Assunto:
De Luca-lucaco para
o poeta Feitosa
Data:
Wed, 28 Jul 1999 11:27:15
-0300
De:
"Lucas de Souza" <lucas@tropical.com.br>
Para:
<jpoesia@secrel.com.br>
[Veja a página de Lucas de Souza]
Vitória, Espírito Santo, 28.07.99
Caro Sr. Feitosa, (Vô-doido)
É
com largo respeito que me ponho a lhe escrever.
Primeiramente por muito admirar o trabalho que tens feito pela poesia
e também pelo poeta vasto que és.
Não sei se tu lembras de mim. Sou Lucas de Souza, 16 anos, e já
troquei e-mails contigo há bastante tempo. Tu me apelidaste de Luca-lucaco
pois tu chamas o teu netinho assim, que retribui com o "Vodoido", lembras?
Feitosa, tenho seguido teus conselhos de como ser "bom poeta" e tenho evoluído
bastante. Comprei os livros que me indicaste, fiz todas as leituras, e
tenho batalhado. Tudo, é claro, sem esquecer o que tu lembraste:
"Primeiramente vem o colégio". As notas estão ótimas
e penso em poesia nos meus momentos de lazer. Afinal, existe melhor lazer
para um poeta do que criar, ou tirar do limbo, bons versos?
Tenho trocado correspondências com Thiago de Mello e Carlos Nejar
( Nejar está morando aqui em Vitória e já tive a oportunidade
de ir visitá-lo), grandes poetas que muito têm me ensinado.
É com imensa alegria que venho a dizer-lhe que tenho crescido como
ser humano e poeta. Muito do meu "alto vôo" (entre muitas aspas,
é claro) teve grande ajuda sua.
Mando-lhe, aqui, alguns de meus poemas.
Gostaria de ouvir (ler) algo sobre eles dito por você.
Com a larga admiração, carinho e ternura de sempre,
Lucas
de Souza.
Seguem
os poemas:
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Cantando Auroras
(Para Thiago de Mello)
Lucas de Souza
§.
A manhã silenciosa
Vem por cima destes muros
Reluzindo a claridão,
Escrevendo em linhas largas
Pelos postes e varandas
Uma idéia preciosa,
Estrofe de ventanias,
Feita em pétalas de chão.
Há nos ramos da cidreira
Altas luzes transbordantes
Bendizendo as juventudes
E encurtando a escuridão.
Vêm ditando bons processos
No refúgio da aurora,
Semente de goitacazes
Descoberta em cada mão.
§.
Ditar-se regras, latitudes,
Neste pudor de alvura grande
É limitar a casa nobre,
O lar vindouro da amplidão,
Que já não perde a liberdade
Brincando o dia em seu coreto,
Frescor de orvalhos matutinos
Que nos clareia a ideação.
Mar que se alastra rarefeito
Pelos tratados militantes
Dos companheiros entretidos
No naufragar da solidão.
São amiúdes do labor
Aliviando a escura noite,
Findar do bom combate,
Para o pulsar do coração.
§.
E assim vamos aquecidos
No vagar da luz parida,
Jovem filha das estrelas
Que nos traz nova canção.
Se bem armados ou feridos,
Se desnudados ou vestidos,
O que nos dá tanta esperança
É o crepitar da claridão.
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Canção da várzea
Lucas
de Souza
Desmancho
meus olhos turvos
No suscitar dos alvéolos
Embebedados das várzeas.
Teço
nos ares mais límpidos
Das imutáveis miragens
Minha canção liberdade.
Venho
do estreito da fonte
Onde ganhei dos meninos
Um coração de bravura.
Lá
onde o grito é mais forte
Que as cordilheiras de espanto
Que se levantam do chão.
Venho
cansado da lida
Que carreguei nos meus ombros
No corredor da incerteza.
Quem
traz comigo no peito
Uma fogueira apagada
Pelo cair do sereno?
Vou
batalhando na terra
As mil certezas que tenho
Abarrotadas no espírito.
Vim
com a barca do rio
Que desce lenta mas sabe
O rumo desta canção.
