Soares Feitosa 
Roma
— uma história de índios — 
 

Eu tenho cinco filhos, aliás 
seis. 
 
O mais velho, o criei desde pequeno, 
adotivo, mas nem chegamos a adotá-lo 
nos papéis, mesmo assim, filho. 
 
Casou primeiro, saiu primeiro,  
por isso mesmo, não estava lá. 
 
Os cinco que ainda estavam 
são pessoas agradabilíssimas. O sexto 
também é.  
Mas saiu primeiro, por isto, vou falar dos cinco,  
os que ficaram. 
 

      Um é de-menor, e menor, 
      uma lindeza de pessoa.
 
Guardo-lhe, dos outros também guardo, mas 
do mais novo sei onde guardo, porque mais 
recentes —  
os mais velhos dizem: é de preferência;  
não é não — 
os primeiros sapatinhos de croché, 
um dentinho-de-leite-da-frente  
qu’eu mesmo arranquei  
com uma linha dobrada e torcida e guardo 
                                                           as lembranças,  
                                                           os abraços,  
                                                           papai!,  
                                                           sou eu! 
 

De todos eles, muitas fotos e a foto sete-carinhas. 
 

                                    —— Como irei visitá-los? 
 

Meus filhos, 
nenhuma queixa:  
vizinhos, colégios, tios, os pequenos da rua, um doce  
de meninos, 
meus filhos! 

O de-menor, a doutora me proibiu escrever o nome dele. 

                                              Ele  
                                              é 
                                              apenas  
                                              GFM,  
                                              16 anos, 
                                              menor, 
                                              da infância e da adolescência. 
 

—— Como irei visitá-los? 
 

O mais novo, GFM, 16, ficou separado e contou 
uma história diferente dos outros; 
eles haviam dito, 
o líquido (?) — não disseram qual — 
já estava no carro. 

Mas não estava não.
 

Eles foram comprar, dizendo que era 
para tirar outro carro do prego  
de combustível. 

 

Não havia lençol nenhum,
aliás, nunca houve.
 

Nus — 
assim falou o escriba da frota. 
 

Falar de inocência, teria
o escrivão que chamar
Adão,
a Serpente bem de longe
e a mulher — assim ele contou ao rei,
dito Venturoso.
 

Meus filhos! 
 

                               —— Como irei visitá-los? 
 

 

E Garcia d’Ávila punha orelhas daquelas feras a prêmio, 
sob a pata do boi, a prêmios  
                               só muito depois  
                       — uns loucos —  
                       deram a falar que aqueles bichos tinham  
                       alma  
e a Comarca do São Francisco foi tomada do Recife 
quando Confederação quis ser  
do Equador

do frei 

Joaquim do Amor Divino Caneca e do padre  
Gonçalo Feitosa Mororó, 
                        e sob as patas do boi  
                        — boi, sim, tem alma,  
                        uma alma calma...  
                        — As feras?  
                        Claro que não! —  
e Garcia d’Ávila pagava os sequazes por cabeça  
de extermínio 
e sob os colmos 
da cana, a invasão das terras longas, 
                         (a cana deve ter  
                         uma alma verde, de poucos  
                         pássaros,  
                         alpendres poucos...,  
                         alma, ela  tem que ter.)  

 
Cana!
Álcool,
era álcool o líquido
comprado
e não havia lençol
nem coberta.

 

 

Ele estava descoberto:

os remanescentes  espremidos 

nos matos-ralos (cana-e-boi, soltos, à vastidão), 
e os Candelária  
e os Carandiru e os Favela do Naval e os Novo Eldorado  
e os, e os, e os!!! 
Vigário Geral, descobertos e também não tinham  
alma 
nem cobertura, e os Carandiru foram costurados 
com linha grossa, 
(terão tido álcool na sutura?) 
e o negro Zumbi despencado no precipício 
e os, e os, e os!!!

e os do Naval apanharam no solado  
dos pés: 
pofo-pofo-pofo-pofo-pofo..., pofo, pofo, 
toma, negro safado!, 
pofo-pofo-pofo-pofo-pofo..., pofo, pofo, 
Josino.  
 

                                                Josino. 
                                                [...] 
                                                O tiro súbito. 

 

E Galdino
ardeu
descoberto,
21 de abril,
[...]
véspera de quando o senhor
escrivão da frota,
no mesmo dia
do esquartejamento.
 

