Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

 

Florisvaldo Mattos

 

 

Poesia Reunida e Inéditos
 

A obra Poesia Reunida e Inéditos concretiza uma antiga aspiração dos admiradores de Florisvaldo Mattos: ver reunida, no seu conjunto, sua poesia, dos anos 1950 até os nossos dias. O livro, publicado pela Escrituras, de São Paulo, foi lançado na Livraria Cultura, do Salvador Shopping, no último dia 14/4.

Como diz Alexei Bueno, no texto das orelhas, o livro representa “meio século de expressão lírica de um grande poeta grapiúna, soteropolitano, baiano brasileiro e
universal (...) um dos poetas com mais requintado senso da terra, da coisa rural, dos mais ligados a seu momento histórico”.

Entre os poetas brasileiros surgidos na década de 1960 - fase extremamente criadora, aqui e no mundo -- um dos altos postos pertence a Florisvaldo Mattos. Sua obra poética, dominada por uma dicção fortemente pessoal, é, ao mesmo tempo, de uma abrangência e de uma variedade que desconcertam qualquer crítico.

Um dos polos essenciais da criação de Florisvaldo Mattos, como destaca JC Teixeira Gomes no prefácio do livro, “é o cultivo de um lirismo sempre comedido, trabalhado com extrema propriedade de recursos, sendo certamente o único na sua geração que transita do lírico para o épico com absoluta naturalidade, mestre nos dois caminhos poéticos, consciente do poder que tem sobre as palavras”.

O vasto conjunto lírico que encontramos nesta Poesia reunida e inéditos representa, portanto, um monumento da poesia brasileira de entre a segunda metade do século passado e a primeira década do presente, erguido por um espírito agudamente atento ao tempo e dele liberto, como sempre é, paradoxalmente, o dos grandes poetas.
 


Sobre o autor

 

Florisvaldo Moreira de Mattos é natural de Uruçuca, no sul do Estado da Bahia. Fez os estudos primários na cidade natal e os secundários em Itabuna e Ilhéus, completando-os em Salvador, onde se diplomou em Direito pela Universidade Federal da Bahia (1958); mas optou pelo exercício do jornalismo profissional, ocupando cargos em vários jornais, como repórter, chefe de reportagem, redator, editor e editor-chefe. Integrou o grupo nuclear da Geração Mapa, que atuou na Bahia nos anos 1960 sob a liderança do cineasta Glauber Rocha.

Escritor e poeta, atuou nas revistas Ângulos e Mapa, ambas editadas em Salvador. De 1990 a 2003, foi editor do suplemento Cultural, publicado semanalmente pelo jornal A Tarde, premiado em 1995 pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Desde 1995, ocupa a Cadeira 31 da Academia de Letras da Bahia.

Ex-professor da Faculdade de Comunicação da UFBA, também exerceu, entre 1987-89, a presidência da Fundação Cultural do Estado. Obras publicadas: Reverdor(1965); Fábula Civil (1975); A Caligrafia do Soluço & Poesia Anterior(1996), pelo qual recebeu o Prêmio Ribeiro Couto de Poesia, da União Brasileira de Escritores; Mares Anoitecidos(2000) e Galope Amarelo e Outros Poemas(2001) (todos de poesia); Estação de Prosa & Diversos (coletânea de ensaios, ficção e teatro, 1997); A Comunicação Social na Revolução dos Alfaiates (1998) e Travessia de oásis- A sensualidade na poesia de Sosígenes Costa (2004), ambos de ensaios. Como poeta e ensaísta, publicou textos em jornais e revistas de literatura e ciências humanas, estaduais e nacionais, e tem poemas publicados em antologias do Brasil, Portugal e Espanha (Galícia).

 

 

Características editoriais

 

Título: POESIA REUNIDA E INÉDITOS

Autor: FlorisvaldoMattos

Gênero: Poesia

Assina a orelha: Alexei Bueno (poeta e escritor carioca)

Assina o prefácio: João Carlos Teixeira Gomes (poeta, ensaísta, jornalista, professor universitário, membro da Academia Letras da Bahia)

Publicação: Escrituras Editora (Endereço: Rua Maestro Callia, 123 – Vila Mariana – São Paulo, SP –CEP: 04012-100). Número de páginas: 352 Capa, projeto gráfico e editoração eletrônica: Felipe Bonifácio.

