Eleonora Cajahyba
Lampejos da meia-noite
Gérson Pereira dos Santos
Não gosto de prefácios.
Eles dizem, quase sempre, sobre um livro do autor, um momento de sua
criação literária, mas olvida os outros momentos de outros livros
que, como o prefaciado, integram a mensagem do autor, o seu trânsito
pela vida, os seus fantasmas, mortos ou vivos, as paisagens que
sucederam como se vistas pela janela de um trem, seus sonhos e seus
anelos. Não gosto de prefácios. Gosto, no entanto, de Eleonora
Cajahyba, alma irmã, amiga e partícipe dos caminhos do viver, do
sonhar e do sofrer, como demonstrou diante do sofrimento que
culminaria com a morte de um amigo querido: “Escasseiam-me as
palavras ante a beleza e a profundidade do seu sentimento e da sua
dor. Tropeço nas vascas de sua agonia e caio vertiginosamente na
impossibilidade de atingir o seu mundo, muito além do nosso, o céu
de seu amor a todos”.
Eleonora, após os
exaustivos reclamos da atividade judicante, buscava, nas noites
longas, seus snug resorts, seus lugares silenciosos, para deixar que
lhe saíssem da alma os encantos e desencantos que se ocultam no
silêncio do verso. Quando a noite se vai, Eleonora, cansada,
desabafa: “Adeus sonhos! Adeus luares!/ Onde estais, onde vos
perdestes?” Depois, sozinha, celebra a epifania do novo alvorecer.
Antes das breves
considerações, que pretendo entretecer, quero lembrar a autora
destes “LAMPEJOSDA MEIA-NOITE”, há algumas décadas, quando
freqüentávamos a Faculdade Livre de Direito da Bahia, hoje parte da
Universidade Federal. O nosso “templo” se localizava, então, na
Piedade, guardado por dois leões de pedra que foram parar na Escola
de Teatro da mesma UFBa. Ali, Eleonora, após a graduação, faria, com
brilhantismo, o curso de Doutorado em Direito.
Era uma jovem altiva,
linda, alta e elegante, que se dedicava com entusiasmo aos estudos
da ciência jurídica; pálida, parecia uma lady que fugira da tela de
Rosetti, mas já defendia, de maneira intimorata, seus pontos de
vista sobre qualquer tema, inclusive quando se tratava de
literatura. A cidade de Salvador era para todos nós uma das mais
bonitas do mundo. A rua Chile, o point dos fins de tarde, as praias
de areias brancas acariciadas pelo mar, os nostálgicos bondes
elétricos, os monumentos bem cuidados, as ruas festivas, o povo
alegre e educado, tudo parecia transformar Salvador numa cidade de
magia e encanto.
Em versos de seu
primeiro livro (TEMAS E RIMAS) a nostalgia estava presente: “A chuva
tamborila na vidraça / compondo uma elegia. É madrugada, / e o vento
forma o coro das saudades”.... e, também, versos de sua constante
ingenuidade: “Três pontos, um dia, surgiram / Reticências.../ Mas, o
inexplicável da vida baniu um. / Ficaram Dois pontos: Depois o
Destino invejou tal união / e cortou, então, mais um: Surgiu o Ponto
Final”.
Indo a seu segundo livro
(ESTRUTURA METÁLICA), encontro o poema “Reflorescimento”, cuja
primeira estrofe vale lembrada: “Sairei pelos campos, / despida de
tudo, / vestida de simplicidade. / Trocarei o meu diadema de
brilhante / por uma guirlanda de flores silvestre. Vestir-me-ei de
uma túnica branca / que exala o perfume dos lírios...”
Para Nathan Coutinho a
poesia de Eleonora Cajahyba é “moderna na estrutura, lírica na
essência e profunda nos conceitos”. Concordo. Em Silêncio do Verso
ela trabalha, com talento, lindos sonetos como o que dá o título ao
livro, bem assim “ Louvação do Amor”, “O Perfume e a Rosa” e
“Transmutação”, no qual, nos tercetos, ela conclui melancólica, mas
iluminada: “Quem mais aquela dor embalaria / apagando a tristeza, se
quisesse / transportar das estrelas a alegria?”... “Se exilar o
passado alguém pudesse, / o pranto da saudade beijaria / este
silêncio que jamais se esquece”.
De repente, na vida de
Eleonora, algo ocorreu: a morte de um querido amigo. Isso a fez
reviver recordações de Joseph Leydenbach, sua esposa, filho e, até,
dos netinhos Nicolau e Clara. Joseph era um conhecido escritor e
banqueiro que residia em Luxemburgo. De certa forma, sem esquecer a
sua poesia, Eleonora apresentou-nos uma “quase” dupla autobiografia
com o seu livro MIL ANOS DE AMIZADE.
Depois de duzentas e
quarenta e sete páginas e vinte cinco anos de correspondência, que
fluíram como as águas de um rio, Eleonora quis fazer apenas o que
lhe era possível plantar um buquê de lágrimas no jardim da saudade e
do coração, pois, como própria diz: “as lágrimas adubam as rosas, a
dor, a lembrança e o nosso Adeus”.
