhado de batismo do Coronel GUSTAVO AUGUSTO
LIMA, numa deferência toda especial que os membros da elite política
da época prestavam a seus adversários. É que as disputas
dificilmente invadiam o campo da estima, afetando tão-somente o
equilíbrio de forças na área da política e as rivalidades
pertinentes aos laços de sangue e de herança.
Porém LOBO MANSO, apesar do retrato
tão cariosamente pintado pelo seu futuro biografo, no livro atrás
mencionado, não era apenas um memorialista de verve sutil e afiada.
Era ele, antes de tudo, um poeta profundamente antenado com os
percalços da vida e em perfeita harmonia com as crises do momento
histórico em que viveu e com o qual interagiu de forma sempre
decisiva.
Se tivesse abraçado a carreira das
armas, como pretendia na adolescência, meu avô talvez na década de
vinte fosse um tenente dos mais exaltados, pois em Lavras foi um
adversário ferrenho do perrepismo e um dos líderes mais destacados
da Aliança Liberal, ao lado do Padre RAIMUNDO AUGUSTO BEZERRA,
conhecido pela alcunha de PADRE MUNDOCA, e do farmacêutico JOSÉ
GONÇALVES LINHARES.
Começou antes por combater o governo
de WASHINGTON LUIZ e os desmandos locais da oligarquia dos AUGUSTOS,
com a elaboração e a divulgação de poemas de feição nitidamente
hugoana e de forte teor revolucionário. Em 1930 recebeu do Comando
do 23°. BC, o Batalhão do Exército então sediado em Lavras, o lenço
vermelho da Revolução e, com ele no pescoço, comandou uma cavalaria
em desfile pelas ruas da cidade, onde uma décima de sua autoria,
composta em 1929, era recitada pelos pregoeiros da liberdade e da
revolução, cuja facção ligada aos ideais de LUIZ CARLOS PRESTES era
ali chefiada por MANUEL ANTÔNIO DE AQUINO, seu contra-parente, tido
legítimo que era da sua esposa MARIA DE AQUINO FURTADO, pelo lado
materno.
Adepto, no entanto, em nível estadual, da bandeira dos TÁVORAS e
tendo em vista que a marcha da revolução no interior do Nordeste,
iniciada em Sousa, na Paraíba, iria fatalmente desaguar no antigo
feudo de FIDERALINA, LOBO MANSO escreveu, em outubro de 1930, em
pleno calor da refrega, um dos seus mais belos poemas de cordel,
intulado “A Revolta de Sousa”, o qual, com o tempo, viria a ganhar
imensa ressonância cultural e histórica.
Em citado folheto, cujas cópias os
aliancistas divulgavam como sendo um tesouro muito precioso, LOBO
MANSO ridicularizou os seus adversários, especialmente o Coronel
RAIMUNDO AUGUSTO LIMA e seus correligionários, tratando-se no caso,
indiscutivelmente, do seu libelo político mais corajoso e certamente
do poema em que ele mais alto se eleva, como esteta da poesia social
e política e como cidadão de estatura humana exemplar.
Esses versos do meu avô, em verdade,
estavam de acordo com as aspirações dos que ansiavam pelo poder em
sua terra de berço, pois batiam com um refrão também bastante
popular, no qual aparecia como justo o baque temporário de RAIMUNDO
AUGUSTO. E o lema da oposição era o “Oi! Taboca!”, para que a rima
pudesse desaguar na alcunha do chefe dos aliancistas, o Padre
RAIMUNDO AUGUSTO BEZERRA, líder religioso e carismático da
comunidade.
A década de trinta foi o período de
maior agitação política e social, não só no Brasil e no Ceará como
um todo, mas na vida de LOBO MANSO também. Um fato que deparei nesse
momento bastante intranquilo de sua trajetória, foi o seu
envolvimento com as eleições para a Assembléia Nacional
Constituinte, realizadas em 02 de maio de 1933, quando, numa décima
então elaborada, patenteou o quanto os vícios do antigo regime
permaneciam claros em sua consciência. E o quanto os revolucionários
de véspera estavam acomodados em suas posições de mando.
O processo político no Território dos
Coronéis (Fortaleza, Editora Henriqueta Galeno, 1988), expressão com
a qual o jornalista ALBERTO GALENO passou a designar o município de
Lavras, desde quando ali comandava a Aliança Nacional Libertadora,
passou a parecer a LOBO MANSO um aprendizado contínuo e no geral
bastante renovado. Assim sendo, em 1934 já se encontrava abraçado
com a política outra vez, concorrendo desta feita para a fundação,
em Lavras da Mangabeira, do Diretório do Partido Social Democrático,
pois via na emergência da Liga Eleitoral Católica e no retorno dos
coronéis uma ameaça aos ideais democráticos que havia defendido na
fase anterior.
Em 1936, LOBO MANSO escreveu e fez
circular, na área da sua influência pessoal e política, os
manuscritos de “Injeção de Cuspe”, posicionados contra a exploração
do charlatanismo e do misticismo caboclo por parte dos potentados da
velha oligarquia lavrense. Ao invés do fanatismo de cunho pueril e
subservivente, manipulado pela habilidade de certo esculápio seu
conterrâneo, preferia os sermões e as prédicas de Frei DAMIÃO DE
BOZZANO, cujo exemplo edificante e poder de regeneração moral
propalou num poema também vindo a lume no ano em que publicou o
“Injeção de Cuspe”.