 

 

 

 

 

 

 

POESIA REUNIDA E INÉDITOS- ORELHA

 

Texto de Alexei Bueno

 

 

Entre os poetas brasileiros aparecidos na década de 1960 – década fulgurantemente criadora, aqui e no mundo – um dos altos postos pertence a Florisvaldo Mattos. O presente livro reúne, portanto, meio século de expressão lírica de um grande poeta grapiúna, soteropolitano, baiano, brasileiro e universal, pois toda a poesia plenamente realizada atravessa essas camadas sutilmente aleatórias da biografia de um artista, para atingir, enfim, aquela totalidade puramente impessoal a que tendem todas as artes, além das condições cronológicas e geográficas que presidiram seu surgimento, ainda que, no caso da poesia, com o senão, sob o aspecto do alcance, da sua quase intraduzibilidade.

A obra poética de Florisvaldo Mattos, dominada por uma dicção fortemente pessoal, é, ao mesmo tempo, de uma abrangência e de uma variedade que desconcertam qualquer crítico, e ainda mais um admirador adstrito a poucas linhas como o que aqui escreve. Se desde Noticiário da aurora deparamo-nos com uma poésie pure em seu exato sentido, pouco depois assistiremos ao seu insólito encontro com a História, em Cinco monólogos de Garcia d’Ávila. Dos poetas brasileiros com mais requintado senso da terra, da coisa rural, Florisvaldo Mattos é ao mesmo tempo dos mais ligados a seu momento histórico, como podemos ver no admirável “Não aos cavalos triunfantes”, um dos maiores poemas nascidos do horror aos crimes cometidos na Guerra do Vietnã, bem como nos poemas às mortes de Gagárin, de Neruda ou à tão traumática desaparição de Glauber Rocha, sobre a qual compôs a poderosa elegia“A edição matutina”. Visceralmente ligado à sua terra natal, é autor, por outro lado, de memoráveis poemas de ambiente ibérico. Poeta antes de tudo, rendeu homenagens inesquecíveis a outros poetas, como “Rimbaud là-bas”, “Verlaine, 1891”, o magnífico poema “Duas almas” ou aqueles dedicados ao grande Sosígenes Costa, que ladeiam outros dedicados ao Jazz, à pintura e inclusive ao futebol, como o brilhante “Maradona”. Senhor de um verso livre às vezes rude, ou de um sonoro verso branco, é igualmente grande sonetista, ao lado de seus conterrâneos que cultivam esta maior forma fixa do lirismo ocidental, João Carlos Teixeira Gomes, Ildásio Tavares, Ruy Espinheira Filho ou Luiz Antônio Cajazeira Ramos. Poeta fortemente telúrico, como já afirmamos, é autor de admiráveis marinhas, algumas delas na ambiência histórica da Guerra Holandesa.

O vasto conjunto lírico que encontramos nesta Poesia reunida e inéditos representa, portanto, um monumento da poesia brasileira de entre a segunda metade do século passado e a primeira década do presente, erguido por um espírito agudamente atento ao tempo e dele liberto, como sempre é, paradoxalmente, o dos grandes poetas.

 

Alexei Bueno é poeta e escritor; autor, entre outros, de Lucernário, poesia, e Uma História da Poesia Brasileira.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Prefácio

DE CORPO INTEIRO

 

 

JC Teixeira Gomes

 

Este livro concretiza uma antiga aspiração dos admiradores da poesia de Florisvaldo Mattos: vê-la reunida no seu conjunto, permitindo, assim, a visão integral, pelo menos até o presente, de uma das produções poéticas mais relevantes produzidas (não só na Bahia, mas em escala nacional, ressalte-se) aproximadamente dos anos 50 até os nossos dias.

Disse Victor Hugo, num dos seus versos mais poderosos, que “um poeta é um mundo em um homem contido”. Lembremos que a poesia ocidental nasceu sob o signo dessa verdade, se lembrarmos que a Grécia Clássica está em Homero e grande parte da majestade de Roma, em Virgílio. O grande verbo poético, sobretudo na poesia épica, tem o condão de sintetizar as particularidades, as aspirações e os grandes rasgos culturais dos povos celebrados pelos rapsodos, que se fazem, assim, seus intérpretes mais autorizados.

Desejei, com o parágrafo acima, lembrar que uma das marcas fundamentais da poesia de Florisvaldo Mattos é precisamente o impulso épico, ao lado do seu pendor lírico, que o fez escrever um dos conjuntos de poemas curtos, sobretudo sonetos, mais belos e representativos da sua geração. E o fez sobretudo porque é um criador dominado pelo “lavor da razão”, como confessou num dos seus poemas, fato que ordenou a sua linguagem para que ela se despojasse de todo ornamento inútil , buscando a essencialidade da expressão verbal, sem os transbordamentos habituais no lirismo brasileiro.

