Viagem
a Mirian
Homenagens:
a sóror Goretti,
da ordem franciscana, Bacabal,
MA;
a friar Lawrence, W. Shakespeare,
in Romeo and Juliet |
Parti do Ceará,
compadre-primo;
já cheguei,
Ado, Recife.
Estas são
notícias minhas,
em missão
do Amor
e o oráculo
de Delfos disse a Teseu:
Se
o Amor é teu guia,
terás
êxito!
E quando
gritei Mirian
responderam Ana
Lúcia,
e quando disse
Ana Lúcia
disseram Antônia,
aquel'outras
que não.
E o fio de Ariadne
se enrolava em minhas mãos
e minhas mãos
estremeciam,
ao arrepio da
Morte bafejante,
rápida
e quente,
nos caminhos
de Sobral,
para onde, me
dissera a sóror Goretti,
Mirian retornara,
sem vocação,
naquele tempo.
Compadre, foi
assim mesmo,
vi a Morte!
Meu cavalo-de-pau,
a 140,
estoura-lhe uma
ferradura,
traseira,
o bicho desembestou;
chovia...
Lembrei dos velhos
tempos:
jumento Meia-Noite,
compadre,
passando rente
à escada de madeira
casa do nosso
tio, Juquinha,
— a Lucy, a Lucy!
—
avoa um galo
debaixo da escada
e as patas do
jumento que iam para frente,
sem aviso prévio,
foram à direita...
e um jovem cavaleiro
que ia para frente,
em procura dos
olhos de Lucy,
continuou indo
para frente,
mas sem o jumento
debaixo,
que já
ia longe, voando
ao susto do galo
súbito...
Percebi, compadre,
o barro de nossa
terra,
aqueles matinhos
de nossa terra,
— chamavam de
carro-santo —
acariciaremcom
seus tênues espinhos verdes,
a face e os lábios
deste seu compadre...
E os óculos,
compadre,
ainda hoje os
procuro,
para ver a prima
Lucy à janela...
Compadre, o bicho
desembestou desta vez
muito pior e
mais valente,
me agarrei aos
arreios,
caprichei à
montaria,
o bicho ia para
a direita,
ia também
para a esquerda,
caranguejo-siri
maluco, deu um giro - chovia -
o rumo era Sobral,
Mirian,
voltou-se para
Fortaleza,
Antônia,
àquelas
que não.
Compadre,
o matagal, a
lateral, o bamburral
foram limpos,
um roçado
aos corações;
o bicho célere,
celerado, louco, em disparada,
de frente, de
banda, de costas,
eu dentro, compadre...
Os matos eram
raspados,
o chão
era raspado,
a vida era raspada:
quase............................................................................
†
Ela, a Ceifadeira,
bafo quente e
fétido, me diz:
—— Respeito
teu Guia — o Amor —
o Oráculo
te salva!
—— Escapei
fedendo!
Não, não,
compadre,
o filho do finado
Tatim, seu tio,
sempre escapou
escapado;
fedendo, jamais!
O som do
animal tocava uma música,
chovia,
chovia fino
(que tudo verdinho),
vou continuar
escutando,
deixar a chuva
passar para não molhar
a melhor roupa,
a mais bonita:
para Mirian,
aliás,
Susana.
Vieram dois matutos,
de um roçado
de junto,
e se benziam:
milagre, milagre,
o senhor está
bem?
Qual é
o seu Santo?
Que Santo forte,
diziam.
—— Estou
bem, gracas a Deus,
meu Santo é
São Francisco,
do Canindé...
É muito
forte!
Obrigado, boa-tarde!
—— Não
vai o senhor se apear?
Um café,
uma água-com-açúcar?
—— É mode
a chuva, expliquei,
estou de roupa
nova, a serviço do Amor,
se não,
já estava longe, a chuva,
tenho muita pressa...
Muito obrigado!
Os matutos se
assombraram
e disseram:
neste alimpado
que o senhor fez
vamos plantar
um roçado,
o senhor está
convidado
para comer a
canjica...
