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Floriano Martins

<florianomartins@rapix.com.br>

 

Alma em Chamas (poesia). Letra & Música. Fortaleza, CE. 1998. 300 pgs.

Alma em Chamas

 

A poesia e sua rebelião total

Claudio Willer

Terá uma decepção quem procurar o entretenimento ameno nas 300 páginas de Alma em Chamas (Letra & Música. Fortaleza. 1998), de Floriano Martins, poeta e incansável divulgador da literatura. No texto introdutório, ele avisa que não está aí para brincadeira. Declara-se à margem de uma literatura contemporânea que "vai da previsibilidade dos versos arrebanhadores de prêmios, dísticos, soluços, rimários, primor xerográfico, à preguiça mental evidenciada pelo epigrama dominical e à presunção do hai-kai". Não quer nada do que está na moda ou seja modismo: que não se esperem dele experimentos formalistas, nem epigramas engraçados.

Se Alma em Chamas vier a frustrar leitores inadvertidos, não será por seus defeitos, mas por suas qualidades. Essa "mescla de devaneio e exatidão", nas palavras do autor, é opaca pela espessura; sombria pela seriedade; enfática, reiterativa, pela gravidade do que diz; complexa por ser, entre outras coisas, poesia sobre poesia, espelhando a erudição do autor. O conjunto de dezenas de trechos, alternadamente versificados e em prosa, dividido em sete partes, é, na verdade, um só poema. A família literária à qual pertence é a dos autores, no século XX, de poemas extensos, que procuraram restaurar a épica e recuperar um cosmos, uma totalidade. As grandes obras inconclusas, inventários de derrotas, como Altazor, do chileno Vicente Huidobro, e Invenção de Orfeu, do nosso Jorge de Lima, aos quais Floriano se refere explicitamente, e talvez os Cantos de Ezra Pound ou Wasteland de T. S. Eliot. As epopéias sem final feliz, nas quais Ulisses não retorna a Ítaca. Textos descontínuos, fragmentários, alguns com estrutura de colagem, modalidade visual eleita por Floriano Martins.

Para não deixar dúvidas sobre seus propósitos, inicia o livro com um poema longo comentando a esquartejamento de Sebastian, o protagonista da peça De repente, no último verão, de Tennessee Williams. Contudo, a uma dada altura, não é mais desse anti-herói ausente que ele fala, mas de cenas e personagens da Divina Comédia. Revela-se a amplitude do que pretende, aonde quer chegar: a todo lugar, a lugar algum. Assume a "tarefa de escrever um livro impossível: o da personificação da morte". Por isso, "dissolve-se na matéria de suas metáforas, / misturado à visão do livro findo inacabado".

Crítica não é catalogar autores. Interessa, mais que localizá-los em alguma topografia literária, mostrar, no plano da análise formal ou da indicação de conteúdos, o que os diferencia e lhes confere sentido. Mas um tema inevitável, evocado pelo próprio Floriano Martins, é sua afinidade com a escrita barroca, a "estética do excesso", na definição de Severo Sarduy. No entanto, se tomarmos o barroco como beletrismo, expressão do Século de Ouro espanhol, ele se apresenta como autor de outra coisa, a escrita de um século de sombras.

É possível avançar nas definições negativas, do que Floriano Martins não é, com o que não tem a ver. Correlatamente, pode-se identificá-lo a uma complexa teia de autores, da antigüidade a contemporâneos brasileiros, com destaque para o romantismo iniciador de Hölderlin e Blake, e uma constelação de ibero-americanos, abordados no recente Escritura Conquistada (1998) e outras de suas obras. Tais afinidades são indicadas em epígrafes, dedicatórias e alusões. "À luz das palavras de René Char / saímos a recolher versos". Integram um "sangradouro de palimpsestos", em uma relação sempre intertextual, nunca paródica. Ele procura, não o distanciamento crítico da paródia, mas a recuperação e resgate, em uma metáfora de um diálogo com o leitor, cujos termos têm que girar ao redor de questões essenciais: "em que tempo ocorre o verso? De onde provém todo o mal da poesia?"

As referências mais produtivas para interpretar Floriano Martins vêm de uma área de sobreposição entre filosofia e poesia que integrar a herança romântica. Obriga a citar Hölderlin, sobre os poetas em um tempo de carência; e Heidegger, por sua vez referindo-se a Hölderlin, sobre a poesia e a condição humana em um tempo sem deuses, no mundo dessacralizado. O sentido de Alma em Chamas fica mais claro no poema intitulado "Séc. XX: secretas ruínas", no qual a história é designada como algo virtual, ilusão. Alude, assim, ao ensaio de Walter Benjamin sobre um quadro de Klee, no qual há "um anjo que parece querer afastar-se de algo a que ele contempla". O que o anjo contempla são ruínas, acumulação de escombros: "o que chamamos de Progresso é a tempestade que o impele".

