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Fernando
Correia da Silva
<np33wk@mail.telepac.pt>
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Fernando Correia da Silva
(notícia sobre o
Autor e a sua obra)
Nasce em Lisboa, em 1931.
Anos 40, a guerra mundial,
a vitória dos Aliados, a campanha do Norton de Matos, a militância
no MUD Juvenil, a detenção no presídio de Caxias.
A frequência de Ciências Económicas e Financeiras, rua
do Quelhas.
Formação literária?
Talvez a turbulência de Camilo, a ladinice pícara de Aquilino,
o realismo de Graciliano Ramos e Manuel da Fonseca. Também o sarcasmo
de Alexandre O'Neill e a verrina surreal de Mário Henrique Leiria,
um e outro seus amigos de aventuras várias. Revolução,
também a do imaginário.
1950: COLHEITA, um livro
de poemas.
1952: Uma novela infantil,
AS AVENTURAS DE PALHITA, O TOURO. No mesmo ano, com Alexandre O'Neill,
publica A POMBA, jornal clandestino de poesia militante.
1953: No exterior, com Agostinho
Neto, Marcelino dos Santos e Vasco Cabral, declara-se pró independência
das futuras pátrias africanas. Regressa a Portugal varando as malhas
da polícia política.
1954: Perseguido pela PIDE,
abandona Económicas e salta para o Brasil.
1955: A descoberta de que
há outras formas de falar e escrever, afinal a língua portuguesa
saiu da estufa, já não é o galego do sul, adaptou-se
à vastidão.
1956: Na FOLHA DE S. PAULO
concebe e dirige a FOLHINHA, o suplemento infantil editado ainda hoje.
1960/64: Em São Paulo,
coordenador editorial da CULTRIX e depois da DIFUSÃO EUROPÉIA
DO LIVRO. Publica dois livros de sucesso, biografias, várias edições,
OS DESCOBRIDORES e OS LIBERTADORES. É um dos fundadores do jornal
antifascista PORTUGAL DEMOCRÁTICO. Com Jorge de Sena, Casais Monteiro,
Sidónio Muralha, Fernando Lemos e escritores e artistas brasileiros
tais como Maria Bonomi, Guilherme Figueiredo e Cecília Meireles,
funda em S. Paulo a GIROFLÉ, editora infantil. Lança O SINDICATO
DOS BURROS, contos infantis.
1964/65 : Em 64, a ditadura
militar no Brasil. Um emprego numa indústria em Fortaleza do Ceará.
Por dois anos o Nordeste, a verificação in loco da ostentação
e da miséria, vampirismo sem disfarces. Regressa a S. Paulo. Estuda
as técnicas da racionalização industrial.
1966: Uma novela fantástica,
A COR DOS HOMENS: se uma peste transformasse em lilases todos os homens
(pretos e brancos) o que seria do racismo?
O regresso a Portugal: 1974,
o 25 de Abril, a liberdade e a euforia, garanti-las para sempre... Trabalha,
a tempo inteiro, no movimento das cooperativas de produção.
Porém os mandarins a retomarem o poleiro...
1978: Um livro de divulgação,
historietas, 25 CONTOS DE ECONOMIA.
1986: Um romance: MATA-CÃES,
o herói pícaro a desembarcar em pleno Abril de 74.
1989: LORD CANIBAL, outro
romance, novas aventuras do Mata-Cães.
1996: Um dos autores e coordenador
editorial do coleccionável do jornal PÚBLICO: 80 VIDAS QUE
A MORTE NÃO APAGA, concisão.
No mesmo ano lança
ainda o romance QUERENÇA, o contador de histórias e estas
a reinventarem a sua vida, despojamento.
1997: Outro romance fantástico
(a editar), MARESIA: se a espécie humana fosse sujeita a períodos
anuais de cio, o que aconteceria às relações entre
homens e mulheres?
No mesmo ano rescreve e
amplia a novela de 66, A COR DOS HOMENS (também a editar).
1998: Passa a coordenar VIDAS
LUSÓFONAS, (http://www.vidaslusofonas.pt)
site na Internet direccionado
aos mundos lusófonos: o rigor histórico não está
condenado à prosa de notário, é possível conviver
com as figuras do passado, tudo está a acontecer, cada vida / cada
conto, concisão. Até Junho de 2000, para este site escreveu
as seguintes biografias: Cândido Rondon, Castro Alves, Cristóvão
Colombo, Fernão de Magalhães, Fernão Mendes Pinto,
Jesus Cristo, João Ramalho, Manuel Sepúlveda, Pedro Álvares
Cabral, António de Oliveira Salazar, Simón Bolívar,
Vasco da Gama, Zumbi dos Palmares.
2000: LIANOR, mais um romance:
como fugir ou enfrentar o Mostrengo renascido, se o Labirinto que já
coincide com toda a geografia do planeta?