O compromisso épico está na base da poesia do nosso autor, desde o momento em que ele lançou o livro Reverdor, de 1965, celebrando a saga heróica dos pioneiros que desbravaram as terras baianas, nos albores da colonização, como lemos nos longos poemas “A domação das pedras” e “Cinco monólogos de Garcia D´Avila” ambos de grande fôlego e transcendente força poética. E esse compromisso se dilatou nos versos que evocam a sua condição de grapiúna, nascido e criado na terra da outrora poderosa lavoura cacaueira, que deu à sua poesia a dimensão telúrica inaugurada na poesia ocidental por Hesíodo, Teócrito e Virgílio, este último um preceptor da faina agrária com as suas famosas ”Geórgicas”, que podem ser lidas como um tratado do amanho da terra. Num dos seus poemas mais trabalhados, diz-nos Florisvaldo Mattos:

 

Meu canto gravado de um sabor oculto de águas

Esquecidas fabricarei no campo com suor

De rudes trabalhadores, de chuvas, sepultando-se

De búzios pontuais, lamentos e desgraças.

Forçosamente rústicos caindo sobre os campos,

Pelo ar, compacto de húmus e branco vinho caindo

Sobre plantações. Sobre húmus caindo (...).

 

Ou então, como no “Poente aos bois”:

 

No olhar de melancolia e trabalho vespertino

Passeia desnudo entre folhas cegas

Um sacrifício comum de agrícola fadiga,

Paisagem desesperada nutrindo-se

De sombras, de canção despedaçada

Entre cedros e riachos.

 

Em suma, como bem expressou Hugo no verso que transcrevemos, há um mundo que pulsa na poesia de Florisvaldo Mattos, o mundo da terra grapiuna e da saga dos conquistadores do passado, tão presente em numerosas outras composições suas, expressas em versos brancos (isto é, sem rimas) com tanta naturalidade e competência artesanal, que preserva a musicalidade tão característica do decassílabo do nosso poeta, próxima, por vezes, dos líricos de língua espanhola. A rima, aliás, jamais foi usada na grande poesia épica, e chegou a ser qualificada por Milton, no prefácio de “Paraíso Perdido”, como invenção “de uma idade bárbara”, lembrando o poeta que ela não existia no tempo de Homero e de Virgílio, ou seja, na idade de ouro do canto coletivo.

O outro polo essencial da criação de Florisvaldo Mattos é o cultivo de um lirismo sempre comedido, trabalhado com extrema propriedade de recursos, sendo certamente o único na sua geração que transita do lírico para o épico com absoluta naturalidade, mestre nos dois caminhos poéticos, consciente do poder que tem sobre as palavras.

O território poético brasileiro está repleto de poetas que lutam com as palavras, aliás, uma luta “vã”, como lembrou Carlos Drummond de Andrade, pois o fazer poético passa a ser um desastre verbal, quando traduz um confronto do poeta com os seus meios de expressão. Não é raro que os poetas nacionais sejam derrotados pelas palavras, em vez de, pelo menos, domá-las ou seduzi-las, num processo amoroso que conduz ao parto perfeito, entre nós tão raro.

Se o calor dos trópicos torna o pensamento difícil, conforme assinalou Sílvio Romero, mais difícil ainda é o pensamento poético isento dos ardores tropicais, estimulador do martírio da verborragia nacional. Pois em Florisvaldo Mattos o que ressalta é a contenção. A palavra tem que ser trabalhada como suporte essencial, jamais supérfluo, do arcabouço do poema, ser de linguagem e não um reduto de sentimentos estereotipados, prosaicos ou confessionais. Quem quer confessar-se deve escrever cartas ou ir ao padre e não tentar poemas, pois a magia da escrita transcende a lamúria do confessionário. Por saber que um poema não é um redutor do muro das lamentações, o nosso poeta soube construir em sua obra a linguagem das essencialidades liricas, aquela que se transmite sem excesso, buscando o mínimo para obter o máximo. Como, por exemplo, neste magnífico soneto, construído sobre um jogo raro de excepcionais metáforas:

 

Talvez um lírio. Máquina de alvura

Sonora ao sopro neutro dos olvidos.

Perco-te. Cabra que és já me tortura

Guardar-te, olhos pascendo-me vencidos.

