Dimas Macedo
Dimas Macedo lança Lavoura Úmida
Entrevista a Margareth Lima
Dono de uma linguagem limpa, Dimas
Macedo, 33 anos, tem no ensaio literário uma de suas paixões, mas é
como poeta que desde cedo enveredou pelos caminhos da literatura.
Para outro poeta, Artur Eduardo Benevides, Dimas Macedo é uma
legítima esperança da poesia cearense. Comemorando doze anos de vida
literária, com a publicação de Lavoura Úmida (poemas), que será
lançado, hoje (09.08.1990), às 20h30min, no Pirata Bar (Praia de
Iracema), com show de André & Cristina e do cantor Calé Alencar,
Dimas Macedo marca sua volta à poesia, depois de passar os últimos
cincos anos afastado da militância literária. Nessa época, foi
Professor e Chefe do Departamento de Direito da Universidade de
Fortaleza. Mestre em Direito e professor do curso de mestrado em
direito da Universidade Federal do Ceará, Dimas é advogado militante
na Comarca de Fortaleza e procurador do Estado.
Decidido a recuperar o tempo perdido,
Macedo já tem um novo livro pronto: Ossos do Ofício, que será
lançado em setembro, pela Editora Oficina, criada por ele e Audifax
Rios [publicado em 1992]. Autor de vários livros de ensaios
literários e jurídicos, esse cearense de Lavras da Mangabeira, que é
também membro da Academia Cearense Letras, entra os anos 90 com o
firme propósito de investir na literatura cearense. Depois de Ossos
do Ofício vai publicar obras de outros autores. Dimas Macedo
reconhece que o momento é de crise, mas não acredita que a idéia de
investir na produção cultural seja uma idéia suicida. Acha porém que
o escritor cearense tem motivo de sobra para se lamentar. “Além do
desmonte dos órgãos culturais pelo governo Collor, a Secretaria de
Cultura do Estado fechou as portas para a literatura cearense”,
critica.
DN – Como você se iniciou na literatura?
Dimas Macedo – Comecei com poesias há dez anos, quando publiquei o
livro A Distância de Todas as Coisas (1980). E estou retornando ao
gênero agora com Lavoura Úmida, um livro onde reúno vinte e sete
poemas basicamente eróticos e políticos. Durante esse período em que
me afastei da poesia, estive ligado ao ensaio. Foi a época em que me
dediquei à Universidade. Eu me liguei mais diretamente à
Universidade em 1983/1984, quando estava fazendo mestrado em Direito
e, em 1985, publiquei Ensaios de Teoria do Direito, que é um livro
de investigação filosófica. Fora esse livro publiquei outros ensaios
em jornais e revistas. E, em julho deste ano, me afastei da
Universidade porque precisava de mais tempo para escrever.
DN – Como se deu o afastamento da militância
literária?
Dimas Macedo – Eu me dediquei muito ao mestrado e consegui fazer a
tese que eu queria e que foi publicada em 1987, com o título, O
Discurso da Constituinte/Uma Abordagem Crítica, que é uma crítica,
no caso, ao discurso parlamentar e teórico do Poder Constituinte no
Brasil. Eu me afastei da literatura propriamente dita desde 1984,
quando enveredei pela teoria política e a teoria do direito. Ano
passado (1989), já sentindo a necessidade de retornar à literatura,
publiquei o livro de ensaios A Metáfora do Sol, pela Editora
Oficina. E decidi, no final do ano, resgatar os poemas inéditos,
pois estava totalmente absorvido pelas atividades jurídicas e isso
me deixava um pouco sufocado.
DN – Nessa época em que se dedicou a
atividades jurídicas, você escreveu algum poema?
Dimas Macedo – Saíram alguns poemas. E os poemas que saíram nesse
período eu consegui reuni-los em livro e a partir daí fiz uma
seleção. Vinte e sete deles foram para o Lavoura Úmida; os demais eu
rasguei. Quero começar do zero e começar tudo de uma forma nova.
DN – Com Lavoura Úmida você volta para a
literatura de uma forma definitiva ou não?
Dimas Macedo – De uma forma definitiva. Veja o que eu fiz agora.
Além do Lavoura Úmida, eu selecionei uns textos de crítica literária
– que eu acho que é o meu forte – e que vão ser publicados em
setembro, no livro Ossos do Ofício. São trinta e dois textos de
crítica sobre a literatura brasileira contemporânea. Alguns desses
textos já foram publicados em suplementos culturais de Minas Gerais,
São Paulo e daqui mesmo do Ceará. Outros são inéditos. E depois
disso vou me dedicar à feitura de um romance que está atravessado
dentro de mim há muito tempo. A princípio seria um romance meio
introspectivo, onde penso retratar a minha experiência política. Uma
visão referente à época em que atuo como militante do PSB/Partido
Socialista Brasileiro. Nele penso em incluir também a minha visão
literária do mundo e a minha dimensão afetiva. Enfim, a minha
experiência como um todo eu estou pensando em jogar nesse livro.