Obras publicadas de
Fernando Correia da Silva
Colheita (Ed. Autor, Lisboa,
1950 - poemas)
As Aventuras de Palhita,
o Touro (Ed. Autor, Lisboa, 1952 - novela infantil)
Os Descobridores (Cultrix,
São Paulo, 1960 - biografias)
Os Libertadores (Cultrix,
São Paulo, 1961 - biografias)
O Sindicato dos Burros (Giroflé,
São Paulo, 1963 - contos infantis)
A Cor dos Homens (Difel,
São Paulo, 1966 - novela)
25 Contos de Economia (O
Malho, Lisboa, 1978 - divulgação de temas económicos)
Mata-Cães (Salamandra,
Lisboa, 1986 - romance)
Lord Canibal (Edições
O Jornal, Lisboa, 1989 - romance)
80 Vidas Que a Morte Não
Apaga (Público, 1996 - coleccionável coordenado por
FCS e no qual foi também autor de 15 das biografias)
Querença (Editorial
Notícias, 1996 - romance)
Lianor (Orabem Editora,
Alenquer, 2000 - romance)
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HÉLIO
PÓLVORA
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Afonso
e Lianor nos labirintos
Hélio Pólvora
O romance de idéias,
que se vai fazendo raro, ressurge na prosa esculpida e enfática,
sem adornos barrocos, de Fernando Correia da Silva. Lianor, este seu novo
título, reforça a tendência moderna do ficcionismo
para uma pompa orquestral em que ao gênero romance, como artes subsidiárias,
aderem a crônica histórica, a psicologia, a poesia e, mais
que todas, o ensaísmo.
É ensaístico,
no sentido de debate, de tentativa de compreensão deste nosso mundo
globalizado, ou em véspera de aldeamento definitivo, tanto econômico
quanto cultural, este Lianor, que se lê com gosto e, em certas passagens,
com deleite, arrastado que se é pela criatividade irreverente do
ficcionista. Talvez o escritor, um anti-herói como todos nós,
não tenha alternativa a oferecer. O mais certo é que esteja,
como os seus leitores, abalado por perplexidades e desespero.
A caminho de Tebas, ou melhor,
no esforço de abrir um caminho seguro nos labirintos desta
sociedade dita organizada, mas que talvez levasse o professor Pangloss
a rever a sua opção pelo otimismo, o romancista é
desses que não batem em retirada. Em vez do camarote confortável,
a arena. Está no seu sangue, por formação intelectual
e experiência de vida, participar, ajuizar. E ei-lo, em Lianor, diante
do touro, olho nos olho. Al toro tengo que ir, dirá ele pela boca
de Lorca, aunque vaya de prestada.
O touro, está visto,
não devora virgens nem come criancinhas, como aquele touro da mitologia,
monstro do Labirinto. Como tantos outros monstros lendários, perdeu
muito da sua ferocidade e poder de pregar sustos. De toda a mitologia restou
imbatível, em face dos medos e perdições disseminados
nesta nossa época, apenas o Tempo, que castrou o velho pai e devorou
os filhos pare reinar absoluto. Nada podemos contra ele; acabará
cronologicamente por nos matar também, o que não invalida
esforços para mudar os tempos para melhor — um trabalho digno de
Hércules, com ajuda da economia e da política.
Neste ensaio de rebeldia e resistência,
Afonso, o personagem de Lianor, lusitano de velha e boa cepa castrense,
propõe-se a matar monstros. E um a um, por mais horrendos, os vai
abatendo, na sua odisséia de argonauta. Mas ao contrário
de Jasão e seus companheiros, não estará em busca
do Velo, que este esfumou-se, mas de uma panacéa, de um remédio
contra a insegurança, contra o arbítrio, a injustiça
e a desigualdade.
Fernando Correia da Silva
— Lianor, romance. Orabem Editora, Coleção Enredos. Alenquer,
Portugal, 2000, 175 p.
Mudam os monstros, mudam-se
os rótulos, e no fundo a velha luta prossegue, o Mal e o Bem
armados até os dentes. Do seu entrechoque permanente e ruinoso ficam
as ilusões perdidas. Em metáforas perfeitas do narrador,
o destemido argonauta Afonso, também um internauta na outra ponta
da tecnologia das comunicações, varão assinalado de
um mundo esquecido nos corredores do Labirinto, passa por sucessivas metamorfoses
para completar a sua missão de limpar a costa e afugentar os mouros.
Viagem longa e atormentada, a desse Afonso; afinal, as idéias se
transformam ao sabor dos caprichos de homens, tempos e práticas
ideológicas, e terminam por adquirir aquela obtusidade córnea
dos monstros.
