POETA:
“Roma”...
Cortando
as amarras.
Um
poema tem duas faces: a do conteúdo, da mensagem, e a da forma.
Teus
poemas primam pela mensagem. Mares revoltos, quase virgens, de difícil navegação.
Difícil
navegar neles: arrecifes,
baixios, e quantas procelas! Ilhotas,
muitas. Ignotas, ignoscíveis.
Um desafio explora-las: o
olho, qualquer olho é amesquinhante.
Há,
sim, os vastos páramos tranqüilos, sem marés, sem marolas.
Ali, o navegar é mais confortável ... aparentemente.
Há, sempre, ainda nos espaços mais insuspeitos, enclaves muitos de
muita aprofundabilidade...
Navegar
em teus mares é, antes de mais nada, uma aventura.
Eletrizante. Eletriza,
promove de repente ligações sinápticas adormentadas que nos remetem a
instigantes insights. Teu
texto é um convite, sempre, ao mergulho, ao batismo da água, ao batismo do
fogo.
Agora
vou falar poucamente sobre a forma. Sobre
a forma deste poema: ROMA.
É
um poema-prosa, que não faz concessões a ornamentos. Rima,
não há. Ritmo,
apenas o da emoção do momento: um ritmo estrangulado, dolorido, dorido,
quase convulsivo. Não
há padrões, não há a preocupação do arredondamento da frase, que se
apresenta cheia de arestas, de pontas, que não acariciam o ouvido. É um ritmo duro, seco, hostil: não
convida ao relaxamento, mas à tensão.
E
a musicalidade, irmã gêmea do ritmo, onde está ela? Está
ausente. E quando esteja
presente, será por concessão , por necessidade de contraponto.
---
É
um poema-prosa: não é para fruição, mas para reflexão.
Semelha-se,
quanto a isso, a um imenso quebra-cabeça, que comporta inusitadas soluções,
apontando todas, no entretanto, para um mesmo alvo:
a denúncia do mal, não em termos maniqueístas, simplistas,
reducionistas, mas em termos dialéticos, transdialéticos... Sempre, portanto, com uma atitude mais compreensiva do que acusativa.
E
podemos ir um pouco além.
Representa
cada poema do Autor uma tentativa de investigação para entender o mal (e o
bem!) num contexto mais amplo, mais oniabrangente.
E aqui cabe a indignação, cabe a dor, mas não cabe a condenação.
---
Chegando
a ROMA.
Essa
palavra sempre me impressionou, por muitos motivos, sendo a anagrafia um
deles. Amor ao contrário!
(Eis
incidentalmente a chave.)
Permita-me
uma digressão. Gosto
também de palíndromos, tipo SOCORRAM MARROCOS... E
quantos mais!
Mas
há um, muito antigo, que quero lembrar aqui.
S
|
A
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T
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O
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R
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A
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R
|
E
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P
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O
|
T
|
E
|
N
|
E
|
T
|
O
|
P
|
E
|
R
|
A
|
R
|
0
|
T
|
A
|
S
|
Que
é considerado um quadrado mágico. Ele
é baseado num conceito mais complexo de palindromia.
E tem, claro, a sua interpretação. Baseado
nisso e na anagrafia de ROMA, pus-me
a construir, faz tempo já, um quadrado palíndromo.
E
ficou assim, num primeiro momento:
E
percebi que aí havia uma mensagem: ROMA
precisava converter-se ao AMOR. Ao
mero Amor. Ao amor só amor. Ao
amor verdadeiro. E havia uma exortação
de caráter impessoal, cobrindo, portanto, todas as pessoas:
OREM. Preenchendo
as lacunas:
R |
O |
M |
A |
O |
R |
E |
M |
M |
E |
R |
O |
A |
M |
O |
R |
|
E
de quebra
(sem
querer)
o
nome do autor: |
R |
O |
M |
A |
O |
R |
E |
M |
M |
E |
R |
O |
A |
M |
O |
R |
|
Fim
da digressão. Digressão?
---
Entrando
em ROMA.
Um
painel-Picasso em palavras.
Uma
tragédia de mil faces, que se distribui homeopaticamente
no eixo tempo-espaço do Mundo. Crato
e Guernica. Guernica e Crato,
fragmentos discretos, descontínuos, de um mesmo quadro que atavicamente se
perpetua, mercê do coração-ROMA do homem, movido por um amor distorcido,
desperspectivado, antinatural.
O
amor aos filhos.
O
amor à pátria.
O
amor à honra.
O
amor da elite. Da autoelite.
O
amor complacência.
O
amor violência.
O
amor crueldade.
O
pai. O vazio. Os filhos. O vazio.
O
vazio da abundância. O vazio do ócio.
O
vazio e a sua sede, a busca do preenchimento a qualquer preço. Não há valores. Não há
limites.
“Dolce
vita” ...
A
elite... e o resto.
O
branco... e o índio.
O
poder... e os despossuídos.
Os
espoliadores... e os espoliados.
O
alto e o baixo.
A
realidade e o sonho, a necessidade de sonhar.
A
sanha e o santo.
Esse
o painel horrendamente dicotômico do Mundo.
---
O
pai. Os pais.
O
susto? A surpresa? O
inesperável?
...
E as ternuras? E os
acarinhamentos?
...
E os mimos? E o conforto?
...
E os seus sorrisos? E os
seus abraços?
E
agora isso?
Como
visitá-los?
---
Ah!
a redoma do conforto elitista!
