Poltrona
F6
   
   
| Saiu
no jornal: 
 Diário
de Pernambuco 
 G4
 Recife Domingo, 5 de junho de 1994 - Anúncios Pessoais:  
 Súplica
 senhorita que, Domingo, 29 de maio último, assistiu à peça
Brilhantina, no Waldemar de Oliveira, às 21:30h e sentou na poltrona
F-6, por favor, telefone para o 432.xx.xx. Estou apaixonado. Não
consigo esquecê-la. Ado. 
    | 
 
 
  
Amantes do mundo
todo, uni-vos! 
  
   
 Despachem-se os
mensageiros, 
 contratem-se
os rastejadores, 
 engajem-se os
farejadores, 
 arregimentem-se
os pistoleiros, 
 adivinhos e feiticeiros, 
 sequazes e alcoviteiros,  
 adjuntos e procuradores, 
 a postos! 
       
  Onde, amor,
te meteste que não te acho ? 
 (Sei apenas te
sentavas à poltrona  6, 
 coluna F, Teatro
Waldemar, cidade Recife, 
 peça Brilhantina,
29, era maio... 
 foi assim, senhor
poeta, 
 que coloquei
no anúncio) 
   
O nome dela, meu jovem ? 
   
Não, não sei, a mínima idéia... 
 Estas são
notícias 
 de amor, 
 de Ado, um jovem,
louco, 
 fone 432.31.xx, 
 do anúncio
do jornal. 
   
 Se você
sabe quem foi a beldade 
 que enfeitiçou
esse rapaz, 
 por favor, dê
um alô... 
 Se foi você,
corra, corra,  
 urgente, urgente, 
 Ado definha: 
 não dorme,  
 não come,
não trabalha... 
 está a
morrer do mal do amor! 
                                                              
 Eu também,
meu caro jovem, 
 enviei meus positivos, 
 amarrei todos
os santos, 
 pratiquei todos
despachos, 
 contratei rastejadores, 
 estou de partida... 
 já! 
                                             
 "  Compadre,
não desanime, 
 você não
lembra,  
 o cercado das
oiticicas, 
 o tabuleiro dos
lajedos, 
 a gente ia caçar: 
 os preás
riscavam a terra, 
 eu mesmo os achava, 
 o chumbo fino
corria por cima, 
 cachorro Foguete
atrás: 
 chegávamos
juntos! 
 " Único
porém  
 aqueles outros,  
 das pedras,  
 dos lajedos, 
 não deixavam
rastro, 
 você os
rastejava... 
 na pedra, compadre! 
 "  Vai
ser muito mais fácil,  
 não desanime,
compadre, 
 você vai
achar!" 
 Estas são
notícias de animação 
 do meu Compadre-primo,
ao telefone, 
 quando lhe contei
a peripécia de Bacabal... 
   
 Bacabal... 
 daquele tempo... 
 caminhos de Mirian,
aliás, Susana! 
 rastros de Mirian,
rastros de Susana!  
 Com a coragem
do anunciante, 
 Ado, 
 eu, ao telefone: 
  
 Alô, 
Bacabal,  
 informações,
098.121: 
 boa tarde, 
 um convento,
por favor?! 
  
 Ao 098.621.xx.xx 
 a freira,  
 gentil, me disse: 
 é ela,
tenho certeza, 
 entramos juntas
neste convento, 
 alta, de boa
altura, 
 olhos claros, 
 usava uns cachos, 
 cachos de cabelos
claros! 
  
 E pareceu, compadre
meu, 
 que eu não
peque pela malícia, 
 mas pareceu uma
pontinha, 
 uma pontinha
de inveja,  
 da irmã,
ao telefone: 
  Ela só
sabia usar cachos... 
   
 (Irmã,
se a senhora não sabia,  
 fique sabendo, 
 a senhora quase
me matou, 
 morri, 
 32 anos de distância, 
 esquecera os
cachos!     
 agora os relembro: 
               
irmã, de ouro!) 
    
  O que mais, 
irmã, a senhora sabe ? 
   
  Sei que era
ela mesma,  
 ficou um ano
aqui conosco 
 mas foi embora,
de volta 
 o senhor sabe,
a vocação,  
 faltou... 
   
   O que
mais, irmã, por favor. 
   