Porque Guernica não é lá somente, 
Guernica é aqui também e não temos  
Picasso, 
mas um mero cantador de violas 
num arremedo grotesco: 

“furaro o-zóis do Assum-preto 
pra ele assim, ai, cantar mió!”.
 

                            E todos nos comovemos  
                            com a cantoria do passarim,  

belíssima, diga-se de passagem! 

Porque o Capitão Macedo é herói nacional 
e fazia piruetas no céu brasilamericano 
e inaugurou na Latinoamérica o primeiro 
bombardeio nacional, 
a arte de matar, 
lá de cima, 
que daqui de baixo já sabíamos, 
apud Moreira César, patrão-mór dos degoladores.

 
 

Mas o espetamos em Canudos!
Viva Sant’Antônio Conselheiro!
Morra Moreira César, césares!
666, Cæsar Nero!
 

Conta Cláudio Aguiar: 
o capitão-herói 
fez pousio no Crato e inaugurou campo avançado 
nos céus da loura desposada para lutar 
como de fato lutou 
na Itália e voltou 
coberto de medalhas, 
mas antes,  
10.05.1937, o Núcleo de Aeronáutica que fundara 
seguiu e também seguiram os trens 

entupidos de soldados, mais 
capitães Góis e Cordeiro, pessoas finíssimas, 
fino trato e religião, e a ordem também seguiu: 

—— Não me façam prisioneiros! 
 

E eram brancos os capitães, 
o genocídio branco também, — mas nada a ver: 
o interventor da ditadura era negro 
e se orgulhava, justo das origens, um homem de bem, 
vencera nos estudos, pobre, criado pelo padre! 

Parabéns! 
 

Guernica,
26.04.1937, 16 horas e minutinhos mais,
uma tropa de maribondos encoirados,
tinha pintor para o mundo ver!
 

Porque minha pobreza é tanta que o meu pintor 
pinta de cal, 
ele nunca acredita que vá chover; 
quando respinga, apaga tudo. 
 


 

E o capitão Macedo, um destemido, inaugurou
no Cariri cearense que é verde como um oásis verde,
o Cariri, onde tinha uma mancha seca — ali
um sítio
dos fanáticos — tome tiro, tome bomba —
a besta, a besta-fera,
os aturdidos queimavam os olhos no sol
e apontavam os céus e caíam para trás, cegos de sol,
de pólvora e bala:
o-cavalo-do-cão-da-besta-fera-em-cima-do-inferno
empinava as patas no ar,
vrrrroooommm!,
rasante, rasantes,
tomem bomba!
 

14 dias após Guernica, 
ah, catorze!, 
esta cócega...

cá, 

catorze, 
ah, catorze!, "qüatroze"! 
[ ... ] 
eu juro, 
talvez fosse Julho..., 
[ ... ]

 

não,

não era;

[...]
e a faca vinha a pé, no golpe rápido 
às gargantas aos balbucios:  
 

 

      —— Salve, Deus! Salve, meu Padrim!
Meu bom Jesus Conselheiro!
 
E os que já nem babulciar...,
cruzavam os dedos:
 
——  Cruz de Cristo!

Assim foi Caldeirão, mais um, 
na arte de matar, campo geral, 
inaugurada com Garcia d’Ávila, a Morte, 
porque os donos de Canudos 
não sabem dos quatro,  
os quatro que terminaram, 
sem se render, vá ler em Euclydes, 
porque Canudos não se rendeu! 
 

E ganham dinheiro, os donos de Canudos,  
em cima do Conselheiro 
e todos os bandidos do massacre são  
nomes de ruas  
e o Santo só é nome na fama que lhes deu. 

  

E ardes inteiramente descoberta,
terra minha,
na entrada dos 500
21 de abril...
 

—— De que vergonha me escrevo?

 

Meus filhos! 
Como irei visitá-los? 
Porque eu tenho que lhes levar docinhos. 
O que direi quando lhes levar docinhos? 
 
                                            Os docinhos,  
                                            cana  
                                            (álcool & fogo)  
                                            docinhos.  
 

Meus filhos!?
 

 

Meus filhos: 

Garcia d’Ávila e outros bandidos

são nome de rua, de praça, de cidade

e de água

fresca; nomes, eles têm nomes,

nós temos nomes;

alma, sim,

que aqueles bichos ardidos, Galdinos, com certeza

não podem ter. Jamais terão.

 
 
E Borba Gato que matou e Domingos Jorge Velho e cão
e os que mataram a Nação Guarany e os
Sete Povos — sem alma — h(H)istória
que não se lê.
 