Refaz Afonso o caminho das ilusões
perdidas, como um Ulisses imune aos cantos de sereia. E retorna mais feliz
que Ulisses, eis que este, ao voltar, é avistado logo pelo cão,
que se ergue, olha-o e tomba morto. Ao contrário, o Afonso mata-monstros
depara na praia algo mais palatável, que é a náufraga
Lianor, esquiva a princípio, definitiva na medida da consolidação
dos hábitos do amor.
Já é consolo
para Afonso, e para nós, saber que sempre podemos nos pôr
ao fresco com a salutar prática das adunações e sobreviver
às presas do Santo Lucro. Este, mais que o Minotauro, exige resposta
pronta e certeira. Ele é o Sem-Rosto, são os voláteis
capitais sem pátria que já destruíram a individualidade
e agora ameaçam as restantes soberanias.
Romance deleitável, na
sua forma de aventura de idéias, Lianor impõe-se na esteira
da atual ficção luso-brasileira de timbre ensaístico.
Viajante do tempo, Afonso é empolgado pelas revessas, navega num
artefato com que nem Jules Verne nem Wells chegaram a sonhar. Basta-lhe
clicar, deletar. Os links o transportam à Grécia antiga e
o devolvem a um Portugal que ainda lhe causa perplexidades. É que
as feridas continuam abertas, como a de Filoctetes na sua ilha deserta,
e só mesmo setas envenenadas por Héracles — as setas da ironia
e sarcasmo contundentes de Correia da Silva — são estandartes na
luta da sobrevivência e afirmação.
Qual o Velo de Ouro desse novo
Jasão desesperançado? Será o Amor? Assim deixa-nos
crer Fernando Correia da Silva, assim pensará conosco o leitor de
Lianor. William Faulkner, que amou a humanidade inteira, porém à
meia distância, acreditava (pelo menos o disse no seu discurso de
Estocolmo) na permanência do homem, porque o homem tem uma reserva
interior, uma alma — e essa alma há de pressupor misericórdia. |
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ANTÓNIO
JOSÉ SARAIVA
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ANTÓNIO JOSÉ
SARAIVA SOBRE O «MATA-CÃES»
de Fernando Correia da Silva
Em 1986 António José
Saraiva escreveu na contracapa do romance Mata-Cães
“O que é isto? Um
poema? Um conto picaresco? Uma recordação onírica?
Um testemunho realista? Uma reflexão sobre a história recente?
«O livro há-de ser» - como dizia o Bernardino - «do
que vai escrito nele». Só abrindo se poderá julgar
o MATA-CÃES, que não é decerto um tranquilizante.”
Ainda em 1986, a propósito
do mesmo romance, António José Saraiva declarou ao Diário
Popular:
“Parece-me um livro importante
e autêntico. Não é nada de postiço, de congeminação
literária sobre a nossa situação. Os portugueses têm
o vício da literatice e o livro de Correia da Silva não
é um livro literato. Talvez por isso os nossos críticos estejam
distraídos a respeito dele. Os nossos críticos são
como aqueles que olham para o balão:
- Ó patego,
olha o balão!
E não vêem
o que lhes passa diante do nariz. O nosso meio gosta muito de olhar para
o balão.” |
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Nelly Novaes Coelho
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MataCães
OU A UTOPIA INDESTRUTÍVEL
Este artigo de Nelly
Novaes Coelho, catedrática de Literatura Portuguesa da Universidade
de S.Paulo, foi publicado em 1987 no diário brasileiro «O
Estado de S. Paulo» e depois transcrito pelo semanário português
«Jornal de Letras»
"... minha Ternate,
tudo bruma!
/.../ Recordo as palavras
tão iguais por fora,
e é sempre tudo tão
desigual, por dentro (p. 157)
Ponto alto, em meio
à excelente safra de romances que, nestes últimos anos, nos
tem chegado de Portugal, O MataCães de Correia da Silva está
fundamente arraigado no lastro decepcionante deixado pela revolução
do 25 de Abril de 74, em Portugal.
Escolhendo a perspectiva
do humor ou da blague irreverente, para "filtrar" a dramática falência
dos objectivos revolucionários, o romancista desenvolve, ao nível
dos fatos, uma burlesca "crónica de vencidos". E, ao mesmo tempo,
deixa entrever que, sob os fracassos, permanece viva a Esperança,
a crença de que o Sonho ou a Utopia são os verdadeiros propulsores
da vida autêntica. É essa a certeza que, da primeira à
última página, escapa pelos interstícios do fluxo
narrativo, e acaba por sobrepor o Sonho à Realização
concreta dos actos ou fatos.
