Soares Feitosa
Indagava-me
o poeta paulistano, Carlos Figueiredo da Silva, pela Internet, "a Poesia
- o que é?”
"Minha
idéia — dizia ele — é que a poesia é o que vai além.
O que você acha? Qual é a sua idéia? Novalis dizia
que a poesia é o real absoluto. Uma espécie de cartografia.
Talvez esse seja o campo da ciência. Por hipótese, imaginemos
que existam três níveis de conhecimento.
O conhecimento
natural, comum a todas as coisas, o que tudo sabe. Esse conhecimento não
tem consciência de si. É o que eu e a pedra somos. Podemos
chamá-lo de conhecimento xamânico. O conhecimento científico,
consciente se si, que sabe o que sabe. E o conhecimento poético,
que faz surgir. Que vai além".
Ao que
respondi:
Minha
idéia é que a poesia é o que vai além, para
aproveitar suas palavras, poeta Carlos, aliás palavras do extraordinário
poeta Novalis.
É,
por certo, o que vai além; porém em cima do passado, por
sobre os escombros do passado. (Depois que você ler Format Cê
Dois Pontos que hoje lhe remeti pelo correio, verá que eu digo que
a poesia é sobretudo “reconstrução”).
A grande
poesia, na grande literatura, é feita de “epígrafes” não
no sentido da citação, da cópia servil, da mera colagem.
Mas há
que epigrafar o sol, as auroras, os respectivos galos madrugadores. Veja
este poemeto, meu, feito quando do lançamento da página de
poesia de/e/para crianças.
Sabe você,
caríssimo poeta Carlos Figueiredo, que nossos filhos, nossos netos,
já nascem os dentes na frente de um computador. Como recepcioná-los
? Ao poeta que está, neste exato instante, deixando de morrer, talvez
único sobrevivente numa maternidade imunda, ou numa rede miserável,
vagido solitário gloriosamente superstes, (escaparás às
estatísticas dos perecidos, ó Poeta infante!) dos países
em atraso, inclusive o nosso.
E aqueles
outros que sequer foram gerados ?! Eles não existem ? Claro que
existem, sempre existirão.
Veja como os recebo (http://www.e-net.com.br/seges/poesia.html) no seu
Jornal de Poesia:
—— Onde
estão os poetas das novas Águas ? Eles estão dentro
dos abismos da Terra que os cuspirá de volta! Oceano, Oceano, ó
grande rei dos sorvedouros, os que estão por nascer te saúdam!!!”
Veja,
Carlos, as novas águas “epigrafam” águas antiquíssimas,
inclusive aquelas outras sobre as quais pairava o espírito d’Ele,
Gênesis, 01,02.
Epigrafam,
igualmente, o futuro, o ciclo pleno da água: a chuva, a evaporação,
a chuva outra vez e sucessivas evaporações; e tudo se renova
nesse ciclo extraordinário que chamam Quatro, Vivaldi, Estações
e que aqui só temos duas... e se quando chove...
Daí
porque, me perdoem os ecologistas, vale derrubar a floresta para o pátio
e para a estrutura da biblioteca de Paris. Vale igualmente queimarem-se
todos os livros de todas as bibliotecas... reescrevê-los nos papéis
de novas árvores que sempre as plantamos ou que a gralha distraída
perdeu o pinhão das araucárias às novas chuvas.
Requeimá-los
em seguida, aos livros e às bibliotecas, com todos os Giordanos
e todas as Joanas, bibliotecários Jorges inclusos... assim tem sido,
em todos os Echos! Que o digam os povos do Novo Mundo queimados e requeimados
- e continuam.
Vejamos
agora o poemeto:
Eles estão
dentro dos abismos:
A força
épica, caro Carlos, outra epígrafe fantástica, os
abismos, os longes, os desconhecidos, os intangíveis, os sepulcrais,
os elementares — onde? — quem é que sabe!
Da Terra
que os cuspirá de volta:
Goethe,
"pois a terra os gera de novo, como sempre os gerou", Fausto, II, 3.3 —
e aqui mais uma vez epigrafa-se um mundo de cultura sedimentada: a renovaçao
dos poetas, eles, os novos, os esperados, os assignalados, sempre por sobre
os encombros e as belezas de Tróia e de Hesíodo!
Oceano,
Oceano:
Outro
canto épico, os mistérios do Mar, o mar brutalmente mar,
o ritornello às águas iniciais do poema. A certeza de que
todos somos seres marinhos, a ameba inicial no caldo das águas mornas
do planeta primevo. Ao Mar, ao grande oceano, sempre retornando ao pó
que não apenas pó, mas muito mais água, aquosamente
água, águas imemoriais que se renovam em todos os fluxos.
Morituri
te salutant:
Nem está
no poemeto, mas é como se estivesse, os poetas que estão
por nascer, alguns sequer “trepados” de pai e mãe, e o Oceano, eterno
rei dos sorvedouros, pronto para recebê-los e ser por eles ser saudado,
assim que se lhes cumpram os ciclos, aos recém chegados. "Ó
velho oceano, eu te saúdo!" - também está "epigrafado".
E por
que não? Tenho que incluir meu grande poeta José Alcides
Pinto, Santo e Louco — teria eu imensa dificuldade de lhe escolher a patente
maior, se mais Santo ou se mais Louco — quando vaticina: "um e único
— mar/ oh soberano rei dos sorvedouros". Finalmente,
Eliot para nos dizer que os poetas se encontram.
Nestes
sete versinhos, aparentemente simplórios, singelos, só aparentemente,
epígrafes tremendas, de Princípio e Fim, não necessariamente
nesta ordem.
'Stamos
em pleno mar!
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O
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