 

—— Como irei visitá-los?
 
 


 

 Terra de Santa(?) Cruz, 21 de abril de 1997,
(I Centenário do Genocídio de Canudos).

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Morte de César, detalhe

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Notícias sobre Roma: 

         1. Seis jovens: Brasil, Brasília, 6 jovens, de classe média alta, fazem uma noitada. Um se retira mais cedo, os outros cinco, dos Galdino, o pataxó quais um menor (Estatuto do Menor e do Adolescente) incendeiam, de “pura brincadeira” um índio que dormia ao relento. No primeiro depoimento, negaram tudo, mas o menor, detido em separado, contou que eles foram até um posto de gasolina onde compraram o álcool que foi despejado sobre a vítima. Galdino, índio da tribo pataxó, do sul da Bahia, da mesma região do descobrimento do Brasil pelos portugueses, faleceu no hospital de queimados.  

         2. Cláudio Aguiar: escritor cearense, da Academia Pernambucana de Letras, autor de Caldeirão, Tempo Brasileiro, 2ª ed. 1992, narra um micro genocídio, quando se inaugura, em solo do Novo Mundo, o bombardeio aéreo contra uma população civil, igualzinho ao de Guernica. Os fanáticos que escapavam eram sumariamente degolados pela tropa de infantaria. A comunidade de Caldeirão era um grupo messiânico, com as mesmas características de Canudos, e sob influência do Padre Cícero. Tudo aconteceu — bombardeio aéreo e trucidamento — na mesma época de Guernica, com um intevalo de 14 dias! 

         3. Josino: Brasil, 1997, o cidadão brasileiro, operário, negro, Mário José Josino, 29, depois de levar uma grande sova, sem motivos, de um destacamento policial, à entrada da  favela do Naval, Diadema, São Paulo, toma um tiro pelas costas, do policial que responde pela alcunha de Rambo. Que Deus o tenha. Vide poema de Soares Feitosa, Salomão, no Jornal de Poesia, na Internet. 

         4. Número da Besta: Em hebraico, a notação alfa-numérica, 666 leva ao nome Cæsar Nero. Apocalipse, 13,18. 

         5. 14: Catorze de julho é data nacional do mundo, aliás, da França.

    

.

Dos leitores

Nelly Novaes Coelho: 

           Recebi o seu Roma, — um soco no estômago e uma dor funda na alma! Que magia, que poder tem a palavra da Poesia! Como pode em tão poucas frases abarcar toda a maldade e selvageria!?

 

 

POETA:

 

“Roma”...

 

Cortando as amarras.

Um poema tem duas faces: a do conteúdo, da mensagem, e a da forma.

Teus poemas primam pela mensagem. Mares revoltos, quase virgens, de difícil navegação. Difícil navegar neles: arrecifes, baixios, e quantas procelas! Ilhotas, muitas.  Ignotas, ignoscíveis.  Um desafio explora-las:  o olho, qualquer olho é amesquinhante.

Há, sim, os vastos páramos tranqüilos, sem marés, sem marolas.  Ali, o navegar é mais confortável ... aparentemente.   Há, sempre, ainda nos espaços mais insuspeitos, enclaves muitos de muita aprofundabilidade...

Navegar em teus mares é, antes de mais nada, uma aventura.  Eletrizante.  Eletriza, promove de repente ligações sinápticas adormentadas que nos remetem a instigantes insights. Teu texto é um convite, sempre, ao mergulho, ao batismo da água, ao batismo do fogo.

Agora vou falar poucamente sobre a forma.  Sobre a forma deste poema: ROMA.

É um poema-prosa, que não faz concessões a ornamentos. Rima, não há. Ritmo, apenas o da emoção do momento: um ritmo estrangulado, dolorido, dorido, quase convulsivo. Não há padrões, não há a preocupação do arredondamento da frase, que se apresenta cheia de arestas, de pontas, que não acariciam o ouvido. É um ritmo duro, seco, hostil: não convida ao relaxamento, mas à tensão.

E a musicalidade, irmã gêmea do ritmo, onde está ela? Está ausente.  E quando esteja presente, será por concessão , por necessidade de contraponto.

---

É um poema-prosa: não é para fruição, mas para reflexão.

Semelha-se, quanto a isso, a um imenso quebra-cabeça, que comporta inusitadas soluções, apontando todas, no entretanto, para um mesmo alvo:  a denúncia do mal, não em termos maniqueístas, simplistas, reducionistas, mas em termos dialéticos, transdialéticos... Sempre, portanto, com uma atitude mais compreensiva do que acusativa.