Tal visão de
mundo (que dá maior ênfase ao sonho utópico do que
à acção concretizadora) seria impensável, anos
atrás, em um romance politicamente engajado, como é este
MataCães. Entretanto, em nosso tempo, essa ambiguidade já
se vai tornando natural e se transformando em um novo estilo de narrar,
principalmente para aqueles escritores atentos à sua "circunstância
histórica" e desejosos não só de a testemunhar, mas
de actuar sobre ela para transformá-la.
Fernando Correia da
Silva é bem um desses escritores. Inquieto e idealista "descobridor
de mundos" (inclusive, viveu 20 anos no Brasil, entre 54 e 74, depois de
escapar das "malhas da Pide"), ele confirma, neste romance, a fecundidade
de uma das tendências mais originais da literatura contemporânea
- a linha que funde duas directrizes anteriores, aparentemente inconciliáveis:
a realista (que se quer testemunho ou representação objectiva
das realidades) e a surrealista ou experimentalista (que se assume como
ficção e se empenha na transgressão ou questionamento
do mundo histórico/social, defendido pela tradição).
Como sabemos, a primeira,
de natureza visceralmente ética, e a segunda, radicalmente estética,
surgiram e se desenvolveram, ora em choque entre si, ora independentes
uma da outra. Até que nos últimos anos começaram a
aparecer embaralhadas, dando origem a uma forma romanesca labiríntica,
de estrutura descontínua, essencialmente dialógica, que exige
a participação activa do leitor, para que seja possível
a descodificação final do discurso narrativo.
Em Portugal, esse
"embaralhamento" de atitudes, essa quebra de fronteiras entre realidade
e ficção, começa a aparecer nos anos 50/60, directamente
impulsionado por uma consciência política que a censura salazarista
impedia de se manifestar. E, de maneira aparentemente paradoxal, se aprofunda
em ambiguidades, no pós-25 de Abril, quando a censura já
deixara de existir.
Ficção,
espaço de luta
Contradição?
Não. Simplesmente a maneira de reagir a circunstâncias aparentemente
distintas, mas igualadas pela natureza das forças restritivas, que
nelas actuaram ou actuam. Se antes, devido à Censura imposta pela
Ditadura, a escrita ficcional se tornara o único espaço de
resistência, após a Revolução, com os desencontros
e desacertos sobrevindos e o fracasso da esperada Liberdade com Justiça
Social, a escrita ficcional volta a ser o único espaço que
resta à luta ou que permite o verdadeiro exercício da liberdade
e da consciência histórica.
É esse o factor
que liga romances tão díspares entre si, como: O Bosque Harmonioso
de Augusto Abelaira; A Balada da Praia dos Cães de José Cardoso
Pires; O Dia dos Prodígios de Lydia Jorge; Levantado do Chão
ou Memorial do Convento de José Saramago; Lusitânia de Almeida
Faria; Este Verão, O Emigrante Là-Bas de Olga Gonçalves
e alguns mais, entre os quais se insere agora este destemperado e saboroso
MataCães.
Nele, como nos demais,
se confundem diferentes tempos e espaços da História; e a
realidade mais concreta aparece como pura invenção, enquanto
a ficção assume foros de realidade... Essa fusão ou
confusão de tempos, espaços, personagens já se insinua
no titulo do primeiro capitulo: "MataCães faz-se ao Mar, Ternate
à vista". Simbolicamente, a acção real (o "fazer-se
ao mar" dos antigos descobridores e do próprio personagem) é
unida ao sonho utópico (a viagem no encalço do ideal, da
"Ternate"). O personagem narrador, ao mesmo tempo em que fala de suas andanças
e falhanças, ao se lançar na "descoberta do mundo", alude
também à sua "Ternate"—, a ilha paradisíaca; a utopia;
o mito que impele os homens para a Acção. Como disse Fernando
Pessoa, "O Mito é o Nada que é Tudo". E MataCães de
Correia da Silva confirma que, sem "Ternates" (ou "Pasárgadas",
como sonhava Manuel Bandeira) o homem não passa de um "cadáver
adiado" (genial definição fernandina).
A narrativa se abre
com a auto-apresentação do personagem-narrador:
"Para começo
de conversa o meu nome é Chico. De alcunha o MataCães. Há
quem não goste. Comem menos. Lá terão suas razões.
Eu tenho as minhas. Dizem que, para meio século, estou muito bem
conservado, vinha d'alhos ou salmoura."
Daí para a
frente, o discurso narrativo flui aos borbotões, como torrente incontrolável
que rompeu os diques que a domavam. Romance de alta qualidade literária,
MataCães distingue-se pela coerência interna da sua matéria.
A sua efabulação descontínua, caótica, corresponde,
ao nível da forma, às perplexidades e dúvidas que,
ao nível da problemática, se propõem como desafio
ao leitor. Nesse sentido observe-se que, redescobrindo o passado e a História
como forças altamente actuantes no presente, MataCães redescobre
também o idioma, a língua portuguesa em cujo espaço
privilegiado a História foi nomeada e definitivamente definida.
