Felipe Araújo
O mestre por inteiro
Da Redação
Projeto da editora Ouro sobre Azul
reedita a obra completa do professor e crítico Antonio Candido e
restitui às novas gerações de leitores a força e o ''movimento''
analítico de um dos principais pensadores brasileiros de todos os
tempos
Um dos traços norteadores da obra
caudalosa de Antonio Candido é a consciência de uma saudável
dinâmica que cerca as interpretações e análises na seara das artes -
e da literatura, em especial. Embora seja um intelectual que
reconheça os valores estéticos para além das amarras dos valores
éticos e políticos, ele é, na definição da crítica Leyla
Perrone-Moisés, um crítico de enunciação delicada, que nunca se
apresenta com juízos de verdade definitivos e indiscutíveis. ''No
lugar das certezas, Antonio Candido prefere o prazer do movimento'',
reforça o jornalista José Castello.
O projeto da editora Ouro Sobre Azul
de relançar toda a obra de Antonio Candido vai permitir às novas
gerações de leitores constatar como o pensamento de Candido vem
realizando seus movimentos dentro do campo das letras e da cultura
brasileira ao longo dos últimos 60 anos. E, mais importante até, vai
revelar como a própria literatura brasileira vem se movendo e se
reconfigurando dentro e a partir das idéias de um dos mais
importante pensadores brasileiros de todos os tempos. Coordenado
pela designer e editora Ana Luisa Escorel, filha do professor, o
projeto vai contemplar todos os livros de Candido (incluindo volumes
inéditos) e deverá ser concluído no ano que vem.
Até agora, a Ouro sobre Azul já editou
sete livros. Brigada Ligeira, o primeiro livro de
Candido, foi publicado originalmente em 1945 e é quase todo formado
por artigos sobre a narrativa brasileira dos anos 40. Na época,
Candido foi o primeiro a tentar realizar uma análise do conjunto da
obra ficcional de Oswald de Andrade - ''Imagino, pelas rasteiras que
passa nos contemporâneos, as rasteiras que passará nos críticos do
futuro'', antecipou - e um dos primeiros a chamar atenção para os
livros de dois escritores até então desconhecidos: Clarice Lispector
e Fernando Sabino. ''Este romance é uma tentativa impressionante
para levar a nossa língua canhestra a domínios pouco explorados'',
escreveu sobre Perto do Coração Selvagem, de Clarice.
Em O observador literário,
de 1959, Candido consolida sua guinada para os estudos literários -
ele que até então era professor assistente de sociologia na USP. E
começa também a se interessar por um tipo de análise que se detém na
personalidade de alguns escritores e na relação entre obra e
biografia. É quando traça deliciosos ''retratos'' de personalidades
como Mário e Oswald de Andrade, Giuseppe Ungaretti e Vinícius de
Moraes. ''Se hoje dermos um balanço no que Vinicius de Moraes
ensinou à poesia brasileira, é capaz de nem percebermos quanto
contribuiu, porque, justamente por ter contribuído muito, o que fez
de novo entrou para a circulação, tornou-se moeda corrente e
linguagem de todos'', celebrou.
Iniciação à LIteratura
Brasileira é de 1978 e reafirma as propostas do fundamental
Formação da Literatura Brasileira, lançado por ele em
1959. Segundo o professor, o homem brasileiro era fruto não só de
sua formação social, mas também do mundo imaginário criado por seus
artistas e escritores... Já Vários Escritos é composto
por textos produzidos entre os anos 60 e os anos 80. Neles, Candido
defende, entre outros temas, o papel das universidades e das
ciências ''humanas'' no contexto da cultura brasileira. ''Era
preciso estabelecer em certos setores um tipo de ensino superior
desvinculado das injunções imediatas da formação profissional; e
criar um tipo de ensino ligado à pesquisa, que tivesse como
finalidade maior a investigação, a descoberta, a inovação'',
escreveu sobre a criação da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas de São Paulo.
O discurso e a cidade e Recortes
são livros de 1993 e também contemplam um amplo leque de temas. Em
especial, Recortes, que reúne 50 textos que vão de
palestras, discursos, artigos de jornal e revistas até a perfis de
mestres e amigos. O formato de coletânea também pauta a edição de
O albatroz e o chinês, livro mais recente do professor e
único título inédito dentro dessa primeira leva de reedições da Ouro
sobre Azul. Aqui, Candido vai da análise de aspectos da obra de
Mallarmé e François Villon até reminiscências sobre Mário de Andrade
e comentários entusiasmados sobre o pensamento de Darcy Ribeiro.
Sobre o funeral de Darcy, um
emocionado Candido escreve: ''Há certo simbolismo nas três bandeiras
que cobriam o seu caixão: a do Brasil, a do seu estado de Minas
Gerais e a dos Sem-Terra, pois esta modificou o significado das
outras duas. De fato, irmanadas à terceira, elas não encarnavam o
país dos donos da vida, nem eram pendões de festa cívica, objetos
cansadíssimos de discursos em cerimônias rotineiras. Misturadas com
a bandeira dos espoliados, que lutam para sobreviver, representavam
também o país dos pobres, dos que precisam ser finalmente
incorporados à nação''.
Mais do que um crítico que soube se
movimentar com originalidade e clareza de estilo dentro do panorama
geral da literatura brasileira, Candido tornou-se também um pensador
que não se furta aos impasses e questões políticas e humanas
colocadas por seu tempo. Na medida em que entende o homem brasileiro
como resultado da história literária da Nação, consolidou seu nome,
como bem define Alain Touraine, como um intelectual que estuda o
passado não como uma operação saudosista, mas como um possibilidade
de abrir caminhos para grandes movimentos democráticos e de
cidadania no presente. Eis o atestado de força e de permanência em
sua obra.
Serviço:
O Albatroz e o Chinês (160 pág., R$ 25,50); Brigada Ligeira (112
pág.,
R$ 18,00); O Discurso e a cidade (288 pág., R$ 46,00); Recortes (296
pág.
R$ 47,50); Vários escritos (272 pág., R$ 43,50); O observador
literário (120 pág., R$ 19,50); Iniciação à Literatura Brasileira
(136 pág., R$ 21,00), de Antonio Candido. Editora Ouro Sobre Azul.
Leia Antonio Candido
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