O
bom para os bons!
O
bom para os meus!
Os
outros? O resto...
O descartável ...
O eliminável.
Em
prol do bem maior. Do bem dos
maiores. Dos maiorais.
Os
outros? O índio ...
O índio? Feras, bestas selvagens...
Os
outros? Os excluídos, os
marginalizados.
Feitos marginais!
Os
outros? Carandiru, Favela Naval,
Vigário Geral.
Josino, Galdino.
Hora de expurgo!
Os
outros? O CONSELHEIRO, Canudos...
(“Mas
Canudos não se rendeu!”: Ainda
há esperança!)
---
Os
outros? A nossa esperança. Acovardada.
:
Os heróis, bandidos.
:
Os bandidos, heróis.
---
E
o pai com sua lamentação:
“Como
irei visitá-los”
Como?
.....................................................
---
E
por trás dos filhos, na esteira excludente da “h(H)istória”, a marcha atávica
de ROMA, com seus césares. Césares
negros. Das trevas. Do
caos.
E
de onde nasceram esses césares cruéis e cegos?
-
Da leniência,
-
Dos afagos-em-redoma.
Da
preocupação de dar docinhos às crianças.
Só docinhos.
Mas
terrível é a fórmula arquetípica dos docinhos.
q.s.p
+ açúcar
Açúcar
ß
cana
Cana
à
álcool à
fogo
Criança
tratada dom dulçor, futuro amargor.
---
---
---
Até
aqui naveguei, às velas pandas, no teu navegar.
E
abeirei-me de outros lindes, de outros mares.
De
outros mares?! Mas os mares não são
um só?
---
ROMA,
amor invertido, mal canalizado. Esse
o problema desse amor: ser
canalizado para alguém, seletivamente. Aceptivamente.
O
AMOR, em si, não é aceptivo, seletivo.
O
AMOR, em si, é absoluto. Transitivamente
absoluto.
E
o homem precisa aprender essa lição. Devo
amar os meus filhos, os meus irmãos, os meus amigos, os meus conhecidos (...),
os da minha classe, os do meu status, os do meu clube, os da minha igreja.
Uns mais, outros menos.
Até
aqui todos concordam em maior ou menor grau.
É
a partir desse ponto, do ponto de ruptura da claque, que as coisas se complicam. Seja essa claque de que tamanho for.
Para
um capitão-do-mato, para um herói latinoamericano, para um tenente ou general
preocupado com o bem dos bons, de que tamanho será esse círculo?
E
para a criança que não soube (ou não conseguiu, ou foi nisto coartada)
expandir o seu amor, a sua capacidade de amar, o que haveremos de dizer?
E
o grande entrave é que ROMA empedernece o coração do homem, que deixa de
perceber o limites entre o certo e o errado,
entre o bem e o mal.
O
fato de não podermos adotar uma atitude maniqueísta diante desse arquétipos não
nos desobriga (muito pelo contrário!) do sentido ético, do sentido moral que
devem presidir a vida do homem.
A
visão não-maniqueísta me diz que o bem é o mal, que o mal é o bem.
Que
o torturador é o torturado. Que o torturado é o torturador.
Que
o que bombardeia é o bombardeado ...
Mas
isso é válido em termos de entendimento, de exercício de entendimento. E deve conduzir ao perdão, à misericórdia.
Na
prática da vida, há que haver indignação, raiva, dor.
Primeiro
pelo ofendido.
E
aí entra o AMOR. E então pelo
ofensor.
Aquele
que aprende a amar sem ressalvas, aprende
a lição magna.
Porque
então já não haveria necessidade de febens, de rambos, de carandirus, de
Palmares, de Guernica e de outros atrozes painéis.
---
O
que pesa não é o mal, mas o atavismo dos maus que se dizem bons.
É
nessa hipocrisia que o AMOR se converte em ROMA!
Agora,
algumas punctualizações.
......................................
porque
Canudos não se rendeu!”
“Os
donos de Canudos”, os detentores
de POTESTAS, não sabem, não podem
saber, não têm condições para saber que a busca de redenção, de equanimização,
brilha vívida na alma do homem.
Não
dá para passar por cima de uma senha, não é mesmo,
prezado Vate?
catorze,
ah,
catorze! `quatroze`!”
Deu
trabalho!
Vou
arriscar.
Quatroze
= quatro + zê.
Zê
– última letra do alfabeto.
à
Referência aos últimos
quatro que não se renderam!
Quem
escreve um verso dessa cepa tem de saber o que está falando.
Aqui
o Autor está dizendo, em clara e óbvia linha de interpretação, que
ele está escrevendo ele mesmo. Ele está
claramente nos dizendo que tudo o que
ele escreveu não é sobre coisas
que não são ele: é sobre coisas
que são, de alguma forma, ele mesmo. Ou
de coisas que foram ele.
Isso
representa um nível de assunção de responsabilidade elevadíssimo!
E
isso tem implicações necessárias, óbvias ...
Quem
puder que avance um pouco mais (ou muito!) nas
conseqüências ilativas necessárias daquilo
que foi dito acima...
Mais
haveria para pontuar, mas isso é mais do que o básico.
Fim
dessa etapa do navegar.
(Fiz
questão de deixar pandas as velas para outros navegantes mais ousados.)
(Fernando
Pessoa nos alertou: com a verdade também
precisamos ser um tanto diplomáticos.)
Do
admirador de sempre.
J.
Romero Antonialli
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