Floriano Martins  

Entradas Invisíveis 
 
                                                                                   
Uma noite para ti, meu pai.  O abismo 
descreve seus mitos.  Pedras e plumas causam 
igual dano ao amor.  Um encanto 
deve te guardar a alma da queda.  Apenas 
uma noite, meu pai.  O submerso reino 
de teus dias se reflete em minha fronte.  
A língua desfia suas palavras secretas.  
Um homem lendo um livro e acendendo 
os jardins do sol, estalando as vozes febris 
e o terno som dos olhares e o enigmático 
encontro com a morte.  O abismo unido 
ao teu corpo.  Pássaros de fogo soletrando 
o equilíbrio de tua ausência.  Uma noite, 
pai, e tua sombra guardada por um raio.

Um largo estrondo e o corpo se desfaz.  
Os rigores do som devoram mito e ruínas.  
A própria essência do esquecimento 
se esvai em ecos.  O homem não resiste 
à treva da memória.  Dura em si apenas 
o que não pode destruir: a queda, 
o fogo semelhante à inacessível noite, 
as vozes reconhecidas apenas à distância 
Fezes de luzes, o lamento de teu sangue. 
O relâmpago abre sua porta, invade o cego 
destino que irradia o homem submerso 
em sua dor.  Desfaz-se o tempo.  A terra 
é removida de cada corpo.  Tudo é propício 
a uma fonte de ossos. o homem apenas cai.

                           

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Página  atualizada  por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  30  de janeiro de 1998