O Ontem e o Hoje;
a Vida e a História; a resistência; a revolução
e a decepção; o real e a ficção... vão-se
amalgamando numa linguagem forte, seivosa, pitoresca, de natureza essencialmente
popular e coloquial, onde se reconhece, de imediato, a presença
do húmus lusitano, onde Aquilino Ribeiro, entre outros, foi buscar
matéria para plasmar a sua vigorosa linguagem. Tudo, enfim, no universo
criado por Correia da Silva, em MataCães, integra-se organicamente
para contar de novo a «aventura portuguesa».
Aparentemente memorialista
(como o próprio autor o sugere na dedicatória do livro ao
amigo Lobas), o MataCães extrapola, porém, os limites individualistas
do eu pessoal, para dar voz ao eu colectivo que nele desagua. Visceralmente
identificado com os descobridores de antanho (cujos sonhos utópicos
abriram novos horizontes para o mundo e, em paga, foram "vampirizados"
pelos senhores do poder...) e com os líderes revolucionários
de agora (cujas lutas para mudar novamente os horizontes e rumos da vida,
também têm sido traídos ou "vampirizados" pelos poderosos...),
Chico, o MataCães, surge como o novo avatar do herói desbravador
de mundos novos.
Despido, porém,
da aura idealizante que fez dos antigos heróis da História
e da Literatura uma figura superior e grandiosa, o MataCães assume-se
como o anti-herói: blasonador, chocarreiro, perdedor, metido a valente,
alardeando bravatas... mas que, no fundo, esconde uma rara grandeza humana;
um amoroso, solidário e vulnerável coração...
Optando pelo riso
aberto, pela chulice às escâncaras (em lugar do humor ou da
fina ironia que vem servindo aos romancistas dessa linha, para neutralizar
os efeitos corrosivos da tragédia, nestes tempos de mudança),
Correia da Silva substitui a seriedade inerente ao fazer histórico/heróico
pelo burlesco das acções "baixas", rudes, comezinhas, presas
às contingências quotidianas. A essa substituição
se alia o ritmo desordenado de sua escritura viril e desabrida, de cepa
aquiliniana que, de imediato, nos agarra e nos obriga a segui-la.
"Dizem à boca
pequena que sou matolas ou tenho um parafuso desapertado. Pena será
não ter dois... A propósito contam duas histórias
que tudo explicariam. Uma ou outra, cada cor o seu paladar.
Numa, estava eu posto
em Sta. Apolonia a dar vivas ao Delgado. Por detrás vem um guita
e acerta-me espadeirada na carola. /.../ Noutra, estava eu um dia... Não,
não é assim. Lá muito no fundo do tempo quem estava
um dia à sombra de um imbondeiro no coração de Angola
era o Norton de Matos e caluda! que a cena merece todo o respeitinho."
(p. 9/10)
Seriedade «a
brincar»
Contando suas andanças,
nesse tom picaresco e aparentemente descompromissado, o MataCães
vai ardilosamente mostrando, no "avesso" do narrado, a profunda seriedade
de tudo. Isto é, para além da fala desordenada que descarna
a pequenez, a estupidez e a mediocridade humana, descobre-se o "nervo"
existencial que dá coerência e essencialidade ao universo
ali criado.
Romance que atesta
a maturidade criadora de seu autor, MataCães revela, em suas raízes,
uma densa reflexão acerca do homem e da realidade portuguesa, de
ontem e de hoje. Uma reflexão que se anuncia já na divisão
externa das partes: Fim de Semana, Segunda, Terça, Quarta, Quinta
e Sexta. A escolha dos dias da semana para nomeação de cada
parte (por sua vez, subdivididas em dezenas de capítulos breves)
liga analogicamente a mítica criação do mundo por
Deus e a criação do romance. Aquela corresponderia ao fazer
original (e segue a evolução normal do 1º. ao 7º.
dia, quando "Deus descansou"). A segunda corresponderia a uma recriação
a partir de uma reflexão sobre o mundo criado. Daí se iniciar
no fim de semana, quando o trabalho é suspenso e o tempo de análise
e reflexão se torna possível. Da visão crítica
alcançada no "fim de semana", o romancista parte para a revisão
ou recriação do tempo vivido (e então o faz na sequência
normal: de 2ª.a 6ª.feira).
