Eunice Arruda
É Tempo de Noite
[in Correio Paulistano,
18.12.1960]
Poesia de solidão e desalentada
esperança, de ânsia de viver e também de jovem cansaço, tal é a que
nos apresenta Eunice Arruda em seu livro de estréia, “É Tempo de
Noite”. Estamos seguramente, em face de uma das mais dotadas e
pessoais da poetisas ultimamente surgidas. Sua expressão é simples e
pertinente, avessa ao palavreado fogo de artifício ou vazio de
denotação: só de raro em raro é capaz de ceder a alguma influência,
a alguma saída falsa ou debilidade vocabular. Em tão verdes anos
como os que possui a poetisa, chega a surpreender como consegue ser
tão densa com elocução tão simples, como logra transmitir tão nítida
impressão de mocidade amarga, de juventude que aspira a viver
intensamente como flor violenta ou flama iluminando trevas. Até o
terra-a-terra, para essa ânsia de vida, é campo propício às
incursões em profundidade; a poetisa não deseja asas para o vôo mas
simples alpercatas para a caminhada no alqueire que lhe coube. Por
isso mesmo, porque não se evade, mas vive tudo o que a rodeia, é que
se sente interiormente envelhecida; o muito sentir é o verdadeiro
conhecer e o verdadeiro conhecer é o tempo concentrado: “que importa
somos poetas / somos velhos”.
Nessa aguda penetração das coisas e
dos fatos, a poetisa é capaz de sofrer o silencio quando se vão
dentro da noite, os passos na calçada, ou é capaz de lastimar a
debilidade dos que não abrem a porta aos que batem, dos que não
querem viver:
Quem em minha porta bate
tão triste só de bater
Quem em toda porta bate
e ninguém vai atender?
Será a vida
que a gente
sempre esquece de viver?
Agora em minha porta
alguém bate
Não ouço mas sei que bate
Eu tenho dó de quem bate
por isso vou atender
Eu tenho dó de quem ouve
sem coragem
de atender.
A poesia de Eunice Arruda é densamente
amarga, talvez por ser tão reduzido e esquemático seu universo,
cheia de mansa angústia e tranqüila desesperança:
Há uma mulher dentro da noite
com meu rosto
com meus olhos
com minha angústia
Do dia impregnado de promessas
restou apenas uma mulher
Só mulher
Uma mulher ficou triste dentro da noite
triste
sentindo o frio gelando-lhe a vida
sem esperança
Há uma mulher triste dentro da noite
com meus olhos
como meu rosto
com minha angústia
Oração e sono para ela.
Essa é a estreante lançada por Massao Ohno
Editora, em livro com capa e ilustração de João Suzuki - PÉRICLES
EUGÊNIO DA SILVA RAMOS
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