Com LAMPEJOS DA
MEIA-NOITE, Eleonora dá início a uma nova fase em sua poemática.
Apenas sonetos contêm esta nova obra. A atemporalidade da forma
torna-a, por assim dizer, eterna. Para Miguel Sanches Neto, “o
soneto foi e continuará sendo um elemento de identidade da língua e
um território de provação para os poetas que queiram ultrapassar os
horizontes de recepção mais imediatos”. Por isso, ousadamente,
Eleonora abre o volume querendo homenagear a própria estrutura do
soneto: “És lógico na síntese da idéia, / no ritmo e perfeição da
pura forma, / além de ter o encanto de Frinéia, / tens conceito,
rigor, cadência e norma”.
Em “Enganos”, em rimas
paralelas, Eleonora retoma o tema da solidão e da tristeza: “Somos a
solidão dos vastos mares”, e completa esclarescedoramente: “muitos
fingem que a é sem pesares, / escondendo de todos a desdita / de
sofrer do vazio que aflige e grita”. Na “Balada do Ontem e do Hoje”
ela revela que já cantou o amor, o vento afável, a tristeza, a
saudade, a comoção, a fria morte, o sentimento e as rosas rubras da
paixão. No quarteto seguinte arremata: “ Joguei-as lá no caos do
esquecimento / e colhi-as no enlevo da oração; / mas chega tão
pungente o desalento / e dói na alma e tritura o coração”.
Comprimento, rejubilado,
a autora de LAMPEJOS DA MEIA-NOITE. Encontrei na poesia de Eleonora
Cajahyba a mesma alegria que nunca deixou florescer em sua alma
dulcíssima. A sua sensilidade é tanta que, ao crer ter perdido o seu
relojinho, terno companheiro do seu leito, ela diz de sua saudade,
da falta que ele faz nas noites e nos amanheceres quando, dedicado,
a acordava. Mas, em novo soneto, ela o encontra e a emoção toma-lhe
todo o ser. Sensível, fala-nos a poestisa de Eleonorinha, pingo
meigüíssimo de gente, sua netinha, “rósea e terna como uma flor”.
Falando da mulher de “talhe perfeito na simetria da forma longa,
esbelta e majestosa”, lembra que tudo isso só vale quando a alma é
luminosa.Que Eleonora Cajahyba continue a sonhar e escrever,
percorrendo sempre as estradas enluaradas e retemperando-se nos mais
belos e tranqüilos sonhos.
“Não é exato que poetas
devem ser lidos apenas por poetas. Tanto assim que, embora sem
privilégio de ser poeta, foi com encantamento extraordinário que li
os belos versos de Maria Eleonora Cajahyba, poetisa cuja arte
desabrocha cheia de sensibilidade e vigor, afirmando-se como das
melhores de sua geração. A renovada poesia, que ela agora nos
revela, enaltece as melhores tradições da Arte Poética na Bahia”.
In Luiz Viana Filho
Da Academia Brasileira de Letras
“Maria Eleonora é uma poetisa de raça. Corre nas suas veias o sangue
de Castro Alves- o maior poeta das Américas, quiçá do mundo.
Inteligente e culta, poetisa inspirada, por si só desmentiria a
afirmativa do desajustado Schopenhauer. Os que vão ler o belo poema
de Maria Eleonora, que adiante publico, encarte-se-ão, como eu me
encantei, com seu talento que um amigo do lugar comum chamaria de
escol....”
In Camilo de Jesus Lima
“Seus versos não são vazios ou estéreis. Eles têm alma, calor e
humanidade. E dizem muito. Dizem coisas que vivem dentro de nós e
que nós mesmos não sabíamos de sua existência. É nesse sentido quase
divinatório, que marca o grande poeta. Ele está presente à poesia de
Maria Eleonora”
Mário Cabral
In Jornal A Tarde (Salvador)
“Revelam (os versos de Maria Eleonora Cajahyba) uma sensibilidade
artística aprimorada pela cultura, transmitem beleza e emoção (...)
É uma poetisa personalíssima (...) moderna na estrutura, lírica na
essência, profunda nos conceitos”.
In Nathan Coutinho
“Maria Eleonora Cajahyba, grande expressão da Bahia intelectual,
ocupa lugar honroso no quadro dos que têm sabido elevar o verso às
alturas onde residem os anseios e os sonhos, que impulsionam e
alimentam os poetas. Em muitos dos seus versos, o tom filosófico
deixa antever a preocupação do futuro, como no Canto do Amanhã (...)
no silêncio rumoroso dos seus versos, que relembram dias
ensolarados, horas sombrias, tempos idos e vividos”.
In Jayme de Sá Menezes
“(...) busca transmitir nos seus versos, como Cecília Meireles o
fazia, tudo o que sente da vida, (...) e sai cantando, pela estrada
luminosa, embriagada de sonho e beleza”.
In Antônio Loureiro de Souza
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