DN – A seu ver a literatura deve ter algum
engajamento no processo político?
Dimas Macedo – Eu sou contra o engajamento no campo específico da
literatura. Eu acho que só deve existir engajamento da literatura
com a realidade. Você não pode comprometer a literatura com a
ideologia, porque vai fazer panfletagem. Aliás, em A Metáfora do
Sol, no ensaio “Marxismo e Crítica Literária”, eu entro fundo nessa
questão, inclusive citando Marx e Engels. Os adeptos da literatura
panfletária dizem que eles eram a favor do engajamento. Eu acho que,
se deve haver algum engajamento, é o do cidadão para com o projeto
de cidadania e não o da literatura com a ideologia. São coisas
diferentes. Então eu cito Engels e Marx, no original, dizendo que
eles eram contra o engajamento da literatura, porque isso iria
mistificar o concreto real, de que falam também Milan Kundera e
Otávio Paz. Eu sou contra o engajamento da literatura, mas sou
totalmente favorável ao engajamento do escritor como cidadão, como
militante político.
DN – A sua poesia recebeu influência de
alguém?
Dimas Macedo – Sou pessoano. Li muito Fernando Pessoa e isso
influenciou muito o meu primeiro livro . Agora não. Eu gosto muito
de brincar com o universo da linguagem. Escrever para mim significa
viver. Não saberia viver sem a literatura e por isso diariamente
estou lendo. Na literatura você cria, você transfigura o real, o
concreto e obtém aquilo que não consegue com a ciência. A Literatura
é um lenitivo para o intelectual exasperado, mas é um lenitivo para
quem busca uma resposta para a vida.
DN – Como é a vida do escritor cearense hoje
que não dispõe de uma editora para publicar suas obras? Você se
enquadra nessa leva de desamparados?
Dimas Macedo – Digo o seguinte: nós temos uma literatura
interessante no Ceará. Uma literatura contemporânea das mais
expressivas. Mas veja o que aconteceu: os dois espaços editoriais
que tínhamos no Ceará: as edições da UFC e as edições da Secretaria
de Cultura foram destruídos. A minha geração, que começou a publicar
seus livros no final da década de 70, até 1985, aproximadamente,
tinha o apoio da Secretaria de Cultura. Mas de lá para cá, o
escritor cearense tem sido sacrificado neste sentido. O último livro
que publiquei pela Secretaria de Cultura foi em 1987. Mas de lá para
cá vi, de uma maneira geral, que não tinha alternativa. O meu livro
A Metáfora do Sol, a princípio, seria publicado pela Editora
Forense-Universitária, do Rio, que acabou desistindo. O que fazer,
então? Associei-me a Audifax Rios e juntos criamos a Editora
Oficina, através de investimento particular. Fui fazendo o livro de
forma alternativa. Fiz a composição, guardei o fotolito. Depois eu
comprei o papel e a coisa foi dando certo. O livro acabou sendo
impresso.
DN – E a proposta dessa nova Editora, a
Oficina, é apenas um projeto pessoal?
Dimas Macedo – Ela nasceu em 1989 com A Metáfora do Sol. Lavoura
Úmida é o segundo livro que sai do prelo agora. E o terceiro a ser
publicado pela Oficina será o Ossos do Ofício. Depois de publicar
esses três livros que estavam guardados, vou partir para publicar
outras coisas, de outros escritores. Acabei de pedir demissão da
Universidade [a Universidade de Fortaleza / Unifor] e vou me dedicar
agora a um escritório cultural.
DN – Numa época de crise como esta, em que o
governo federal fecha as portas para a cultura, um investimento
desses não é meio suicida?
Dimas Macedo – Não acho que seja suicida. É certo que houve uma
deliberada destruição da cultura pelo governo federal, com a
extinção de órgãos culturais. O presidente Collor colocou a cultura,
dentro do seu projeto de governo, talvez em último plano. O projeto
Collor não tem interesse na classe intelectual, porque o intelectual
pensa e questiona. O intelectual vai desmistificar e, por
conseguinte, desestabilizar aquilo que o Collor tem procurado passar
à sociedade. E digo que a lamentação do escritor cearense deve ser
maior do que aquela de outros Estados. Aqui, além do baque do
Ministério da Cultura, a Secretaria de Cultura fechou as portas à
literatura. Até hoje não entendi também por que colocar uma
Secretária de Cultura totalmente distante da nossa realidade. Eu
sempre achei isso uma loucura, uma coisa fora de propósito e que não
dá para justificar de maneira nenhuma. Sou contra tudo isso e não
posso ficar calado no momento.
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Diário do Nordeste,
Fortaleza, 09/08/1990.
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