A década de quarenta o absorve de uma
maneira totalmente nova. Os efeitos da política de GETÚLIO VARGAS e
o crescimento vertiginoso do totalitarismo, levaram-no a mergulhar
no campo do fantástico e do maravilhoso e a abstrair-se um pouco da
realidade, sem deixar, contudo, de celebrar a dinâmica da vida e do
cotidiano.
Nesse período, possivelmente em 1944,
LOBO MANSO escreveu e divulgou um dos seus cordéis mais aplaudidos
por quantos conhecem a sua produção. Trata-se de “O Garrote
Misterioso”, um poema no qual os elementos estruturais e a camada
ótica utilizada remetem à forma poética típica dos romances de
alusão e alegoria, conforme se pode inferir da interpretação que
dele fez FLORIVAL SERAINE, na Antologia do Folclore Cearense
(Fortaleza, Edições UFC, 1983). Trata-se, como já se afirmou
alhures, em opinião transcrita por referido antropólogo, de um
folheto de cordel ou romance em que “a imaginação vagueia pelo mundo
do fantástico, do colossal, do encantamento, do mistério, da
assombração, do monstro ou animal que fala”. Admirando-se ademais
FLORIVAL SERAINE por quantos mares navega a imaginação dos nossos
aedos populares que se dão ao luxo de escrever poemas dessa
natureza.
Posteriormente, passados os efeitos do
Estado Novo, ajudou a reabrir em Lavras uma frente de defesa da
democracia, tendo como parceiros dessa nova empreitada, entre
outros, o seu cunhado JOÃO LUDGERO SOBREIRA e o seu amigo ALEXANDRE
BENÍCIO LEITE, que depois seria assassinado pelo mandonismo político
que sempre combateu. Ele próprio, LOBO MANSO, foi pelo menos duas
vezes vítima de emboscadas do velho mandonismo, tendo no segundo
desses episódios perseguido e prendido o pistoleiro que o queria
matar, o qual, pessoalmente, conduziu de volta à presença do
mandante do crime, recomandando ao mesmo que da próxima vez
escolhesse um homem mais valente para consumar a sua execução.
A política o tentou pelo menos até
1958, quando, pressionado por correligionários, aceitou uma cadeira
de Vereador da UDN, consagrando-se, aos setenta anos de idade, com
uma votação astronômica para uma pretensão meramente legislativa. E
como já se registrou em outra oportunidade, não aceitou a
unanimidade em torno do seu nome para a presidência da Câmara,
abrindo mão da homenagem que lhe queriam prestar em favor de um
adversário político que muito estimava, o Vereador OSWALDO FÉRRER
SOBRINHO, por considerá-lo o mais letrado de todos. E assim foi
feita a escolha conforme a sua vontade.
O ano de 1960, mais precisamente 20 de
abril, marca a data do seu falecimento, mas é também nesse ano que
ele publica, pela Tipografia de José Bernardo da Silva, de Juazeiro
do Norte, o único folheto de cordel que consentiu viesse a ser
editado. Trata-se das suas “Poesias Contra os Profetas e
Experiências da Chuva”, um dos mais belos poemas populares que
conheço e que despertou a justa curiosidade de muitos pesquisadores
do assunto, contando-se entre eles JOARYVAR MACEDO, AUDIFAX RIOS,
ROSEMBERG CARIRY, TETÊ CATALÃO, ALTIMAR PIMENTEL, o já citado
FLORIVAL SERAINE, SÍLVIO JÚLIO DE ALBUQUERQUE LIMA e o grande
folclorista brasileiro LUIS DA CÂMARA CASCUDO.
“Conhecedor profundo das experiências
sertanejas”, segundo o escritor ALBERTO GALENO, LOBO MANSO detinha
um “cabedal de conhecimento em torno da cultura popular”. Mais: no
seu livro Seca e Inverno nas “Experiências” dos Matutos Cearenses
(Fortaleza, Coopcultura, 1998), destaca GALENO que LOBO MANSO “fez
da poesia arma de combate contra os adversários de seus princípios
políticos”. E acrescenta: “usando o verso como quem usa o rifle e o
fuzil, ele passou a combater velha oligarquia coronelesca existente
em sua terra natal, derrubada temporariamente pela Revolução de
1930. E logrou na época, não resta dúvida, uma popularidade fugaz, a
exemplo do movimento dito revolucionário”, projetando assim, para a
posteridade, “o seu alto poder de narrador”.
O seu centenário de nascimento foi
solenemente comemorado em Lavras da Mangabeira, aos 29 de julho de
1988, oportunidade em que o seu retrato foi aposto na galeria das
grandes lideranças da Câmara Municipal, sendo-lhe outorgado, em
caráter Post-Mortem, o título de Sócio Honorário da Ordem Brasileira
dos Poetas da Literatura de Cordel, sediada em Salvador e dirigida
pelo trovador RODOLFO COELHO CAVALCANTE, um dos seus grandes
admiradores. No Sítio Calabaço foi rezada uma missa campal em sua
homenagem, presidindo à concelebração do evento o Monsenhor JOSÉ
EDMILSON DE MACEDO, um dos seus descendentes que mais tem sabido
cultivar as suas virtudes e a imensa legenda de poeta que ele nos
legou.
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