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Púbis versos
Lucas de Souza
I
Nua és como flor
Aberta no sol
Conduzindo a puberdade
Destes dedos que te tocam.
Vento de calor
Cingindo o farol
Das luzernas de teu ventre
Que se chama claridade.
Manto multicor
Molhando o lençol
No labor da estrela língua
Por catar profundidade.
Passar Bojardor
Sem ver o arrebol
E entreter-se nos mamilos
Penetrando a santidade.
II
Tirar-te o Vênus,
Dar-te outro norte
Sem pôr na sorte
Os cotovelos.
Céus de brasões
Dos grelos rubros
Nas mordomias
De teus cabelos.
Confim dos remos
Das madrugadas
Pedindo orvalhos,
Penetrações.
Me são mensagens
De rezas nobres,
Teus mil caminhos
Nas claridões.
III
Gramíneas de pêlos
Forjadas no flanco
Lambuzando o pau madeira
No tratado de destreza.
Taberna dos brados
Tratantes de bocas
Aquecidas no virar
Carregado de clareza.
E nos seios de horizontes
Vão anéis e mãos molhadas
Esquecendo o labutar
No cheirar da flor aberta.
São lampejos de dois montes
Que se vão bem florescendo
Cavalgando o próprio rio
No fulgor da boca ao mar.
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Cantante navegante
Lucas de Souza
No tempo que me vou não há guarida,
Segredo ou invenção de uma estiagem,
Estanco o pormenor e segue a vida
Infante latejante na paisagem.
Primeiro fui senhor da minha lida
Na borra em fino chão plantada a vagem,
Catando cada caco da jazida
Brilhante porejante na miragem.
E enlaço a distração luzindo a noite
Certeiro e sabedor que sem açoite
O joio se engrandece de vantagem.
No tempo que me vou não há vagueza,
Só levo em minha mão basta certeza
Cantante navegante na coragem.
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Letargo de outono
Lucas de Souza
Não quero nada mais que um bom colchão,
Penumbra, chuva fraca e sonolência.
Leituras? Não, não, não, quero dormência
Nos versos do meu sono em mansidão.
Eu quero no meu quarto a solidão,
Sem gritos, palavrões, adolescência.
No leito quero estar na minha essência
Coberto de açucena, escuridão.
Se a noite despencar e o sol nascer
Que nada me atrapalhe de viver
Silente, brandamente, assaz seguro.
Só venham me acordar no entardecer
Que as luzes passarão por trás do muro.
Dormir é claridade em meu escuro!
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Videira
Lucas de Souza
O amor que surge em cada desventura
Refaz a minha sêca em cachoeira,
Traduz semente em pão, fogo em madeira,
E faz reverberar tudo o que dura.
No vale do sertão, na mata escura,
Na fronte do Jordão, na barranqueira,
Na clara exaltação da mãe videira
Me estende aquele amor a mão segura.
É um bem que me conforta e me reparte
No beiço escultural, na madrugada,
Luzindo paz, calor à minha amada.
Não há nada maior, valor ou arte,
Que possa destronar tanto tesouro.
O amor do barro fez mulher e ouro.
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Te chamo sombra
Lucas de Souza
Nas óperas teu pranto interminável
São pássaros, florins, são solitudes.
Tu levas, ó poeta, em amiúdes
As notas do carvalho imensurável.
Tuas lágrimas na face apresentável
São sons desafinando as juventudes.
Pudeste tu, ó espólio de virtudes,
Viver sem mastigar fim deplorável.
Perdeste o teu sorriso, a distração,
A música das aves no telhado,
E esqueces que te vê a multidão.
Tua voz a cotovia tem lembrado
Sem termos de resposta ou condição.
Concernes em sentir-se arruinado?
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Eloí Elisabet Bocheco <eloi@earth.yadata.com.br>
Prezado SF,
Da minha parte só tenho a lhe agradecer pela página infantil.
Nossa! que
alegria encontrar lá as poesias que tanto li com os meus alunos,
nesses
26 anos de magistério, as de Cecília Meireles e
Vinicius de Morais,
especialmente. |