Romance dos mais logrados,
entre os que têm por matéria o pós-25 de Abril, o MataCães
expressa, em nível parodístico, a mesma ambiguidade—misto
de descrença/esperança ou de desalento/euforia—que se afirma
nos demais romances congéneres, e que Lídia Jorge definiu
claramente:
"... esse tema é
muito dramático. As pessoas queixam-se por ai do preço da
batata, mas a coisa é muito mais profunda. Nós todos estávamos
convencidos de que havia um pensamento filosófico e político
tolhido pelo fascismo antes da Revolução. E o drama é
que, quando se tirou o telhado à casa, viu-se que estava vazia./.../
Agora andamos às aranhas... Um total desconcerto e nós a
recuarmos, recuarmos./.../ Mas não é uma história
de frustração absoluta..." (Entrevista a Cremilda Medina
in Viagem à Literatura Portuguesa).
A falência das
ideologias
Em essência,
é essa a malograda aventura vivida pelo MataCães. Como tem
sido essa a grande descoberta dos períodos pós-revolucionários:
a falência das ideologias quando postas em prática; a inevitável
deterioração dos ideais aparentemente conquistados. MataCães
põe directo o dedo na ferida. Levanta a ponta do véu e mostra
a raiz do fenómeno: "O Poleiro tem muita força..." De maneira
metafórica ou directa, torna evidente que a ânsia pelo Poder
é contingência humana e iguala a todos os homens: da direita,
da esquerda ou do centro. É essa a desalentada conclusão
a que chega o MataCães:
"Se não quero
deixar-me afogar na correnteza, tenho que morder as mãos que me
arrastam para o fundo e, ao mordê-las, homem sou a lutar contra homens.
/.../ Assim fizeste. Assim fizemos. Na ânsia de liquidarmos a lei
do lobo andamos a povoar o mundo de lobisomens. /.../ Era preciso levedar
o mundo e nós desentranhamos alquimias do fermento, pão e
paz /.../ o por dentro e o por fora, o irmão que desconheces, /.../
estar na rua como em casa, comunismo, bem comum. O que não sabíamos
ainda é que Vladimir Ilitch, já no leito de morte, três
vezes foi alvejado pelo mesmo pesadelo: os donos do fermento começavam
a desprezar o trigo. Afinal, nas coordenadas apetecidas, em vez de Ternate,
era uma ilha coberta de pelourinhos." (p.168)
Como está claro,
o elemento destruidor estava na própria semente: a voracidade pelo
Poder, aquilo que leva a todos, igualmente, a praticarem a Injustiça
Social, como meio necessário e irredutível para chegarem
ao domínio seguro das forças de mando. Como escapar a esse
círculo vicioso? Como conciliar Justiça Social e Liberdade
individual? Onde a fresta? É o que parece se perguntar, ao longo
do seu dolorido/eufórico depoimento, o personagem-narrador deste
MataCães, apontando, ao mesmo tempo, para a única saída
possível, a esta altura dos Tempos: a Utopia (a sonhada Ternate...)
Pois, apesar de utópica (isto é, irrealizável) não
se pode negar que, desde o início dos tempos, é através
dela que os homens têm avançado e transformado o mundo.
É esta a «mensagem»
profunda deste realista MataCães: a crónica labiríntica
de um idealista, de um espírito sempre impulsionado por «utopias»,
sempre vencido, mas sempre acreditando que, afinal, é nos caminhos
utópicos que estarão as soluções tão
ansiadas por todos os homens. Como é também muito mais na
Poesia (nas «naus catrinetas») do que na História que
encontraremos a melhor verdade do homem.
Vale a pena meditarmos
nas palavras com que encerra a sua longa, descontínua e densa fala
narrativa. Aproximando os destinos falhados - da própria filha e
da nação portuguesa - diz ele:
- A Primavera no poço,
minha filha, solidão. Vampiro de estimação traz cravado
no pescoço. Onde o céu, onde o balouço embalado na
subida? A meio curso foi colhida...
/.../
Depois de tanta viagem
e travessia, cuidar apenas da minha horta? Dói. Dói muito.
Navalha que me rasga mas de dentro para fora. E vem Abril abrir-se em olhos
d'água, vou eu morrer de sede ao pé da fonte. Mas não
morro, conho! Não morro. Morrer, Cão, morrer não é
coisa assim à toa. /.../ Um dia destes faço-me outra vez
à vela pelo mundo e talvez haja nova ilha de Ternate à minha
espera. Muonini moli, imolê muó! O lado da luz. Sempre. (pag.
209)
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de Nelly Novaes Coelho
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HELENA
BARROSO
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HELENA BARROSO SOBRE «QUERENÇA»
A vida das histórias
Helena Barroso é docente
da Escola Superior de Educação de Lisboa. Este seu artigo
foi publicado pelo JL em 10/09/97.
Querença, o mais recente livro de Fernando Correia da Silva, é
a história de um contador de histórias, uma «espécie
em vias de extinção», como refere aliás uma
das personagens da obra. Dividido em duas sequências de cinco dias
consecutivos, que vão de segunda a sexta-feira de Setembro de 1992,
o romance articula-se na forma de uma longa entrevista feita por uma jovem
jornalista a Júlio Vera, poeta e escritor inquietado por estranhas
premonições, enunciadas em alguns dos seus poemas.