 

E podemos ir um pouco além.

Representa cada poema do Autor uma tentativa de investigação para entender o mal (e o bem!) num contexto mais amplo, mais oniabrangente.   E aqui cabe a indignação, cabe a dor, mas não cabe a condenação.

---

Chegando a ROMA.

Essa palavra sempre me impressionou, por muitos motivos, sendo a anagrafia um deles.  Amor ao contrário!

(Eis incidentalmente a chave.)

Permita-me uma digressão. Gosto também de palíndromos, tipo SOCORRAM MARROCOS... E quantos mais!

Mas há um, muito antigo, que quero lembrar aqui.

 

S

A

T

O

R

A

R

E

P

O

T

E

N

E

T

O

P

E

R

A

R

0

T

A

S

 

Que é considerado um quadrado mágico.  Ele é baseado num conceito mais complexo de palindromia.  E tem, claro, a sua interpretação. Baseado nisso e na anagrafia de ROMA,  pus-me a construir, faz tempo já, um quadrado palíndromo.

E ficou assim, num primeiro momento:

R

O

M

A

O

 

 

M

M

 

 

O

A

M

O

R

E percebi que aí havia uma mensagem:  ROMA precisava converter-se ao AMOR.  Ao mero Amor. Ao amor só amor.  Ao amor verdadeiro.  E havia uma exortação de caráter impessoal, cobrindo, portanto, todas as pessoas:  OREM. Preenchendo as lacunas:

R O M A
O R E M
M E R O
A M O R

E de quebra 

(sem querer)  

o nome do autor:

R O M A
O R E M
M E R O
A M O R

 

Fim da digressão.  Digressão?

 

---

Entrando em ROMA.

Um painel-Picasso em palavras.

Uma tragédia de mil faces, que se distribui homeopaticamente  no eixo tempo-espaço do Mundo.  Crato e Guernica.  Guernica e Crato, fragmentos discretos, descontínuos, de um mesmo quadro que atavicamente se perpetua, mercê do coração-ROMA do homem, movido por um amor distorcido, desperspectivado, antinatural.

O amor aos filhos.

O amor à pátria.

O amor à honra.

O amor da elite. Da autoelite.

O amor complacência.

O amor violência.

O amor crueldade.

O pai. O vazio. Os filhos. O vazio.

O vazio da abundância. O vazio do ócio.

O vazio e a sua sede, a busca do preenchimento a qualquer preço. Não há valores. Não há limites.

“Dolce vita” ...

 

A elite... e o resto.

O branco... e o índio.

O poder... e os despossuídos.

Os espoliadores... e os espoliados.

O alto e o baixo.

A realidade e o sonho, a necessidade de sonhar.

A sanha e o santo.

Esse o painel horrendamente dicotômico do Mundo.

 

---

O pai. Os pais.

O susto? A surpresa? O inesperável?

...  E as ternuras? E os acarinhamentos?

...  E os mimos? E o conforto?

...  E os seus sorrisos? E os seus abraços?

E agora isso?

Como visitá-los?

---

Ah! a redoma do conforto elitista!

O bom para os bons!

O bom para os meus!

Os outros? O resto...

                  O descartável ...

                  O eliminável.

Em prol do bem maior. Do bem dos maiores. Dos maiorais.

Os outros? O índio ...

                  O índio? Feras, bestas selvagens...

Os outros? Os excluídos, os marginalizados.

                   Feitos marginais!

Os outros? Carandiru, Favela Naval, Vigário Geral.

                   Josino, Galdino.

                   Hora de expurgo!

Os outros? O CONSELHEIRO, Canudos...

(“Mas Canudos não se rendeu!”: Ainda há esperança!)

---

Os outros? A nossa esperança. Acovardada.

:  Os heróis, bandidos.

:  Os bandidos, heróis.

---

E o pai com sua lamentação:

“Como irei visitá-los”

Como?  .....................................................

---

E por trás dos filhos, na esteira excludente da “h(H)istória”, a marcha atávica de ROMA, com seus césares.  Césares negros.  Das trevas.  Do caos.

E de onde nasceram esses césares cruéis e cegos?

-          Da leniência,

-          Dos afagos-em-redoma.

Da preocupação de dar docinhos às crianças.  Só docinhos.

