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Horácio Rodrigues


 


O Enigma Pauvolid



"O poema é o ato social
de uma pessoa solitária."
William Butler Yeats

 

Bar Jangadeiros - Ipanema – Rio – semana passada, lançamento daquele que com certeza, ao final deste 2000 será eleito um dos dois melhores livros do ano. Chego ao local por volta de 20:30h, a fila dos autógrafos já era invejável e permaneceria assim até meia noite e alguns minutos.

Habitando uma mesa em frente ao autor, um tipo comum aparentemente inofensivo. Sorumbático, cabelos engordurados e idéias idem rabiscava a toalha de papel. Mais tarde ele abandonaria seu território à procura de vítimas de mesa em mesa provando que de inofensivo não tinha nada.

Na mesma noite, no mesmo local, sou apresentado à Elaine Pauvolid - "BRINDEI COM MÃO SERENATA O SONHO QUE TIVE DURANTE MINHA NOITE ESTRELA..."- Ed. Imprimatur – Rio –1 998 - autora de uma poética nada fugaz, de doce desencanto, ciente da efemeridade da vida e dos versos.

Bancando o detetive, ele achou melhor viver. Escolheu assim esta estranha inspiração para seu sofrer E não é que o danado conseguiu, enfim, morrer?!

Pois o nefasto "tipo" foi parar na mesa da Elaine e lá com sua inquieta mão pesada desferiru versos abjetos sobre a toalha, sobre os bons modos, sobre a paciência e sobre o exemplar de BRINDEI COM...que eu acabara de ganhar autografado pela autora. Hoje tenho em minha instante a prova de que amor e ódio andam juntos. Cada vez que abrir BRINDEI COM... amarei Elaine e odiarei o venenoso "tipo".

Cabe ressaltar que esses "animais dos bares" infelizmente não estão em extinção, nascem e se multiplicam como pilares de neve da pior poesia possível neste implacável/eterno verão carioca.

Para UM Luís Augusto Cassas, alquimista que transforma a pedra em poesia e filosofia, ( ver BHAGAVAD-BRITA-ed. Imago -Rio-1999) MILHARES destas bestas de bares se encarregam de jogar na lama a combalida poesia.

Enquanto isso, na trincheira exclusiva dos raros talentosos e autênticos poetas, Elaine resiste.

A DOR é feia e vinho
A dor e vinho.
A carne é vinho e escorre pelas frestas abertas
Bem que é verdade
Alguém me disse assim
Alguém me disse que meu filho estava morrendo
Eu bem sei que fui eu que não dei a comida e a água para ele na hora certa
Fui eu quem o deixei morrer.
Porque hoje de manhã quando eu amanheci
e fui até o quarto dele vi que tinha, ele, amanhecido morto.

 

A poesia de Elaine não imita a realidade talvez em excesso se adeqüe a patética realidade - por vezes falta paixão e o verso vira imagem. Alguém já disse que " quanto mais poético mais verdadeiro". E "BRINDEI COM... desvenda o mistério da vida, em suas poucas páginas a certeza de que não é uma mala cheia de versos o retrato do poeta. O poeta é a seta apontando
a nova realidade.

Enigmático, assim defino BRINDEI COM... indeciso entre a sinceridade dos sentimentos e a sinceridade psicológica, o que não diminui a qualidade, muito pelo contrário, o atestado de autenticidade vem de Fernando Pessoa:

O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

 

Diferente de Paula Taitelbaun (sem vergonha - ed. L&PM) onde há predomínio das rimas, Elaine se aproxima de Jorge Pieiro (Caos Portátil - ed.Letra e Música) com seus fragmas e contemas, ex. FOLHA SECA pág.32. Um dos méritos de Elaine é não tentar mitigar a sua dor tampouco contemplar mundos idealizados, não há sonhos (otimismo) em Elaine, o que não é bom nem ruim, simplesmente não escapa do real, muito pelo contrário, simplesmente apresenta a extensão da dor. Não há esquinas na poesia de Elaine, a rua é reta e não aceita mudança de direção, o cotidiano amordaçando a emoção. Fica faltando a indispensável emoção forte. Mas Elaine talvez não necessite saber do sofrimento nem da alegria de outros seres humanos.

Conforme Sartre, "o fazer é revelador do ser; cada gesto desenha figuras novas sobre a terra; cada técnica, cada utensílio é um sentido atento para o mundo. As coisas têm tantas faces, quantas são as maneiras de nos servirmos delas. Não nos colocamos entre os que pretendem possuir o mundo, e sim entre os que desejam mudá-lo."

E BRINDEI COM A MÃO SERENATA...é o primeiro movimento de Elaine nessa direção, enquanto isso façamos como Voltaire: Vamos cultivando nosso jardim.

BRINDEI COM MÃO SERENATA
O SONHO QUE TIVE DURANTE
MINHA NOITE ESTRELA
Autora: Elaine Pauvolid
Ed.Sette Letras/ Imprimatur
Rio de Janeiro



(*) Horácio Rodrigues é, entre outras coisas, dramaturgo e diretor de Teatro. Nasceu em Rosário do Sul/RS, mas vive no Rio de Janeiro/RJ.
 



Elaine Pauvolid
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