É através de uma história, composta por várias
narrativas, que Júlio Vera chega ao leitor: o jornalista Rui de
Brito é quem primeiro relata o seu acesso ao texto de Guida
Fontes, a jornalista entretanto falecida; em seguida, é o próprio
texto deste novo narrador que põe em cena diversas personagens que
apresentarão, por sua vez, o poeta. Na eminência de entrar
em cena, as três pancadas que Júlio Vera pede à jornalista
para bater à sua porta parecem vir confirmar todo o aparato teatral
com que foi preparada esta «aparição».
De início, parece pacífico e estável o estatuto de
cada um destes intervenientes na narrativa : a Guida Fontes cabe o estatuto
de narrador ou de relator da entrevista, a Júlio Vera o de
personagem narrada. Porém, o próprio objectivo da entrevista
levada a cabo para pôr em destaque a personagem entrevistada, a propensão
quase compulsiva de Júlio Vera para contar histórias, a sedução
que estas exercem sobre a sua ouvinte, os desafios amorosos a que é
submetida, invertem de imediato esta situação inicial. A
personagem ganha progressivamente autonomia ao ponto de fazer dela
depender o seu narrador : todas as reacções de Guida
Fontes, todas as suas réplicas adquirem um estatuto ficcional em
função do que o poeta faz, diz e conta, sendo a esse estatuto
ficcional, muito mais do que ao seu estatuto «real» de
jornalista que a personagem deve, paradoxalmente, a sua existência:
O Júlio entregara-me o papel principal das suas ficções.
Até me dava gozo, o desempenho, era apenas um papel. Depois entusiasmou-se
e já não consentia que eu saísse das falas programadas.
Mentir-lhe seria fugir à violação, liberdade. O meu
desespero é que já eu sangrava, só de pensar em arrancar
a máscara que me fora imposta. p.127.
Esta
máscara é tanto mais difícil de eliminar quanto é
duplo o papel ficcional que Guida Fontes assume na narrativa. Com efeito,
devido à sua semelhança física com uma outra personagem
- Raquel, o grande amor da vida do poeta -, a jornalista torna-se
assim o modelo referencial de si própria, o desdobramento
de uma personagem cujos gestos e comportamento imita à sua
própria revelia, ficando assim à mercê do seu narrador
que chega a prenunciar-lhe a morte. A ficção, depois de se
ter sobreposto à «realidade», acaba por anulá-la
: a dupla personagem Guida Fontes/Raquel interveniente nas ficções
de Júlio Vera aniquila a personagem «real» ou
seja a jornalista cujo papel consiste à partida em entrevistar
o poeta.
Todo o romance aliás se articula segundo este eixo de « realidade
» e ficção. Com efeito, uma vez aceite o pedido de
entrevista feito por Guida Fontes ao poeta Júlio Vera, este vai
progressivamente construindo dentro do seu discurso duas tramas narrativas
que à partida parecem distintas e autónomas, mas que rapidamente
se confundem. Uma delas, a história de Heitor Bento, o Cata-Vento,
desencadeada por uma estrutura morfológica que imita de forma abreviada
o quadro de funções proppiano ( « 1º -
O herói sai de casa ; 2º - O herói infringe uma
regra ; 3º - O herói é denunciado» etc.), é
um misto de conto, de romance cortês e de mito clássico :
Material não falta, desde Homero à Távola Redonda
com Galaaz e Lancelote, passando por Rama, Rómulo, Teseu,
Siegfried, Ilia Mourometz, El Cid e tantos outros. Tenho a prosa ágil,
dou a cor local, e o romance está pronto. (p. 27).
Destinada a provar quanto é fácil a construção
de romances com a ajuda das novas tecnologias - nomeadamente o computador
-, poder-se-ia designar esta narrativa como a ficção
de uma ficção, ou seja, um texto destinado a imitar, de forma
paródica, a literatura. Verificamos porém que este
« romance », retomado regularmente ao longo de todo o texto
principal, tem inúmeras semelhanças com
o relato de cariz autobiográfico que o poeta faz de si próprio
a Guida Fontes. Entre o texto que imita a vida (« Tinha, e tem, uma
capacidade ficcional fascinante. Contava as suas efabulações
como se fossem histórias realmente vividas.», p.37) e o texto
que imita a ficção, a saber a história do Cata-Vento,
o herói cuja profissão consiste precisamente em ser herói,
encontramos de facto elementos idênticos que chegam a confundir a
jornalista :
Interrompi :
Mas Júlio,
isso é do outro romance.
-Qual romance ?
-Do outro das vidas
paralelas
-[...] Mas não
é de nenhum romance. É da minha infância [...]