Mas terrível é a fórmula arquetípica dos docinhos.

q.s.p  +  açúcar

Açúcar  ß   cana

Cana  à  álcool  à  fogo

Criança tratada dom dulçor, futuro amargor.

---

---

---

 

Até aqui naveguei, às velas pandas, no teu navegar.

E abeirei-me de outros lindes, de outros mares.

De outros mares?! Mas os mares não são um só?

---

ROMA,  amor invertido, mal canalizado. Esse o problema desse amor:  ser canalizado para alguém, seletivamente. Aceptivamente.

O AMOR, em si, não é aceptivo, seletivo.

O AMOR, em si, é absoluto. Transitivamente absoluto.

E o homem precisa aprender essa lição. Devo amar os meus filhos, os meus irmãos, os meus amigos, os meus conhecidos (...), os da minha classe, os do meu status, os do meu clube, os da minha igreja.  Uns mais, outros menos.

Até aqui todos concordam em maior ou menor grau.

É a partir desse ponto, do ponto de ruptura da claque, que as coisas se complicam. Seja essa claque de que tamanho for. Para um capitão-do-mato, para um herói latinoamericano, para um tenente ou general preocupado com o bem dos bons, de que tamanho será esse círculo?

E para a criança que não soube (ou não conseguiu, ou foi nisto coartada) expandir o seu amor, a sua capacidade de amar, o que haveremos de dizer?

E o grande entrave é que ROMA empedernece o coração do homem, que deixa de perceber o limites entre o certo e o errado,  entre o bem e o mal.

O fato de não podermos adotar uma atitude maniqueísta diante desse arquétipos não nos desobriga (muito pelo contrário!) do sentido ético, do sentido moral que devem presidir a vida do homem.

A visão não-maniqueísta me diz que o bem é o mal, que o mal é o bem.

Que o torturador é o torturado.  Que o torturado é o torturador.

Que o que bombardeia é o bombardeado ...

Mas isso é válido em termos de entendimento, de exercício de entendimento. E deve conduzir ao perdão, à misericórdia.

Na prática da vida, há que haver indignação, raiva, dor.

Primeiro pelo ofendido.

E aí entra o AMOR. E então pelo ofensor.

Aquele que aprende a amar sem ressalvas,  aprende a lição magna.

Porque então já não haveria necessidade de febens, de rambos, de carandirus, de Palmares, de Guernica e de outros atrozes painéis.

---

O que pesa não é o mal, mas o atavismo dos maus que se dizem bons.

É nessa hipocrisia que o AMOR se converte em ROMA!

---

Agora, algumas punctualizações.

 

  • “não sabem dos quatro,

......................................

porque Canudos não se rendeu!”

 

“Os donos de Canudos”,  os detentores de POTESTAS,  não sabem, não podem saber, não têm condições para saber que a busca de redenção, de equanimização,  brilha vívida na alma do homem.

 

  • “esta cócega...”

Não dá para passar por cima de uma senha, não é mesmo,  prezado Vate?

 

  • “cá,

catorze,

ah, catorze! `quatroze`!”

 

Deu trabalho!

Vou arriscar.

Quatroze = quatro + zê.

Zê – última letra do alfabeto.

à      Referência  aos últimos quatro que não se renderam!

 

  • “de que vergonha me escrevo?”

Quem escreve um verso dessa cepa tem de saber o que está falando.

Aqui o Autor está dizendo, em clara e óbvia linha de interpretação, que ele está escrevendo ele mesmo. Ele está claramente nos dizendo que tudo o que ele escreveu  não é sobre coisas que não são ele:  é sobre coisas que são, de alguma forma, ele mesmo. Ou de coisas que foram ele.

Isso representa um nível de assunção de responsabilidade elevadíssimo!

E isso tem implicações necessárias, óbvias ...

Quem puder que avance um pouco mais (ou muito!) nas conseqüências ilativas necessárias daquilo que foi dito acima...

 

Mais haveria para pontuar, mas isso é mais do que o básico.

 

Fim dessa etapa do navegar.

(Fiz questão de deixar pandas as velas para outros navegantes mais ousados.)

(Fernando Pessoa nos alertou: com a verdade também precisamos ser um tanto diplomáticos.)

 

Do admirador de sempre.

 

J. Romero Antonialli

 

Uma notícia de pé-de-página:

Na madrugada de 10.11.2001, num júri bastante tumultuado, os quatro foram condenados a catorze anos de reclusão. O menor já havia sido liberado.

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Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Morte de César

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Morte de César