 

Máquina e jarro. Luar contraditório

Sobre lajedo o casco azul polindo,

Dominas suave clima em promontório;

Cabra: o capim ao sonho preferindo.

 

Sulca-me perdurando nos ouvidos,

Laborado em marfim – luz e presença

De reinos pastoris antes servidos –

 

Teu pelo, residência da ternura,

Onde fulguras na manhã suspensa:

Flor animal, sonora arquitetura.

 

Já escrevi sobre essa obra-prima estas palavras, que agora transcrevo, numa homenagem ao leitor:“Toda uma tradição da poética ocidental está aí presente, inclusive da vertente barroca(...). A riqueza dos processos de substituição e associação transforma a cabra contemplada pelo poeta numa “máquina de alvura”, num jarro abandonado e, sucessivamente, pela impressão transmitida à distância do ângulo de visão, numa flor e numa peça de arquitetura jogada na paisagem. Somente a alta poesia pode transubstanciar dessa maneira a realidade do mundo físico pela linguagem. Por isso a poesia é o mais difícil e complexo dos gêneros literários(...)”.

Quanto aos novos poemas reunidos neste livro, novamente se instaura aqui o envolvente jogo entre o épico e o lírico que, intermitentemente, assinala toda a produção do autor, como um compromisso essencial da sua engenharia poética, da melhor linhagem aristotélica, pela aderência à forma despojada, como poderemos ver em muitos dos que o poeta publicou em Mares Anoitecidos (2000), onde retoma a vertente épica, quando elege como tema, de forma deliberada e autônoma, o malogro dos holandeses na invasão da Bahia entre 1624 e1625, em que toma o partido da descrição de emoções e vivências na perspectiva trágica dos vencidos, como disse, “pela voz de quem se inseriu num jogo de contradições” e desespero, de cuja série destaco o poema intitulado “Rochedos”, de veia épico-lírica, evocativa de um itinerário barroco de infortúnios:

 

Meu coração agora te pertence

lua que vaga sobre esses rochedos,

eles mesmos reflexos de longínquos

muros, agora esfinges a espreitar

distâncias, a arrimar arquitetura

nostálgica de cercos, a exumar

brasão latino ou artifício mouro.

Meu coração agora vos pertence,

graves rochedos, arsenal de fúrias,

que são artes do tempo, vosso algoz:

em quieta hora de tarde ou noite morna,

decreto imemorial que a espuma lavra,

a ruína e morte, e a solidão, alude

o som da água que ruge a vossos pés.

 

Ou quando, em Galope Amarelo e Outros Poemas (2001), a voz lírica se alça por luxurioso percurso em que se desata e se impõe a presença feminina nos catorze decassilábicos dardejos de “Passos e acenos”:

(...)

De pé, agitas os vaporosos membos,

ao calor da voz que atordoa o vento.

Sentada, as formas se acomodam, urdem

rútilo desenho. É quando, pasmo, ouço

o marulho do sexo, ávido. Bem

que mereço essa onda, ronda de garras

que me acenam, me buscam pela tarde.

 

Poemas outros neste mesmo timbre lírico há entre os inéditos desta sua Poesia Reunida, todos lavrados numa mesma oficina de madura inspiração e técnica, como no soneto“Estrela súbita”, em que ressoa dadivosa a idéia nietzcheana do eterno retorno:

 

Nunca te vi dizer-me que me queres.

Eu queria te ver tocando flauta,

Sem a sabedoria das mulheres,

Na varanda distraída, como incauta.
 

Na de lusos pensei história antiga,

Ao pressentirem ninfas entre arbustos.

Se o vento manda que o perfume as siga,

A vibração começa pelos bustos.
 

Vens de um país de renovadas auras.

Como ninfa te portas, se proponho

Mover os muros que entre nós instauras.
 

Do vento ouço o ruflar de suave escolta.

Marinheiro que agora sai de um sonho,

Cogito que eras tu que estás de volta.

E assim outros mais e mais outros. Mas não nos alonguemos, pois o importante é que os leitores possam traçar por conta própria o livre roteiro das descobertas. Enfim, que saibam desdobrar à sua frente, com sensibilidade e devoção, o grandioso mapa da poesia de Florisvaldo Mattos.

 

 

João Carlos Teixeira Gomes é jornalista, poeta, articulista e ensaísta; professor aposentado do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, membro da Academia de Letras da Bahia.

 

Jornal do Conto

 

 

 

 

 
Vera Queiroz  

Edna Menezes

 

 

 

 

 

 

23.6.2011