-Pronto, já
está tudo cruzado e confundido. (pp.132-133)
Tanto num como noutro
texto, o herói ou personagem principal tem dificuldade em dar um
rumo certo à sua vida. Ambos são levados pela força
das circunstâncias a tomar decisões bruscas que alteram por
completo a sua existência : o herói Heitor tem de fugir à
ira do pai de uma « donzela » que seduzira, Júlio Vera
parte bruscamente para o Brasil a fim de reencontrar Raquel por quem
se apaixonara em Varsóvia; ambos vivem uma iniciação
sexual que lhes traz penosas consequências ; em ambas as narrativas,
ainda que de forma radicalmente diferente - numa em tom leve e despreocupado,
noutra num tom bastante mais grave e dramático -, é descrita
a história de um amor antigo e posteriormente reencontrado sob os
traços de outra personagem.
A coabitação destes dois textos dentro de um mesmo discurso
não é pacífica e tem várias implicações.
Em primeiro
lugar demonstra de forma irónica quanto é fácil
utilizar o mesmo material de referência com resultados opostos, na
medida em que foi possível criar com ele um texto
autobiográfico e simultaneamente uma alegoria,
no sentido que Paul de Man dá a esta figura, ou seja, um texto
que remete para outro texto que lhe antecede, neste caso preciso,
todas as heranças literárias atrás referidas.
Porém, num segundo
ponto, apesar de o relato da vida de Júlio Vera acabar por convencer
a jornalista no que respeita a sua veracidade («- Estamos a ver que
a analista, para levar a bom termo a sua análise, não hesita
em classificar como real aquela infância que antes rotulara de fictícia.
» p.135), o facto de ao lado da narrativa autobiográfica se
encontrar a história do Cata-Vento, é como se esta contaminasse
a outra com a sua permanente fantasia e irrealidade, apontando para a constante
possibilidade de tudo poder ser transformado em ficção, até
o mais convincente relato de vida.
O terceiro ponto a referir no que respeita a co-existência destes
dois textos no romance de Fernando Correia da Silva prende-se com
um elemento contido na autobiografia de Júlio Vera. Neste
relato, onde o poeta descreve a sua infância e as pessoas que
a marcaram, as suas experiências amorosas, os seus amigos e companheiros
de juventude, as suas premonições e por fim a história
do seu grande amor terminada em tragédia, encontra-se a explicação
de uma experiência perturbadora :
Com o indicador da
mão direita esboçou no ar o tronco e os dois braços
divergentes de um Y. E só então entendi o que ele queria
dizer com Grande Y.
-Tu segues a tua
vida, o teu caminho. Mais à frente ele divide-se em dois braços,
dois ramais. Um para a direita, outro para a esquerda. Se queres
avançar, e certamente queres, tens que te decidir : ou vais pela
esquerda, ou vais pela direita. Voltar atrás não podes, a
decisão é irreversível. [...] p.35
- O busílis
é que eu me lembro de ter escolhido, ao mesmo tempo Isto e
Aquilo, o que não deve acontecer. Mas aconteceu. [...]p.36
-Tenho aqui no peito
um motorzinho movido a corrente alterna, ora estou, ora não
estou, quando dou por mim reparo que intermitência. Várias
bifurcações se me deparam pela vida fora, quatro, e estou
nas vésperas da 5ª. E nas quatro, ambos os caminhos eu segui
simultaneamente com resultados diversos. [...] p.36
A estas explicações
corresponde a narração de dois desses momentos em que
foram vividas ambas as alternativas acima mencionadas. A impossibilidade
de escolha vivencial espelha-se por conseguinte numa impossibilidade narrativa
idêntica, impedindo o narrador de optar por uma única versão
da história. Na medida em que contar é precisamente
escolher, este narrador vê-se por isso obrigado a cumprir uma tarefa
contrária à que lhe é normalmente pedida, ou
seja , desdobrar a narrativa por todas as experiências vividas.
Ora, este desdobramento
de possibilidades é precisamente aquele que o autor Júlio
Vera introduziu no seu discurso com Guida Fontes ao contar-lhe simultaneamente
a sua vida e o romance do Cata-Vento, como se o autor, no momento de narrar
a sua história fosse incapaz de se decidir por um ou por outro género
narrativo - a autobiografia ou o romance - e tivesse optado, como o seu
narrador, por ambas as hipóteses.
Sendo
Júlio Vera um contador de histórias, como aliás foi
referido no início deste texto, é precisamente a elas que
este deve a sua existência. Se para o seu narrador a vida se traduz
numa multiplicação de narrativas, nele é válida
a proposição inversa : é precisamente a narrativa
que lhe multiplica a vida.
__________________
(1) Paul de Man: «The
Retoric of Temporality», in Blindness and Insight, p.207, Rutledge,
London, 1989.
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