Emanuel Medeiros Vieira
Num motel tosco
Ela agora está dormindo (ou finge que
dorme).
São três horas da
manhã. Toalha na barriga, em frente ao espelho. Estou velho e
devastado. Sim, pelo espelho observo que ela, por não perceber que
também a estava vendo, está de olhos abertos. Olhos abertos,
parados. Infi¬nitos. E vi que ela também estava velha e devastada.
Quando a conheci,
naquela zona de Luziânia, ela era nova, bonita e morena e a energia
era grande. Já na primeira vez que saíra com ela, eu disse, “vou
arrumar grana e te tirar daqui.” Dizia isso todos os meses.
Fevereiro: “Vou
arrumar grana e te tirar daqui”.
“Vou arrumar
grana e te tirar daqui.”
No começo ela
ria, quem sabe, com uma ponta de esperança, continuou rindo alguns
meses, depois apenas fez silêncio, mas o rosto era ainda generoso.
Mas os anos passaram (certamente eu a amava), um, dois, cinco, dez
e, no final, ela apenas enterrava o rosto no travesseiro, enquanto
eu olhava o que fora feito do meu corpo naquele espelho de um motel
vagabundo.
Nesta madrugada —
enquanto um rádio toca uma guarânia —, fazem vinte e cinco anos da
primeira vez.
“Vou arrumar
grana e te tirar daqui.” (Isto queria dizer: casa, sustento,
FAMÍLIA, churrasco aos domingos no parque, uma missa anual,
sorrisos, uma cachaça ao anoitecer). Era o nosso anoitecer.
Fiquei me olhando
e senti um arrepio (que nunca conseguirei descrever) pela minha
devastação, os sulcos, as crateras no rosto, o ralo cabelo branco, o
ventre enorme e eu a olhando através do espelho e ela, velha,
carcomida também, ainda com algum traço daquela beleza tão
pretérita.
“Fizemos nossas
Bodas de Prata”, eu disse com um sor¬riso de dor (crispado), como se
vomitasse todos os restos de uma comida de véspera e ficasse
infinitivamente vazio. Ela não disse nada, olhos baços, parados.
Infinitos.
É madrugada, eu a
levo para a sua pensão, chove no asfalto, silêncio.
No rádio, uma
outra música lancinante e vou deixando Lucinete na pensão em que
vive com outras prostitutas que um dia também foram jovens e que
deviam também ter ouvido promessas vãs (“Vou arrumar grana e te
tirar daqui”) e nada temos a dizer um para o outro. Apenas, um sinal
vermelho no painel do carro indica que o óleo está acabando.
|