  Ela voltou, 
 poucas as escolhidas; 
 voltou,    
 voltou para 
Sobral, terra dela. 
 Nunca deu notícias,
ingrata, a de cachos. 
 Tenho certeza: 
 ela mesma. 
 Dos cachos. 
  O nome completo,
irmã? 
  Não,
não lembro...   
 faz muito tempo.
Era Mírina, só Mirian
   
   Por favor,
dê uma busca, irmã,  
 nos velhos livros,
nos velhos papéis,  
 nos velhos baús,
nos alfarrábios...  
 velhos cadernos
e cadernetas, 
 folhinhas e almanaques,  
 velhas fotografias,
quem sabe, 
 santinhos também,
às vezes,  
 uma anotação
num cantinho... num cantinho de página,  
 numa parede, 
detrás  
 duma porta, num
risco de janela, 
 quem sabe, 
por favor, irmã,                                 
 o nome completo,   
 o nome do pai,  
 era um militar,
parece, 
 o endereço... 
 telefonarei mais
tarde, 
 um abraço,
irmã, 
 é caso
de vida e morte...  
 obrigado, irmã. 
  
   
 Compadre, nada
mais consegui. 
 Acho que a irmã
desconfiou, 
 disse  apenas
que não achou, 
 que procurou,  
 que revirou. 
        
 E me dizia a
irmãzinha ao telefone 
 que revirara,
meu compadre, 
 todas as frinchas, 
 todos as veredas... 
 remexera todos
os baús,  
 olhara 
todos os cadernos... 
 revirara velhas
fotografias, 
 pessoas de quem
nem lembrava mais, 
 de 
 ... Mirian, compadre,  
 nada! 
                      
 Aí 
também, meu compadre, 
 se reviravam
todas as emoções 
 passadas, 
 ressuscitavam-se
todos os sonhos 
 sonhados,  
 reavivavam-se
todos os desejos 
 desejados, 
 reacendiam-se
todos os minutos 
 apagados,  
 todos os tempos 
 de uma viagem
a ser... uma viagem. 
   
 Aqueles cachos
... de ouro... irmã! 
   
 Estupenda distância,            
 Bacabal, 
 esporão
do mundo, diziam, 
 se o mundo tiver
esporão, seria lá, 
 (sei que não
é) 
 imediatamente
se encurtavam 
 as distâncias
entre mim e o tempo 
 e aquela viagem, 
 do jeep, que
depois lhe conto - 
 agora, compadre, 
 já! 
 já-já! 
 estou de saída, 
 chego já'í,
compadre! 
   
 Ao revirar, 
 ao reviver 
 ao reavivar, 
 ao remexer nesses
velhos baús, 
 o coração
deste seu primo, 
 deste seu compadre, 
 para viver,  
 para  não
morrer... 
 primo meu: 
 eu vou partir... 
 eu vou achar!                                                                       
 E aquela planície
de  terra seca, 
 Sobral, 
 barrancas do
Acaraú, 
 donde se avista 
grande horizonte, 
 íngreme
Ibiapaba,  
 azul-azul... 
 Nunca  me 
incomodam  os  íngremes; 
 consolam-me os
azuis: 
 escalarei todos
os montes,  
 rastrearei todos
os vales, 
 esquadrinharei
todo o terreno, 
 casa por casa, 
 mensageiro de
mim mesmo: 
 a ela, 
 Mirian, 
 a dos cachos
de ouro, 
 que também
me procura, 
                 
eu sei.       
   
 Meu único
temor, meu compadre, 
 é que
tão frenética busca 
 resulte 
inútil 
 pois desconfio,
aliás, tenho certeza,  
 ela também
me busca; 
 enquanto me parto
daqui, 
 ela também
se  parta de lá, 
 direção
destas praias, destes arrecifes, 
 destas terras
distantes... e a gente se cruze, 
 na ânsia
de se achar,  
 se desencontre  
 ao meio do caminho, 
 eu indo, 
 ela vindo, esta
fuga, esta louca. 
  
 Quem sabe, Ado,  
 meu jovem mancebo
da paixão, 
 sua  amada, 
a da poltrona F-6, 
 tenha viajado
para Sobral, 
 ao desencontro
do teu  sonho... 
 estou de saída
para lá 
 e a minha pergunta
serão duas: 
                                     
   Você
é a Mirian, 
 Bacabal, 
 dos cachos de
ouro? 
         
(ou) 
  você
estava no teatro, poltrona F-6 ? 
   
 Faze o mesmo,  
 também
pergunta pela minha, 
 todas as mulheres
de olhar distante, 
 talvez ela ainda
use cachos,  
 mas, por favor,
não se meta, 
 sou de raça
valente,  
 ela é
minha! 
   
 Eu  te prometo,  
 no final desta
viagem, 
 trarei boas novas,
talvez fotos, 
 notícias
da Grécia: 
 das colinas,   
 das raparigas 
 de Athenas! 
 Recife, boca da noite,   05.06.94   |