Enéas Athanázio
"Águas Passadas"
Não é fácil
encontrar algum livro de José Boiteux. Por isso, sempre que pilho
algum, leio com interesse, estudando fundo e forma. Foi o que
aconteceu agora, com o volume “Águas Passadas”, coletânea de contos
publicada pela Livraria Central, de Florianópolis, no remoto ano de
1932. O volume reúne oito contos de fundo histórico, todos eles
relacionados, de alguma forma, com a história e a gente de Santa
Catarina. O próprio título já indica que se trata de fatos
pretéritos, temas que – imagino eu – constituíam a preferência do
Autor, como também ocorreu em “Arcaz de um Catarinense”, comentado
por mim nesta mesma página.
Nesta coletânea,
como na outra antes referida, Boiteux se revelou admirável narrador
e exímio conhecedor de nossa história. Apesar da linguagem antiga,
rebuscada e empolada, própria de tempos em que o modernismo ainda
andava longe daqui, exigindo algum esforço na leitura, seus contos
agradam e prendem. O leitor sente com perfeição o ambiente formal, o
tratamento cerimonioso, a lentidão caprichosa dos diálogos entre as
pessoas, inclusive entre amigos chegados, num tempo em que tudo
acontecia devagar e as pessoas dispunham da eternidade. Os trajes, o
mobiliário, a arquitetura, o uso do rapé, os nomes curiosos dos
logradouros, as tricas e futricas em torno das figuras poderosas,
tudo transparece muito nítido das páginas do contista catarinense
que fundou nossa velha Faculdade de Direito.
O humor está
sempre presente, quer ao relatar o comportamento leviano de um
governador ou as troças de que se valia outro, ou olhando com fina
ironia as atitudes das pessoas gradas, e vai desfiando casos
interessantes que envolvem episódios ou figuras da época, a exemplo
do Tio Chico e seus despautérios, do velho Zé Mendes e do filho do
Antonico do botequim.
O ponto
culminante do livro, no entanto, foi alcançado pelo último conto –
“O Monge do Arvoredo.” Escrito com compreensão e simpatia, revive a
passagem do “monge” João Maria Agostinho pela Ilha do Arvoredo,
quando nela permaneceu, e das curas que diziam realizar nos doentes
que o procuravam, gente pobre e abandonada. O “monge” é descrito em
seus traços físicos e psicológicos, destacando o desprendimento
pelos bens materiais e pelo dinheiro. Até o seu desaparecimento
daquele local. “Um dia foi notado que não mais ardia a fogueira que,
à entrada da gruta, João Maria Agostinho acendia constantemente. O
que se teria passado? – Porventura morrera o monge? – indagava a
gente daquela redondeza. Alguns pescadores para lá aproaram as suas
canoas e verificaram nada demonstrar ter ali vivido alguém. Terreno
de todo limpo. Infrutífera uma batida geral em toda a ilha...”
(págs. 106 e 107). É um depoimento em geral esquecido sobre uma das
figuras mais importantes do “Contestado.”
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