Elaine Pauvolid
Donjuanismo e estilo
O Burlador de Sevilha,
de João Gabriel de Lima,
Editora Companhia das Letras,
125 páginas. R$ 19,00
João Gabriel de Lima é jornalista e estréia como
escritor com O Burlador de Sevilha (Companhia das Letras), entrando
no rol das versões de Don Juan, solo pisado por grandes poetas,
escritores e dramaturgos. O livro remete-nos a uma destas versões, a
novela do autor que se tornou conhecido por ter escrito Carmen. Em
As Almas do Purgatório de Mérimée, Don Juan é um jovem abastado,
impiedoso para com as mulheres, conquistando e as abandonando como
um “serial lover”. De origem católica e profundamente influenciado
pelo medo do inferno, isola-se num mosteiro. Mas seu destino já
estaria escrito como o de Carmen e seu fim será tenebroso.
A comédia de Tirso de Molina, El Burlador de Sevilha
(1630) foi a primeira aparição do personagem. Por que este gera
tantas obras? Será o seu número de versões proporcional ao número de
amantes do enigmático personagem? Don Juan é essencialmente um
suscitador de obras de arte, como a personagem Carmen (Carmen,1847)?
Outra questão, Merimée foi realmente o criador da Carmen e Tirso de
Molina é o pai de Don Juan? Talvez Merimée e Tirso sejam apenas pais
oficiais e os mitos encarnados por seus personagens possuam origens
bem mais abissais e imersos no Imaginário.
O livro traz narrativas que se entrecruzam e
preocupação em trabalhar a linguagem mais do que contar uma
história, marcas do romance contemporâneo. Traz, em respeito à
mulher, visões agressivas, característica do mito donjuanesco. No
caso do novelista francês a representação da mulher passa por uma
indiferença do conquistador em relação aos sentimentos femininos. Em
João Gabriel colocam-se as mulheres no papel de patéticas criaturas
enfadonhas. Don Juan não ama as mulheres e este desamor aparece de
diferentes formas em cada versão.
Há ensaísmo sobre criação literária. Para o
protagonista-narrador, escrever um livro é ter o ente inspirador
morto. Não é uma tese sobre a biografia que só se completa depois
que o biografado falece. J.G.L. percebe que para a imaginação
transformar-se em obra de arte é necessário maturação e o autor ter
se desprendido dela para passar ao papel o que esta faculdade foi
capaz de produzir, permitindo, após este processo, a circulação da
obra. Outro dado interessante é o enfoque da mentira como algo mais
que embuste, traduzindo-a numa forma da expressão da imaginação,
ligando o tema da escritura ao da burla e de seu grande mestre, Don
Juan.
* Elaine Pauvolid é poeta e ensaísta, autora do livro
de poesia: Brindei com Mão Serenata o Sonho que Tive durante Minha
Noite-Estrela... (Imprimatur/7 Letras) pauvolid@olimpo.com.br
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