Alma em Chamas refere-se também à descida aos infernos de Orfeu, patrono dos poetas. Mas é uma viagem sem volta, errância pelo subterrâneo. Nela, encontra sombras indistintas da unidade perdida, algo que não existe mais, que já se perdeu. Uma saída, assinalada por boa parte da literatura moderna, principalmente pelo surrealismo, está em Eros, na reintegração ao todo através da união amorosa. É dita em versos como estes: "teu corpo e o meu caindo sobre o mundo: / noite saqueada por uma caravana de relâmpagos". Contudo, nunca deixa de nos lembrar, desde o início do livro, que Eros e Tanatos caminham juntos; que Dioniso, regente do êxtase, é também um deus devorador.

Seria correto, mas redutor, ver Floriano Martins como autor de uma crítica de fundo metafísico e romântico à sociedade burguesa. Seu empreendimento é mais radica: volta-se contra o tempo e os limites da condição humana. É a rebelião total. Por isso, já abre o livro proclamando-se inspirado em William Blake, o poeta-profeta herético, expoente dessa rebeldia.

 

La incandescencia del ser

Rolando Toro

El nombre de Floriano Martins ocupa un espacio privilegiado dentro de las letras latinoamericanas, tanto por su obra poética, cuanto por su profundo saber como ensayista, crítico e historiador de la literatura contemporánea.

Alma en Llamas (1998) es un conjunto de poemas sobre la condición humana y el destino.

Floriano Martins comunica en sus poemas la trayectoria existencial en medio de la "suntuosa paradoja" de vivir en la ambiguedad de los hechos cotidianos y la exactitud del infierno; un avanzar por esa nebulosa de posibilidades entre las tinieblas y el éxtasis.

Sus poemas constituyen una extraordinaria aventura, en torno al misterio del ser.

En medio del laberinto encuentra los carbvones aún ardientes de un mítico sacrificio del comienzo del mundo.

La metáfora de "Los carbones de Goya" aluden ao proceso creador: es necesario pasar por el fuego para volver, teñido de negro, al esplendor de la vida.

                                               El hombre se
alimenta de los lazos fatales de sus delirios,
¡Oh viajero de las llamas eternas! Por entre
las vértebras agitadas de la noche, un hombre
sigue los pasos de su propia sombra.
Un hombre y su copa de intemperies.

El lenguaje de Floriano Martins, tanto en sus obras anteriores como Tumultúmulos, Cinzas do Sol, como em Alma en Llamas, pone en relieve las dimensiones caóticas y míticas de la existencia. Sus poemas son una permanente "creación actual" en el sentido de Alfredo Auersperg; ahonda en el tumulto, en la complejidad, en el caos creador.

Su proyecto poético es subversivo, ajeno a los valores convencionales, al formalismo y a la "poesía concreta".

Floriano Martins entra com determinación en la tinieblas del alma, sin eludir el éxtasis de vivir y la devoción por lo sagrado.

La experiencia del infierno genera la intuición del paraíso.

Preciso recordar aquí a Rainer Maria Rilke en unos versos de Los sonetos de Orfeo:

Sólo el que alzó la lira
También en las tinieblas
Podrá decir, presintiendo,
La infinita alabanza.

La poesía de Floriano Martins entra en la complejidad del hombre contemporáneo que ya no se engaña en jardines de ilusión; así descubre las rosas del vacío y la belleza de las tempestades; así su lenguaje alcanza un sentido épico-ontológico, la incandescencia del ser.

Martins invoca al destino de vivir com las obsesiones y tentaciones infernales, com hambre de infinito.

El relámpago abre su puerta, invade el ciego
Destino que irradia el hombre sumergido
En su dolor. Se desintegra el tiempo. La tierra
Es removida de cada cuerpo. Todo es propicio
A un hambre de huesos. El hombre apenas cae.

Las mareas subterráneas del viaje interior, arrastran al poeta hasta los arrecifes donde todo es posible: el vacío y el éxtasis, un acontecimiento sin redención y pleno de lucidez.

Al conjugar las metáforas del cielo y el infierno, crea el sentido de una ética y de una estética nuevas ajenas a los dioses y poderosa en el acto de devoción.

Después de Blake y Rimbaud, surge ahora el Alma en Llamas, el lenguaje que para vivir debe consumir su cuerpo, un lenguaje desvastador que, en su furia poética escribe sobre las cenizas ardientes del cuerpo su carta de amor.

