Soares Feitosa
 

Aos Poetas
que Estão por Nascer!

 

Onde estão os poetas das novas Águas?

Eles estão dentro dos abismos da Terra
que os cuspirá de volta! 
Oceano, Oceano, 
ó grande rei dos sorvedouros, 
os que estão por nascer te saúdam!!! 

 
 
Salvador, noite alta, 13.12.96
Oficina
Soares Feitosa
 
Indagava-me o poeta paulistano, Carlos Figueiredo da Silva, pela Internet, "a Poesia - o que é?”

"Minha idéia — dizia ele — é que a poesia é o que vai além. O que você acha? Qual é a sua idéia? Novalis dizia que a poesia é o real absoluto. Uma espécie de cartografia. Talvez esse seja o campo da ciência. Por hipótese, imaginemos que existam três níveis de conhecimento.

 

O conhecimento natural, comum a todas as coisas, o que tudo sabe. Esse conhecimento não tem consciência de si. É o que eu e a pedra somos. Podemos chamá-lo de conhecimento xamânico. O conhecimento científico, consciente se si, que sabe o que sabe. E o conhecimento poético, que faz surgir. Que vai além".

Ao que respondi:

Minha idéia é que a poesia é o que vai além, para aproveitar suas palavras, poeta Carlos, aliás palavras do extraordinário poeta Novalis. 

É, por certo, o que vai além; porém em cima do passado, por sobre os escombros do passado. (Depois que você ler Format Cê Dois Pontos que hoje lhe remeti pelo correio, verá que eu digo que a poesia é sobretudo “reconstrução”).

 
A grande poesia, na grande literatura, é feita de “epígrafes” não no sentido da citação, da cópia servil, da mera colagem.

 
Mas há que epigrafar o sol, as auroras, os respectivos galos madrugadores. Veja este poemeto, meu, feito quando do lançamento da página de poesia de/e/para crianças.

 
Sabe você, caríssimo poeta Carlos Figueiredo, que nossos filhos, nossos netos, já nascem os dentes na frente de um computador. Como recepcioná-los ? Ao poeta que está, neste exato instante, deixando de morrer, talvez único sobrevivente numa maternidade imunda, ou numa rede miserável, vagido solitário gloriosamente superstes, (escaparás às estatísticas dos perecidos, ó Poeta infante!) dos países em atraso, inclusive o nosso.

 
E aqueles outros que sequer foram gerados ?! Eles não existem ? Claro que existem, sempre existirão.

 
         Veja como os recebo (http://www.e-net.com.br/seges/poesia.html) no seu Jornal de Poesia: 

—— Onde estão os poetas das novas Águas ? Eles estão dentro dos abismos da Terra que os cuspirá de volta! Oceano, Oceano, ó grande rei dos sorvedouros, os que estão por nascer te saúdam!!!”
 
Veja, Carlos, as novas águas “epigrafam” águas antiquíssimas, inclusive aquelas outras sobre as quais pairava o espírito d’Ele, Gênesis, 01,02.

 
Epigrafam, igualmente, o futuro, o ciclo pleno da água: a chuva, a evaporação, a chuva outra vez e sucessivas evaporações; e tudo se renova nesse ciclo extraordinário que chamam Quatro, Vivaldi, Estações e que aqui só temos duas... e se quando chove...

 
Daí porque, me perdoem os ecologistas, vale derrubar a floresta para o pátio e para a estrutura da biblioteca de Paris. Vale igualmente queimarem-se todos os livros de todas as bibliotecas... reescrevê-los nos papéis de novas árvores que sempre as plantamos ou que a gralha distraída perdeu o pinhão das araucárias às novas chuvas.

 
Requeimá-los em seguida, aos livros e às bibliotecas, com todos os Giordanos e todas as Joanas, bibliotecários Jorges inclusos... assim tem sido, em todos os Echos! Que o digam os povos do Novo Mundo queimados e requeimados - e continuam.

 
Vejamos agora o poemeto:

 
Eles estão dentro dos abismos: 

A força épica, caro Carlos, outra epígrafe fantástica, os abismos, os longes, os desconhecidos, os intangíveis, os sepulcrais, os elementares — onde?  — quem é que sabe!

Da Terra que os cuspirá de volta:

Goethe, "pois a terra os gera de novo, como sempre os gerou", Fausto, II, 3.3 — e aqui mais uma vez epigrafa-se um mundo de cultura sedimentada: a renovaçao dos poetas, eles, os novos, os esperados, os assignalados, sempre por sobre os encombros e as belezas de Tróia e de Hesíodo!

 
Oceano, Oceano:

Outro canto épico, os mistérios do Mar, o mar brutalmente mar, o ritornello às águas iniciais do poema. A certeza de que todos somos seres marinhos, a ameba inicial no caldo das águas mornas do planeta primevo. Ao Mar, ao grande oceano, sempre retornando ao pó que não apenas pó, mas muito mais água, aquosamente água, águas imemoriais que se renovam em todos os fluxos. 

Morituri te salutant:

Nem está no poemeto, mas é como se estivesse, os poetas que estão por nascer, alguns sequer “trepados” de pai e mãe, e o Oceano, eterno rei dos sorvedouros, pronto para recebê-los e ser por eles ser saudado, assim que se lhes cumpram os ciclos, aos recém chegados. "Ó velho oceano, eu te saúdo!" - também está "epigrafado".

E por que não? Tenho que incluir meu grande poeta José Alcides Pinto, Santo e Louco — teria eu imensa dificuldade de lhe escolher a patente maior, se mais Santo ou se mais Louco — quando vaticina: "um e único — mar/ oh soberano rei dos sorvedouros". Finalmente, Eliot para nos dizer que os poetas se encontram. 

Nestes sete versinhos, aparentemente simplórios, singelos, só aparentemente, epígrafes tremendas, de Princípio e Fim, não necessariamente nesta ordem.

 

'Stamos em pleno mar!

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