Rápido,
rápido,
trocamos a ferradura
do animal,
eu também
me assombrei,
emoção
da vida renascida,
o mesmo coração
do amor às mulheres:
Compadre, deixei
o cavalo no pasto,
o bicho não
quis mais andar,
entregue aos
matutos,
peguei outro
bem maior,
cheio de gente:
Ela, compadre!
Aí eu
contava como tinha sido
o acidente,
como o filho
de seu tio continuava vivo,
como continuava
e como continua
desfiando,
desafiando também,
o novelo do Equador...
Laberintos,
laberintos
de mi corazón, compadrito!
E aí um
fala que o cavaleiro tinha coragem...
outro pergunta,
audacioso,
se tomara um
banho depois...
Claro que não,
compadre,
seu compadre
não precisa tomar banho
nessas horas
graves!
Só se for
de cachaça...
Se necessário,
dou banho,
banho de sangue,
compadre,
com água
e sabão pavão, tomo depois!
Ela,
compadre...
que escutava
tudo,
atenta,
dobrava
eguardava
uma varinha...
Não sei,
compadre,
talvez, talvez,
fada-madrinha
que talvez fosse.
Pergunto-lhe a
hora, se tinha relógio.
(a serviço
do Amor, nunca uso relógios)
Tenho, respondeu,
abriu uma bolsa,
destampou um
relógio,
caqueou os ponteiros:
—— 15 para as
dezesseis, disse.
Estranhei, compadre,
muito estranho,
a moça
apalpar os ponteiros,
que os olhos
eram tão bonitos!?
Olhos límpidos,
mesmo,
claros, belíssimos,
dirigidos aos sons,
mesmo assim,
era
cega:
deficiente visual,
como dizem hoje.
Ah meu Deus, compadre,
foi sem querer,
me escapou:
—— Dá
para ir, disse-lhe.
Ao que ela ajuntou,
ligeira:
—— e para
voltar... sempre deu...!
E a Alegria, Schiller,
destampava-se
em sua face,
que os seus olhos,
(iluminada)
já disse,
tinham brilho,
e aí tive
a certeza
os cegos "verdadeiros":
vêem,
sabem,
brilham.
E ler, sabia,
claro,
escrever, também,
claro,
as quatro-contas,
evidentemente,
a poesia - sou
louca por poesia -
leio tudo, disse,
Pessoa, Fernando
Pessoa,
Castro Alves
e fazia os gestos do Navio
que o compadre
sabe de cor e salteado...
Shakespeare, também
lia,
Romeo and Juliet
Ricardo III,
e outros e outros e outros...
Blake, claro,
claro, o Blake,
também
lia o Blake!
—— O senhor
é um poeta ? —, perguntou.
E aí
vacilei, compadre,
abalei,
o violão,
à garganta, quase roto,
senti que não
sou, nunca fui,
poeta era ela,
em Poesia,
apenas disse,
encabulado,
eu gosto,
eu apriceio...
Filhos, queria
filhos, dois de uma lapada...
sobrinhos, tem,
para quem faz brinquedos,
dobraduras -
disse o nome em japonês,
que esqueci -
dobraduras de
papel, explicou,
faço qualquer
bicho, falou.
Aí tirei
uma folha do meu caderno,
ela, gentil,
dobrava e dobrava:
vou fazer um
tucano - ela disse.
Dobrava
e dobrava,
vlapt,
ligeira, puxou
duas pontas:
— as asas do
bicho —
piu, piu, imitou.
Um bicho-tucano,
de papel, belíssimo, perfeito,
deu um salto
mortal,
abriu o bico:
piu, piu,
pinicou.
Compadre, dizem
que tem outro bicho
que sabe beliscar,
que sabe flechar,
um tal de Cupido,
em terras da Grécia,
mas esse outro
descarregou a aljava,
setas de prata
trespassaram um coração
e quando eu gritei
Mirian?!
Reboaram, aos
paredões de pedra,
terras quentes
de Irauçuba:
Ana Lúcia!
a das diabruras,
dobraduras
e respeitoso,
assombrado,
dobrei-me.
Continua
- final
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