 

Um poeta de verdade

Paulo Monteiro

O Brasil é um país de poetas. "A dor ensina a gemer"., diz um adágio; "Quem canta, seus males espanta", assegura outro. Talvez, por isso, tantos cantem nesta Pindorama. Na proporção dos cantores existentes, porém, os verdadeiros criadores literários são poucos. A maior parte é de subliteratos, mesmo.

Floriano Martins, cearense de Fortaleza, onde nasceu em 1957, é um dos bons poetas brasileiros da atualidade. Incursiona, com êxito, ainda pela crítica literária e o ensaio. Poeta culto, tradutor de Federico García Lorca e Guillermo Cabrera Infante, filia-se a uma das correntes poéticas mais representativas da poesia brasileira contemporânea, o surrealismo. Essa escola já octogenária, mas que tem demonstrado uma capacidade revivente inegável, encontra, entre nós, o poeta de Nenhuma correnteza inaugura minha sede um de seus expoentes.

Li, no mesmo vagar com que se deve tomar um bom vinho, o livro Alma em Chamas (Letra & Música Comunicação Ltda., Fortaleza, 1998), reunindo poemas escritos entre 1991 e 1998.

A felicidade com que Floriano Martins transita entre o poema em versos e o poema em prosa é meridiana, embora sua obra reflita o espírito da escrita automática, natural do surrealismo. Entretanto, esse fazer poético, que sói soar truncado nos epígonos, escoa e ecoa límpido no poeta cearense. E essa clareza transparece nas passagens em verso ou prosa. Nas primeiras, ao aproximar-se bastante da métrica tradicional, dá uma unidade rítmica aos poemas mantendo uma certa liberdade já consolidada no poema do século XX. Na prosa poética chega-se ao verso verdadeiramente livre, fugindo à aridez de muitos que tentaram esse caminho da arte poética.

Veja a estrofe do poeta:

O homem é a metade de seu canto, a metade
de seu mundo devorado pela criação,
linhas e raízes do desejo, pedras negras
do sonho, o homem e sua metade dissolvida
dentro das visões dessangradas, seus ecos.
A outra, blasfema entranha, é a aparição
de si mesmo, o mito destruído, o horror
predileto do ser, vida ornada de miséria,
sonhos macerados, o homem em seu canteiro
de imagens, secreta morada de cinzas.

É assim que (ed. Cit., p. 37), definindo o homem, o poeta define o próprio poema. "O homem é a metade de seu canto…", a metade do poema. em outra passagem, agora em prosa, sentencia: " O poema é como um lagarto voraz em busca de seu enigma verde. Não canto a ninguém. Dissolvo-me para que me alcance. Morra o homem de solidão, até ser o poeta de si mesmo." (p. 51)

O homem é o próprio lagarto, é um animal muito antigo que somente se conhece através do poema, daquela supra-realidade de que falou alhures Fidelino de Figueiredo.

Uma leitura apressada dos poetas pertencentes à família literária de Floriano Martins pode ser enganosa; pode revelar metade do homem, o lagarto, esquecendo sua voracidade em busca do enigma verde, enigma que pode ocultar-se sob diversas formas. Duas delas estão no exotismo dos nomes orientais (já usado pelos simbolistas) ou na recorrência às mitologias e, mais especificamente, às constantes referências a outros poetas. Neles o lagarto vai saciar-se de verde, o verde/verde vida/ que a vegetação poética põe à disposição do homem para saciar sua fome de supra-realidade, sua ancestral necessidade de céu, estrelas, divindades. Isso se realiza com a morte do homem de solidão e o nascimento do poeta de si mesmo.

Ora, esse supra-realismo (sur + réalisme) surge - até mesmo historicamente - como uma negação da torre de marfim simbolista. O símbolo, extirpada a barriga famélica, é a metade audível do canto. É o corpo, o poema. A saciedade, esta sim, é a poesia. Daí as limitações da (talvez pretensa) cientificidade crítica para entender essa poesia, traduzi-la à linguagem não-literária pode revelar-se impossível. O acertado pode ser reescrevê-la, romper com a escritura crítica tradicional. Quando assim se procede vê-se que Floriano Martins, ao contrário da maioria dos nossos comentadores de versos, consegue unir as duas metades de que ele tanto fala em seus poemas. E em o conseguindo apresenta-se como um verdadeiro poeta, um criador literário pleno, como poucos de sua geração.

 

 

 

 

Só a DIDÁTICA em prol do Homem legitima o conhecimento

A outra face do editor Soares Feitosa, o tributarista