Eduardo Diatahy B. de Menezes
A morte
do livro na era virtual?
Nos inícios dos anos 70, as idéias do
ensaísta canadense, McLuhan, ainda faziam furor em nossos meios
acadêmicos: "o meio é a mensagem", "os meios como extensões do
homem", as comunicações de massa transformaram o mundo numa "aldeia
global", etc. Como todo modismo intelectual, tais idéias foram
lentamente sendo esquecidas na lata de lixo da História.
Dois anos antes, maio de 1968,
estivera entre nós Edgar Morin, que pronunciou conferência sobre as
teorias da cultura de massa e da indústria cultural. Algum tempo
depois, também veio à Fortaleza Ariano Suassuna e fez conferência no
auditório da Reitoria da UFC, para um público de universitários,
sobretudo de alunos de comunicação e alguns professores. Durante os
debates, um estudante levanta-se e interpela o conferencista,
afirmando que "em nosso tempo, o livro já era!", e concluía dizendo
que suas concepções eram ultrapassadas. Ariano, pacientemente,
indagou do jovem onde ele tinha visto tais idéias, ao que ele
respondeu de pronto: "no livro de McLuhan!". E Ariano retrucou:
"obrigado!" Nem todos perceberam a ironia socrática de mestre
Ariano. Mas ela servirá de insígnia para minha reflexão sobre o tema
da indagação, título deste escrito.
Ora, desde que o impressor alemão
Johannes Gensfleisch, nascido em Mainz por volta de 1394 e falecido
em 1468, mais conhecido porém como Gutenberg, inventou a tipografia
de caracteres móveis, a edição de livros deixou de ser criação
restrita de objetos caros e raros, tornnado-se a primeira produção
em série, prenunciando os tempos modernos e a era industrial. Vem
desse século a célebre Bíblia latina em duas colunas de 42 linhas,
de que a Biblioteca Nacional (antiga Biblioteca Real, legada ao país
por D. João VI) possui um dos seus raríssimos exemplares. A expansão
do conhecimento e as inovações técnicas que propiciaram as grandes
navegações, aliadas ao crescente acesso às informações, próprias do
período, produziram mutações sociais e culturais que podem ser
comparadas, analogicamente, às transformações suscitadas pelas
tecnologias espaciais e as da informação em nossos dias.
Assim, se há um objeto, a um só
tempo, precioso e quotidiano que pode ser considerado como símbolo
da modernidade, este é por certo o livro, tal como o concebemos
desde então. De fato, ele se tornou não só instrumento individual de
trabalho e prazer, como assumiu também o papel indutor de profundas
modificações na cultura da oralidade em que tinha vivido a maior
parte da humanidade desde tempos imemoriais. Ampliou a possibilidade
de produção de textos e imagens bem como os meios de acesso aos
saberes, multiplicando a existência de livrarias, expandindo o seu
comércio e a sua produção. As crenças dos que se filiam às chamadas
"religiões do Livro" (judaísmo, cristianismo e islamismo) tornaram
objeto sagrado o repositório de suas doutrinas. Algo semelhante se
deu no campo político, onde algumas obras se tornaram o veículo de
mobilização das massas. Entre outros raros bens, o livro virou
objeto de arte e fetiche dos novos tempos.
Processo captado por Umberto Eco, ao
montar astutamente a trama ficcional e erudita de seu O Nome da Rosa
em torno da investigação de crimes que se sucediam no interior de um
mosteiro medieval no norte da Itália, cuja imensa biblioteca
possuiria o único exemplar existente da 2ª parte, perdida, da
Poética de Aristóteles, em que este examina o 'cômico': tais mortes
misteriosas estariam relacionadas com o desaparecimento dessa obra,
sob a guarda de velho bibliotecário cego, no qual não é difícil ver
maliciosa alusão a Jorge Luis Borges, sabidamente um cultor dos
livros.
Pois bem, em nossa época de avanço
exponencial das tecnologias de comunicação e informação, resumidas
na presença avassaladora da Internet, surgem novos profetas
anunciando a morte do Livro! Felizmente, o que se tem presenciado é
o processo contrário: nunca se produziu tanto livro e jamais houve
um acesso tão amplo a informações de toda ordem, contidas nas
maiores bibliotecas e museus do mundo; jamais existiu uma livraria
com um acervo de 3 milhões de livros como a 'Amazon.com', e criações
generosas como a Biblioteca Virtual do Estudante produzida pela USP
ou o Jornal de Poesia realizado por Soares Feitosa, que põem enorme
volume de livros à disposição na Internet. Nossos velhos hábitos
mentais não nos fazem capazes de vislumbrar sequer as mudanças que
ainda virão nesse rumo sem limites.
Fortaleza, 27 de julho de 2000.
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